AÇÃO DO PASEP: SUSPENSÃO do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado de Pernambuco

 RECURSO ESPECIAL NO PROCESSO Nº 0003362-34.2023.8.17.2110

RECORRENTE: 

RECORRIDO: BANCO DO BRASIL S/A

 


 

EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE ENTRE O BANCO DO BRASIL S/A E OS BENEFICIÁRIO(A)S DOS VALORES DEPOSITADOS NA CONTA INDIVIDUAL VINCULADA AO PROGRAMA DE FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SERVIDOR PÚBLICO (PASEP). INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE SAQUES INDEVIDOS E DESFALQUES. ÔNUS DA PROVA. DISTRIBUIÇÃO. PARÂMETROS. ARTIGO 6º, VIII, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR OU ART. 373, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. QUESTÃO IDÊNTICA DE DIREITO NÃO ABARCADA PELO TEMA 1.150 DO STJ. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AFETAÇÃO PELO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. NECESSIDADE. SUSPENSÃO DOS PROCESSOS PENDENTES EM 1º E 2º GRAUS. DETERMINAÇÃO.

 

 

DECISÃO


 

Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal contra acórdão proferido em apelação cível (id. 35433008).

 

Consta na ementa do acórdão recorrido (id. 34294935):

 

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PROGRAMA DE FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SERVIDOR PÚBLICO - PASEP. ALEGAÇÃO DE RETIRADAS FRAUDULENTAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO DO BRASIL. PRESCRIÇÃO DECENAL. TERMO INICIAL. DATA DO EXTRATO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. TEMA REPETITIVO 1150/STJ. MÁ GESTÃO DO BANCO DO BRASIL. PROVA. AUSÊNCIA. ÔNUS DO AUTOR. LAUDO PERICIAL UNILATERALMENTE PRODUZIDO. INADIMISSIBILIDADE COMO MEIO ÚNICO DE PROVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

1. “O Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto à conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa” (Tema Repetitivo 1150/STJ).

2. “A pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo art. 205 do Código Civil” (Tema Repetitivo 1150/STJ).

3. “O termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep” (Tema Repetitivo 1150/STJ).

4. A inequívoca ciência da parte autora acerca das retiradas alegadamente indevidas e de toda a extensão do eventual dano se deu na data da obtenção dos extratos da conta PASEP.

5. Não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção da prova solicitada pela parte, quando devidamente demonstrada presença de dados suficientes à formação do convencimento.

6. Na hipótese, os extratos do tipo microfichas acostados pela parte autora indicam que foram efetuadas retiradas de valores da sua conta PASEP em sua maioria sob duas rubricas: PGTO RENDIMENTOS FOPAG e PGTO RENDIMENTO C/C, que são indicativas de que os valores debitados da conta PASEP foram creditados ora na sua folha de pagamento, ora na conta corrente de sua titularidade.

7. A análise dos contracheques da parte autora do período coincidente com o período das retiradas é imprescindível para a verificação do dano, que restará caracterizado se nos contracheques não constar anotado o crédito que a rubrica PGTO RENDIMENTOS FOPAG sugere. De igual sorte, o extrato bancário da conta corrente do período reclamado afigura-se imprescindível para a definição do prejuízo, que decorreria da ausência de crédito que a rubrica PGTO RENDIMENTO C/C sugere ter ocorrido.

8. Recaindo sobre a parte autora o ônus da prova acerca do prejuízo, fato constitutivo do direito à indenização (art. 373, I, CPC), e inexistindo prova nesse sentido, é de se julgar improcedentes os pedidos.

9. A prova em questão tinha natureza documental e era pré-constituída, devendo ser apresentada pela parte autora na inicial, à luz do art. 434 do CPC. Portanto, sem a prova do desfalque, não há como determinar a produção probatória para apuração de eventuais quantias a serem ressarcidas.

10. O laudo técnico elaborado unilateralmente pela parte autora/apelante não pode ser tomado como prova suficiente capaz de comprovar a tese de que a instituição financeira apelada realizou desfalques da sua conta vinculada ao PASEP, mormente a violação do art. 372 do CPC e, por corolário, o princípio do contraditório e ampla defesa.

11. Apelação não provida.

 

Nas razões do recurso especial (id. 36589452), a parte recorrente alega que o acórdão impugnado violou o art. 6º, inciso VIII[1], da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), tendo em vista que “afastou do caso ora analisado a incidência da regra da inversão do ônus da prova quando constatada a relação consumerista”.

