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VALTER DOS SANTOS
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SENTENÇA
Processo: 1002166-66.2023.8.11.0012.
AUTOR:
REU: CAPITAL CONSIGNADO LTDA
Vistos.
1. Trata-se de Ação Revisional de Contrato c/c Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Repetição de Indébito, Danos Morais e Pedido de Tutela de Urgência, movida por em face de CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A, ambos devidamente qualificados no feito.
A parte autora alega que procurou a parte ré para contratar serviços de empréstimo consignado puro e simples, contudo, a posteriori, descobriu que o serviço contratado não foi o de empréstimo consignado, mas de empréstimo pessoal, por via de saque em cartão de crédito, mediante consignação em folha de pagamento.
Sustenta que foi induzido a erro por falha na informação da oferta veiculada, e está sofrendo exagerados prejuízos, vez que ocorreram diversos descontos mensais em sua folha de pagamento, mas não houve a amortização da dívida original.
Argumenta que essa modalidade de empréstimo torna a dívida impagável, visto que, ao efetuar os descontos do valor mínimo diretamente dos seus proventos, são debitados mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida.
Invocando essas razões, pugnou pela aplicabilidade das normas consumeristas com inversão do ônus da prova e pela procedência do pedido inicial para o fim de: (a) declarar nulo o contrato firmado entre as partes, bem como o valor "creditado" na conta corrente; (b) revisão do contrato com a consequente CONVERSÃO da modalidade contratual de cartão de crédito consignado para empréstimo pessoal; (c) condenar a ré a ressarcir em dobro o valor cobrado indevidamente e; (d) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais.
Na decisão de recebimento da inicial foram deferidos os benefícios da assistência judiciária gratuita e de inversão do ônus da prova, porém, indeferido o pedido de tutela de urgência.
Ante a frustração da audiência de conciliação, a instituição financeira requerida apresentou contestação, ocasião na qual, preliminarmente, impugnou a assistência judiciária gratuita; inépcia da petição inicial por incorreta qualificação.
No mérito, defendeu a regularidade no processo de contratação; manifestação de vontade e prévio conhecimento do produto contratado; valores liberados na conta de titularidade da parte autora; inexistência de vício de consentimento; utilização do Cartão.
Alega que não houve cobrança indevida ou abusiva, o que impediria a determinação de devolução dos valores e, subsidiariamente, requer seja determinada a compensação de todos os valores sacados pelo autor.
Refuta os demais argumentos postos na inicial e, ao final, requer a improcedência dos pedidos.
A parte autora apresentou impugnação à contestação.
Ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide.
2. É o relatório. Fundamento e decido.
3. Da impugnação à assistência judiciária gratuita.
A concessão desse benefício está em conformidade com os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e da assistência judiciária (incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da Constituição Federal).
Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural, nos termos do artigo 99, §3º, CPC. Tal presunção deve ser elidida por prova em contrário apresentada pela parte adversa, com elementos hábeis ao convencimento do juiz para a revogação de tal benesse, fato este que não foi demonstrado pela parte requerida.
Assim, afasto a preliminar de impugnação ao beneficio da gratuidade da justiça.
4. Inépcia da petição inicial por incorreta qualificação.
A petição é apta e o procedimento corresponde à natureza da causa. A pretensão deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, os pedidos são juridicamente possíveis, não havendo incompatibilidade entre eles. ademais, a princípio, da narrativa dos fatos decorre logicamente a conclusão.
Determino a retificação do polo passivo da demanda, para constar CAPITAL CONSIG SOCIEDADE DE CREDITO DIRETO S.A, inscrito no CNPJ sob o nº 40.083.667/0001-10.
Advirto que essa retificação não implica inépcia da inicial, vez que não gerou prejuízos à requerida, que foi regularmente citada e apresentou defesa sobre o mérito, sem qualquer entrave.
5. Do julgamento antecipado.
O processo comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil, porquanto os elementos de prova constantes dos autos são suficientes para o deslinde da controvérsia fática (artigo 370, CPC), remanescendo apenas questões de direito, que prescindem da dilação probatória.
Registra-se que estão presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, não existem nulidades a serem declaradas e as partes são legítimas e há interesse processual.