 

Argumenta que, no caso, exigiu-se do(a) recorrente a comprovação do não recebimento dos valores pagos pela instituição financeira, bem como a existência de falha na prestação do serviço, nos termos do art. 373, inciso I[2], do Código de Processo Civil, que consistiria em prova de “fato negativo (prova ‘diabólica’), ou seja, prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida pelo consumidor (hipossuficiente): provar que não recebeu”.

 

Destaca a “clara relação de consumo existente entre o Banco do Brasil S/A e os beneficiários dos valores depositados na conta vinculada ao PASEP”, o que atrai, por consequência, a aplicação da regra da inversão do ônus da prova e a responsabilidade civil objetiva do recorrido. Afirma que a errônea compreensão de que o serviço em questão não seria bancário reduz o alcance da Súmula 297[3] do Superior Tribunal de Justiça, sendo irrelevante o fato de o serviço ser ou não amplamente oferecido aos consumidores. No ponto, cita o art. 3º, caput e § 2º, do CDC[4], e ainda o art. 5º da Lei Complementar nº 8/1970[5] (Lei instituidora do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público).

 

Defende que “a obrigação legal atribuindo ao Banco do Brasil a competência para administrar as contas vinculadas ao PASEP, per si, não afasta a existência da relação de consumo”, porquanto configurada a prestação de serviço mediante remuneração (comissão de serviço), enquadrando-se a instituição financeira no conceito legal de fornecedor, ao passo que o beneficiário dos valores depositados é o destinatário final e, portanto, consumidor do serviço de administração das contas.

 

Sustenta, ademais, que a decisão proferida por este Tribunal “traz interpretação divergente daquelas que se observam em outros Tribunais de Justiça brasileiros, a exemplo do Paraná (TJ/PR), de Goiás (TJ/GO), do Mato Grosso (TJ/MT) e do Tocantins (TJ/TO), além, é claro, do posicionamento já assente no próprio Tribunal de Justiça de Pernambuco, que tem reconhecido a existência da relação de consumo nas ações em que se pleiteia, contra o Banco do Brasil, o ressarcimento de valores desfalcados na conta vinculada ao PIS/PASEP, gerida por aquela instituição bancária”.

 

Aponta suposta “interpretação equivocada de que, ao caso, não se aplicaria o Código de Defesa do Consumidor e, pior que isso, que a responsabilidade de provar que “não recebeu” deveria recair sobre o(a) recorrente (parte hipossuficiente), e não sobre a instituição financeira”.

 

Contrarrazões apresentadas (id. 37296818).

 

É o que havia a relatar. Decido. 

 

O recurso especial é tempestivo, tendo em vista que a parte tomou ciência do acórdão em 06/05/2024 (id. 36627649) e interpôs o recurso no último dia do prazo, em 27/05/2024.

 

Preparo dispensado, tendo em vista a concessão da gratuidade da justiça, mantida desde a sentença (id. 33586147).

 

Representação processual regular (id. 33586129).

 

Verifico, ainda, o atendimento aos requisitos recursais intrínsecos, a saber: (i) legitimação – a recorrente é parte autora na ação; (ii) interesse – há utilidade e necessidade do provimento jurisdicional pleiteado; (iii) inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer – requisito negativo atendido, uma vez que não vislumbro qualquer destes fatos.

 

Os requisitos especiais do apelo excepcional também restam atendidos: (i) a controvérsia que subsidia a pretensão recursal não configura hipótese que reclama retenção ou sobrestamento do apelo excepcional, ante da inexistência de afetação ao rito dos recursos repetitivos nem a recurso extraordinário com repercussão; (ii) a análise da controvérsia – definição da natureza da relação jurídica e consequente distribuição do ônus da prova – prescinde de reexame de prova; (iii) a matéria está prequestionada; e (iv) houve o exaurimento das instâncias ordinárias.

 

Consoante estabelece o art. 1.030, IV, do Código de Processo Civil, o Presidente ou o Vice-Presidente do tribunal recorrido deverá selecionar recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do art. 1.036, §§ 1º e 6º do Código de Processo Civil, o qual, por sua vez, trata da “afetação para julgamento sob o rito dos repetitivos, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito”.

 

Em seu §6º, o artigo em referência estabelece que “somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida”.