6. Da incidência do CDC.
A relação jurídica estabelecida entre as partes é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, vez que a instituição financeira é fornecedora dos serviços cujo usuário final é a parte demandante, nos termos do art. 2º e 3º, § 2º, ambos do Código de Defesa do Consumidor e da Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça.
7. Do mérito.
Pretende a parte autora a declaração de nulidade do contrato ou, subsidiariamente, a revisão da modalidade contratual, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados e indenização por danos morais, sob a alegação de vício de consentimento, isso porque, pretendia a contratação de empréstimo consignado comum, com pagamento em parcelas fixas, no entanto, alega que a parte ré lhe forneceu serviço diverso - empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado -, contrariando o dever de informação e transparência.
A parte ré, por sua vez, defende a validade do contrato, bem como a inexistência de erro de conduta a ela atribuído, vez que, no instrumento contratual consta, de forma expressa, que a modalidade pactuada é de um cartão de crédito consignado.
Pois bem, no caso em exame, a parte autora não nega a existência de relação jurídica com o banco, o que ela questiona é a falta de transparência e falta de observação do dever de informação sobre a modalidade contratual que lhe foi imposta.
Os elementos probatórios que acompanham a contestação do requerido comprovam a contratação de cartão de crédito consignado, por intermédio de contrato digital, assinado pela parte autora (Id 134695193), bem ainda comprovante de depósito em conta (Id 134695198).
A despeito disso, os documentos da contratação não apresentam detalhes quanto ao produto adquirido, tampouco são pormenorizadas as peculiaridades quanto ao uso e risco do serviço de cartão de crédito consignado, apresentando apenas dados gerais sobre a contratação, violando o art. 6º e 46 do CDC.
Observa-se que, na verdade, inexistem informações relevantes quanto às características e peculiaridades do produto oferecido, se resumindo a registrar a declaração do contratante de “autorização para desconto” em folha de pagamento.
Não há comprovação de que a parte autora tenha sido prévia e adequadamente esclarecida do serviço de “Cartão de Crédito Consignado” e da sua natureza peculiar, tampouco foram enfatizadas as características do produto a fim de não gerar dúvidas ou equívocos quanto a modalidade de consignação, evitar erro e confusão do consumidor quanto ao serviço adquirido.
De acordo com as faturas apresentadas pelo requerido, há descontos mensais e permanentes na folha de pagamento da parte autora apenas da parcela mínima, sem prova de que a dívida tenha sido efetivamente amortizada ou de quando será quitada.
Nesse contexto, é notório o desequilíbrio contratual entre as partes, especialmente em razão da elevação do valor da dívida, bem como do número indeterminado de parcelas para o subsequente pagamento.
Desse modo, em conformidade com o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” e, em virtude disso, a presente avença deve ser interpretada como “contrato de crédito pessoal consignado” concedido à pessoa natural, no intuito de restabelecer o equilíbrio contratual entre a instituição financeira e o consumidor.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – VÍCIO DE CONSENTIMENTO – DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS QUANTO À NATUREZA DO CONTRATO – DEVIDA A CONVERSÃO DO SAQUE EM EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO – PENSIONISTA DO INSS – CONFIGURADA FALHA E VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – ADEQUAÇÃO DA MODALIDADE DO CONTRATO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A Súmula 297 do eg. STJ dispõe que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 2. Tendo o contratante celebrado saque no cartão de crédito, acreditando tratar-se de empréstimo consignado, resta caracterizada a prática comercial abusiva, a violação dos princípios da boa-fé objetiva e do dever de transparência pela Instituição Financeira. Com efeito, nos moldes em que foi firmado o contrato (disponibilizada a quantia na conta e os descontos na folha de pagamento), mostram-se presentes as características de empréstimo consignado, modalidade que a parte autora pretendia contratar. 3. Demonstrados o descumprimento do dever de informação, diante da ausência de esclarecimentos quanto à natureza do contrato e condições de pagamento. Em vista disso, deve ser convertido o ajuste para empréstimo consignado em folha de pagamento, conforme autoriza o princípio da conservação dos negócios jurídicos, na forma positivada no art. 170 do CC. 4. As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas, na forma simples, quando não constatada a intenção dolosa, que não se presume. 5. Em que pese a cobrança injustificada, não se constata lesão aos direitos de personalidade do consumidor apta a superar o conceito de mero descumprimento contratual e ensejar indenização por danos morais. (N.U 1033908-22.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/10/2024, Publicado no DJE 13/10/2024)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONVERTIDO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – CONTRATO QUE NÃO EXPLICITA A MODALIDADE CONTRATADA – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – RECURSO DESPROVIDO. 1. Sendo o objetivo do contratante a obtenção de empréstimo, por meio de mútuo, na forma de consignado, com desconto em folha de pagamento, na modalidade RMC (reserva de margem consignável), e, no entanto, contratar cartão de crédito como se fosse financiamento, lesa o consumidor, e viola o dever de transparência, de modo que devida a conversão da modalidade contratual e adequação da taxa de juros à média de mercado, para as operações da mesma natureza, disponibilizada pelo Banco Central à época do saque. 2. As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas na forma simples quando não constatada a intenção dolosa. (N.U 1008916-05.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCIO VIDAL, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 01/10/2024, Publicado no DJE 08/10/2024)
Com efeito, devem ser declaradas nulas as cláusulas abusivas do instrumento negocial, com o devido aproveitamento das declarações de vontade emitidas pelas partes negociantes.