 

Há nesta 1ª Vice-Presidência reiterados recursos especiais com fundamento em questão de direito idêntica, qual seja: a (não) aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a atribuição do ônus da prova nos casos envolvendo saques indevidos ou desfalques na conta PASEP, conforme a regra de inversão prevista no art. 6º, VIII, do CDC, ou, ainda que não se aplique a lei consumerista, quais seriam os critérios e parâmetros para a distribuição estática ou dinâmica, nos termos do art. 373, inc. I e II, §§ 1º e 2º, do CPC.

 

Isto é, discute-se quem deve suportar o encargo de provar os alegados desfalques, e de que houve (ou não) o creditamento de valores em folha de pagamento ou diretamente nas contas bancárias dos cotistas, por meio da produção de prova documental (extratos do tipo microfichas, microfilmagens, extratos bancários, contracheques) ou outros meios de prova, definindo (I) se deve ser reconhecida a existência de relação de consumo, admitindo-se a inversão em favor do consumidor; (II) se deve ser atribuído o ônus ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo; ou, ainda, (III) quem teria mais facilidade na obtenção da prova, ou excessiva dificuldade na desincumbência do encargo, em caso de distribuição dinâmica.

 

A matéria da presente controvérsia é objeto também de diversos pedidos de instauração de Incidente de Assunção de Competência[6], formulados com base nos artigos 68, I, “c”, 73, II, 448 e 449 do Regimento Interno do TJPE c/c art. 947 e seguintes do CPC, a fim de compor divergência jurisprudencial sobre a questão no Tribunal de Justiça de Pernambuco.

 

Destaco que a questão em debate não foi abarcada pela tese firmada no julgamento do REsp 1.895.936/TO, REsp 1.895.941/TO e REsp 1.951.931/DF (Tema 1.150/STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, no qual restou assentada a legitimidade passiva do Banco do Brasil em casos análogos, além do prazo prescricional aplicável a tais demandas e seu termo inicial. Confira-se:

 

Tema 1.150/STJ: “i) o Banco do Brasil possui legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo de demanda na qual se discute eventual falha na prestação do serviço quanto a conta vinculada ao Pasep, saques indevidos e desfalques, além da ausência de aplicação dos rendimentos estabelecidas pelo Conselho Diretor do referido programa; ii) a pretensão ao ressarcimento dos danos havidos em razão dos desfalques em conta individual vinculada ao Pasep se submete ao prazo prescricional decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil e iii) o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o titular, comprovadamente, toma ciência dos desfalques realizados na conta individual vinculada ao Pasep.

 

Com efeito, o referido precedente vinculante fixou importantes critérios para resolução das matérias preliminares reiteradamente suscitadas nas lides envolvendo PASEP, quais sejam, a legitimidade ad causam, o prazo de prescrição da pretensão e respectivo termo inicial.

 

Ultrapassadas, contudo, as questões preliminares pela aplicação do Tema Repetitivo, surge, no mérito de tais demandas, relevante e idêntica controvérsia de direito, que se repete em múltiplos processos, atinente à definição da natureza jurídica da relação estabelecida entre o Banco do Brasil e os cotistas do Fundo PASEP: se consumerista, atraindo a possibilidade de aplicação da inversão do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, inc. VIII, do CDC), ou se regida pelo Código Civil, aplicando-se as regras de distribuição estática e dinâmica do ônus da prova na forma do art. 373, CPC.

 

Situação fática específica na qual surgiu a controvérsia:

 

O recurso em exame é admissível e há abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

 

Trata-se, na espécie, ação ordinária movida em face do Banco do Brasil visando a reparação de danos morais e materiais em razão de saques indevidos e desfalques em conta individual vinculada ao Pasep, decorrentes de má gestão e falha na prestação do serviço.

 

No acórdão recorrido, afastou-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor, e, por conseguinte, reputou-se inaplicável a regra da inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, daquele diploma. A conclusão adotada pelo Colegiado foi no sentido de que incumbia à parte autora o ônus de trazer aos autos elementos que demonstrassem os fatos constitutivos de seu direito, nos termos do inciso I do artigo 373 do CPC.

 

Extrai-se o seguinte do voto condutor do aresto (id. 34294934):

 

“Do alto da sua autoridade normativa, a Lei Complementar nº 8/70 conferiu ao Banco do Brasil a administração do Programa, a quem coube criar e manter  contas individuais em nome dos participantes, nelas creditando as parcelas e os benefícios definidos pela lei, processar as solicitações de saque e de retirada, fornecer ao gestor do PIS-PASEP informações, dados e documentação em relação a repasses de recursos, cadastro de servidores e empregados vinculados ao Programa, cumprir e fazer cumprir as normas operacionais baixadas pelo gestor do PIS-PASEP(Decreto nº 4.751/2003).

[...] Em razão desse cenário, vislumbra-se que o Banco do Brasil atua como administrador do PASEP, auxiliando, por imposição da lei, na política pública idealizada pelo Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público e em observância das diretrizes operacionais do Conselho Diretor do fundo PIS/PASEP. A incumbência dessa administração advém do imperialismo da lei. Não há prévio acordo de vontades ou necessidade de concordância das partes, de modo que a relação entre o Banco do Brasil e os servidores participantes do fundo PASEP não tem natureza contratual. O conjunto de atribuições e responsabilidades do Banco do Brasil tem como fonte obrigacional exclusivamente a lei.

24. Por tudo isso, a lide subjacente é regulada pelo Código Civil e não pelo Código de Defesa do Consumidor.

[...] Registre-se outrossim que não incide na hipótese o princípio da inversão do ônus da prova. Ensinando sobre o ônus dinâmico da prova, Leonardo Carneiro da Cunha, no Código de Processo Civil Anotado, Artigo por Artigo, afirma que “quando for muito difícil para a parte produzir a prova, mas a parte contrária tem facilidade de o fazer, o juiz pode atribuir o ônus da prova de modo diverso, em decisão fundamentada, até o saneamento e organização do processo”.

42. Não se pode olvidar, portanto, que, a chamada inversão do ônus da prova deve ser compreendida no contexto da facilitação da defesa dos direitos, valendo dizer que a alteração da distribuição clássica do ônus da prova só encontra justificativa na ordem jurídica diante de circunstância concreta inibidora da parte produzir determinada prova.

43. É dentro desta perspectiva que caberia à parte autora a prova de que não houve a creditação dos rendimentos na folha de pagamento ou na sua conta corrente como indicado nos extratos da conta PASEP.

[...] Logo, cabível imputar o ônus probatório quanto à irregularidade da gestão do PASEP à parte autora”.

(destaques apostos)

 

Por outro lado, a parte recorrente sustenta ser aplicável o CDC à espécie, conforme relatado, bem como a regra da inversão do ônus da prova em favor do consumidor. A seu ver, caberia ao Banco do Brasil, na condição de instituição financeira fornecedora de serviços, comprovar que os valores lançados foram pagos ao beneficiário, não sendo razoável exigir do consumidor a prova de fato negativo (provar que não recebeu).

 

Por fim, insta ressaltar, mais uma vez, a existência de relevante quantidade de processos tramitando neste eg. Tribunal sobre a temática em questão, cuja solução apresenta divergência inclusive dentro dos próprios órgãos fracionários.

 

Com efeito, as Câmaras com competência cível deste Tribunal estão em dissenso sobre a matéria, o que se verifica também, e com ainda mais relevância, entre outros Tribunais de Justiça do país, que adotam divergentes interpretações sobre o tema.

 

No âmbito desta Corte, é possível observar que a 2ª, 3ª e 4ª Câmaras Cíveis se posicionam, via de regra, pela impossibilidade de aplicação do CDC à relação jurídica estabelecida entre o Banco do Brasil e os cotistas do PASEP, não se amoldando ao conceito legal de fornecedor de serviços (art. 3º, § 2º, CDC), ao passo que a 5ª e a 6ª Câmaras Cíveis indicam perfilhar entendimento pela incidência do CDC e pela necessidade de inversão do ônus probatório.

 

Ademais, como bem ilustra a peça recursal, a questão jurídica apresentada encontra ampla dissonância entre os Tribunais de Justiça, verificando-se julgados em sentido diverso no TJ-PR[7], TJ-GO[8], TJ-MS[9] e TJ-TO[10], além de outras Cortes estaduais.

 

Nesse contexto, a adoção do expediente previsto no art. 1.036, § 1º, do Código de Processo Civil, visa não apenas estancar a proliferação de decisões conflitantes no âmbito desta e de outras Cortes de Justiça do país, mas, sobretudo, evitar a remessa de diversos recursos especiais e respectivos agravos sobre idêntica matéria à Corte da Cidadania.

 

Prestigia-se, assim, a racionalidade na gestão dos casos repetitivos e a segurança jurídica, com reflexo na solução isonômica de situações de direito equivalentes.