Assim, se a parte autora pretendia obter empréstimo consignado em folha de pagamento, há de se aplicar a taxa média de mercado dos juros remuneratórios para o crédito pessoal consignado por ser a mais favorável ao consumidor e traduzir a natureza predominante da operação.
No mais, após a devida compensação, se comprovado desconto de valores em excesso, deverá ocorrer a restituição na forma simples, notadamente porque não comprovada a má-fé da instituição financeira, ainda que demonstrada falha na prestação do serviço.
Por outro lado, a respeito da pretensão de condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais, vale ponderar que, para a caracterização de danos extrapatrimoniais, é imprescindível que a conduta praticada pela instituição bancária resulte em veemente abalo pessoal.
No caso em análise, conquanto evidenciada a falha na prestação do serviço pela instituição financeira que ocasionou a excessiva onerosidade na modalidade contratual, vê-se que a parte consumidora não comprovou que os danos advindos da abusividade do contrato extrapolaram o âmbito patrimonial, de mero dissabor, não fazendo jus à indenização requerida.
Por fim, no que concerne à inexistência de débito, verifica-se a impossibilidade de declará-la, visto que a quitação da dívida apenas poderá ser averiguada em fase de liquidação de sentença.
A propósito, em sede de liquidação de sentença, deverá ser promovido o recálculo da dívida na forma da presente sentença, com as seguintes diretrizes:
(a). Amortização das parcelas já pagas pela parte autora (descontadas de sua folha de pagamento), sob a rubrica de reserva de margem consignável ou outra análoga;
(b). Acaso remanesça saldo devedor, as parcelas deverão continuar sendo descontadas na folha de pagamento do consumidor, pelo valor mínimo contratado, à taxa fixada, até que o valor do débito seja quitado;
(c). Se a dívida já houver sido adimplida, o valor pago a maior deverá ser devolvido de forma simples.
8. Dispositivo.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
(i). Declarar a abusividade do contrato de cartão de crédito consignado e determinar a CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL de cartão de crédito para empréstimo pessoal consignado, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado para operação, divulgada pelo Banco Central para a época de cada saque;
(ii). Condenar o banco à restituição dos valores descontados em excesso, caso haja comprovação, na forma simples, após a devida compensação;
(iii). Ante a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e dos honorários, em 50% cada, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
Em tempo, JULGO EXTINTO o processo, com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Com a inclusão da presente sentença no sistema, dou-a por publicada.
Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo "a quo" (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões, no prazo de 15 dias.
Após, remetam-se os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, consignando nossas homenagens.
Não havendo interposição de recurso voluntário, certifique-se o trânsito em julgado, e inexistindo pedido de cumprimento de sentença, remetam-se os autos à Central de Arrecadação e Arquivamento desta Comarca para as providências necessárias, nos termos do art. 5º e seguintes do Provimento nº 12/2017-CGJ.
Intimem-se. Cumpra-se. Expeça-se o necessário.
Nova Xavantina/MT, data da assinatura eletrônica.
Angela Maria Janczeski Góes
Juíza de Direito
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