 

Desse modo, considerando não só a multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, mas também a ausência de uniformidade de entendimento nos próprios órgãos do Poder Judiciário, conforme o dissídio jurisprudencial apontado pela parte recorrente, bem como a abrangência da discussão e da argumentação contida nos autos, seleciono o presente recurso especial como representativo da controvérsia e determino a remessa dos autos ao STJ para que aquela Corte Superior possa deliberar sobre a conveniência de afetar a matéria para julgamento segundo a sistemática dos recursos repetitivos.

 

Delimitação da questão jurídica:

 

A discussão trazida é de inegável importância, revelando-se essencial que o Colendo Superior Tribunal de Justiça aponte a correta interpretação a ser dada, especialmente, aos arts. 2º e 3º, caput e §2º, ao art. 6º, inc. VIII, todos do CDC, bem como ao art. 373, I e II, §§ 1º e 2º, do CPC. Assim, o que se pretende afetar à sistemática dos julgamentos repetitivos consiste em uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia:

• Definir a natureza jurídica da relação existente entre o Banco do Brasil e os beneficiários de contas vinculadas ao PASEP, estabelecendo se há enquadramento no conceito legal de relação de consumo, de modo a atrair a incidência do Código de Defesa do Consumidor, ou se, ao contrário, trata-se de relação regida tão somente pelo Código Civil;

• Por conseguinte, fixar os parâmetros devem ser adotados para a distribuição do ônus da prova nas demandas envolvendo eventual falha na prestação do serviço de administração das contas Pasep, saques indevidos e desfalques, ou, ainda, má-administração da custódia de valores depositados, conforme a regra de inversão prevista na lei consumerista, ou as regras de distribuição estática e dinâmica previstas no Código de Processo Civil.

 

Códigos de assunto na Tabela Processual Unificada do Conselho Nacional de Justiça (versão 1.17.00 – atualizada em: 28/06/2024)

• 10163 - PIS/PASEP

• 7771 - Contratos de Consumo

• 13407 - Distribuição Dinâmica – Inversão

• 6220 - Responsabilidade do Fornecedor

 

Quantidade de processos na origem com a mesma questão de direito:

 

É possível encontrar cerca de 142 (cento e quarenta e dois) processos sobre o tema conclusos nesta 1ª Vice-Presidência, os quais ficarão suspensos na origem, com fulcro no § 1º do art. 1.036, do CPC, e art. 256, § 2º, IV, do RISTJ. 

 

Já no que tange ao quantitativo total de processos sobre o assunto no âmbito deste Tribunal, uma breve consulta à base de dados da jurisprudência do TJPE, utilizando expressões relacionadas, reportou mais de 550 (quinhentos e cinquenta) acórdãos, o que confirma a multiplicidade de demandas envolvendo tal questão. 

 

Cumpre ressaltar, por fim, que as atividades de sobrestamento em todo o Estado se iniciarão a partir desta decisão, não havendo como precisar, neste momento e etapa processual, o número exato de processos em trâmite na 1ª e 2ª instâncias.

    

Outros recursos especiais representativos da mesma controvérsia:

 

Nos termos do art. 1.036, § 1º, do CPC, e do art. 256, § 2º, V, do Regimento Interno do STJ, informo que, conjuntamente com o presente processo, estão sendo remetidos como representativos da mesma controvérsia, os recursos especiais interpostos nos seguintes processos:

• Apelação n. 0000112-90.2023.8.17.2110 - 2ª Câmara Cível

• Apelação n. 0027743-79.2022.8.17.2001 - 4ª Câmara Cível 

• Apelação n. 0003968-84.2023.8.17.3590 - 6ª Câmara Cível

• Apelação n. 0000256-98.2022.8.17.2110 - 6ª Câmara Cível

 

Tendo em vista, ainda, o teor do art. 256, § 1º, do RISTJ, destaco que a seleção levou em conta a diversidade de fundamentos adotados por diferentes Desembargadores Relatores – evidenciando a divergência entre órgãos julgadores deste Tribunal – além da pluralidade de argumentos deduzidos nos recursos e a devida representação das teses em confronto.

 

Dispositivos legais em que se fundaram, explícita ou implicitamente, os acórdãos recorridos:

• Art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor);

• Art. 6º, inc. VIII, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor);

• Art. 5º, da Lei Complementar nº 8/1970;

• Arts. 3º e 4º, § 2º, da Lei Complementar nº 26/1975;

• Art. 373, inc. I e II, e § 1º, do Código de Processo Civil.

 

Dispositivo:

 

Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, IV, c/c art. 1.036, §1º, ADMITO o presente recurso especial como representativo da controvérsia (RRC) a respeito das questões de direito aqui expostas:

 

• Definir a natureza jurídica da relação existente entre o Banco do Brasil e os beneficiários de contas vinculadas ao PASEP, estabelecendo se há enquadramento no conceito legal de relação de consumo, de modo a atrair a incidência do Código de Defesa do Consumidor, ou se, ao contrário, trata-se de relação regida tão somente pelo Código Civil;

• Por conseguinte, fixar os parâmetros devem ser adotados para a distribuição do ônus da prova nas demandas envolvendo eventual falha na prestação do serviço de administração das contas Pasep, saques indevidos e desfalques, ou, ainda, má-administração da custódia de valores depositados, conforme a regra de inversão prevista na lei consumerista, ou as regras de distribuição estática e dinâmica previstas no Código de Processo Civil.

 

Determino o encaminhamento destes autos ao Superior Tribunal de Justiça, bem como, nos termos do 1.036, § 1º, CPC, e em atenção ao Enunciado 23 da ENFAM, DETERMINO A SUSPENSÃO do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado, em todas as instâncias deste Tribunal de Justiça (1º e 2º graus), e que versem acerca da mesma questão de direito, até o pronunciamento do STJ.

 

Intimem-se.

 

Após, subam os autos ao Egrégio STJ, comunicando-se aos NUGEPNACs daquela e desta Corte, bem como à Comissão Gestora de Precedentes do STJ e à Comissão de Precedentes deste TJPE, informando também o encaminhamento dos recursos especiais interpostos nos processos nº 0000112-90.2023.8.17.2110, nº 0027743-79.2022.8.17.2001, nº 0003968-84.2023.8.17.3590, e nº 0000256-98.2022.8.17.2110, como candidatos a representativos da mesma controvérsia.

           

Recife, data da certificação digital.

 

Des. Fausto Campos

1º Vice-Presidente do TJPE

 

 

 




[1] Art, 6º. São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[2]  Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; [...].

[3] O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

[4] Art. 3° - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. [...] § 2° - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

[5] Art. 5º - O Banco do Brasil S.A., ao qual competirá a administração do Programa, manterá contas individualizadas para cada servidor e cobrará uma comissão de serviço, tudo na forma que for estipulada pelo Conselho Monetário Nacional.

[6] NPU dos Processos no sistema PJE – 2º Grau deste TJPE: 0016298-48.2024.8.17.9000; 0018308-65.2024.8.17.9000; 0018311-20.2024.8.17.9000; 0015089-44.2024.8.17.9000; 0018313-87.2024.8.17.9000; 0018312-05.2024.8.17.9000; 0016660-50.2024.8.17.9000; 0018310-35.2024.8.17.9000; 0015090-29.2024.8.17.9000; 0015092-96.2024.8.17.9000.

[7] A título de exemplo, acórdãos do TJ-PR aplicando o CDC e a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII), em casos envolvendo PASEP: NPU 0117709-35.2023.8.16.0000, NPU 0004851-78.2019.8.16.0072; acórdão do TJ-PR reconhecendo a falha na prestação do serviço por parte do Banco do Brasil, na forma do art. 14, CDC: NPU 0001202-97.2020.8.16.0128; acórdão do TJ-PR afastando o CDC e aplicando a distribuição dinâmica do ônus da prova: NPU 0002118-61.2019.8.16.0098.

[8] A título de exemplo, acórdão do TJ-GO aplicando a distribuição estática do ônus da prova, na forma do art. 373, I, CPC: NPU 5087540-21.2020.8.09.0051.

[9] A título de exemplo, acórdãos do TJ-MS afastando o CDC e a inversão do ônus da prova: NPU 0810730-94.2018.8.12.0002, NPU 0808182-10.2021.8.12.0029.

[10] A título de exemplo, acórdãos do TJ-TO afastando o CDC e a inversão do ônus da prova: NPU 0012345-24.2020.8.27.2700, NPU 0010866-93.2020.8.27.2700; acórdão do TJ-TO aplicando o CDC e a inversão do ônus da prova: NPU 0011212-44.2020.8.27.2700.

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