Atualização sobre do Tema 709 do STF

 

Tema 709 (STF) – trata da possibilidade de o segurado receber o benefício da aposentadoria especial na hipótese em que permanece no trabalhando em atividades prejudiciais à sua saúde.

 

Veja a seguir, o VOTO do Ministro Dias Toffoli (RELATOR), do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).

 


Segue a íntegra – Diz o Diz Toffoli:

 

Preliminarmente, importa destacar que, quando reconhecida a repercussão geral do tema, resolveu-se analisar o feito sob a ótica dos artigos pelos quais havia sido reconhecida a inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, pelo Tribunal de origem. Conforme constou da descrição do Tema 709:

 

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII, e 201, § 1º, da Constituição federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especial pelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva à saúde ou à integridade física”.

 

Assim, a análise da constitucionalidade do referido artigo da Lei nº 8.213 /91 se restringiu ao seu confronto frente aos arts. 5º, inc. XIII; 7º, inc. XXXIII, e 201, § 1º, da Constituição Federal, razão pela qual não se admite a oposição de embargos em que se alegue omissão em relação a outros artigos da Magna Carta. O objeto da análise do recurso está bem delimitado na aludida descrição do tema de repercussão geral, não se podendo, agora, admitir a análise da matéria, sob outro diverso enfoque.

 

Não há, ademais, qualquer contradição com a jurisprudência desta Suprema Corte e muito menos ofensa ao decidido no Tema 888 de repercussão geral, pois se cuidam de discussões distintas, que não se relacionam entre elas, quais sejam, o direito ao recebimento de abono de permanência e o direito a permanecer laborando em atividades nocivas à saúde, mesmo após concedida a aposentadoria especial.

 

Tendo em vista que os três embargos de declaração aqui analisados possuem pedidos idênticos ou que se complementam, mais adequada se mostra a resolução por tópicos, para que sejam melhor elucidados e analisados, todos os pontos levantados nos três recursos.

 

1) Omissão quanto à análise do tema sob a nova ótica constitucional imposta pela Emenda Constitucional nº 103/19.

 

Tenho que, quanto a este ponto, inexiste qualquer omissão ensejadora do cabimento do presente recurso.

 

Isso porque, não obstante a Emenda Constitucional nº 103/19, de 12 de novembro de 2019, a qual altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias, tenha promovido inovação na redação do art. 201, § 1º da Constituição Federal, tal alteração não importa em revisão do quanto decidido por esta Suprema Corte. Explico:

 

Em sua redação anterior à EC nº 103/19, assim dispunha o art. 201, § 1º, da Constituição Federal:

 

Art. 201. (…) § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar

 

Especificamente sobre essa redação, fiz constar em meu voto que:

 

“(...)

Não se mostra viável extrair do texto da norma em comento o alegado veto à proibição de simultaneidade entre a percepção da aposentadoria especial e a realização das atividades que deram causa ao adiantamento da aposentação.

O que se tem ali é a censura a qualquer iniciativa destinada a introduzir tratamento diferenciado a segurados do RGPS, salvo aqueles exercentes de atividades especiais e os portadores de deficiência. O dispositivo constitucional em questão não desceu, tampouco pretendeu descer, a minudências relativas à disciplina da aposentadoria especial, limitando-se a fornecer respaldo à eventual concessão de um tratamento diferenciado às duas categorias mencionadas em face das demais espécies de aposentados.

Note-se, ademais, que, na parte final do art. 201, § 1º, da Constituição Federal, o legislador cuidou de remeter à lei complementar os termos em que se daria essa disciplina diferenciada. Eis que, desse modo, por não tirar do corpo da Lei Fundamental e, em especial, do apontado art. 201, § 1º, qualquer oposição nítida àquilo que introduzido pelo art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, entendo, por bem, afastar também esse fundamento agitado para fins de demonstração da inconstitucionalidade” (grifei).

 

Após a edição da EC nº 103/19, assim ficou redigido o artigo:

“Art. 201. (…)

§ 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados:

I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar;

II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.”

 

Dessa maneira, continuo compartilhando do entendimento que a vedação prevista no art. 201, § 1º, da Constituição Federal, destina-se apenas a eventuais iniciativas tendentes a introduzir tratamento diferenciado a segurados do RGPS, salvo àqueles exercentes de atividades especiais e os portadores de deficiência.

 

Apesar de um dos objetivos da EC nº 103/19 ter sido o de regulamentar a aposentadoria especial, a questão da possibilidade de cumular o benefício da aposentação especial com a remuneração proveniente de trabalho exercido em condições especiais, não foi discutida pela emenda, razão pela qual permanece hígido o disposto no § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. A implementação de mais uma condicionante à aposentadoria especial – idade mínima – não traz qualquer alteração para o deslinde do feito.

 

Ausente, portanto, omissão quanto a esse ponto.

 

2) Omissão quanto à data efetiva de implementação da aposentadoria especial.

 

Também nesse ponto, ausentes as hipóteses autorizadoras dos declaratórios. Tanto o voto por mim proferido, quanto o voto do Ministro Alexandre de Moraes abordam essa questão.

 

Transcreve-se, por oportuno, o seguinte excerto da fundamentação do voto que então proferi:

 

“Por sua vez, no que tange ao pleito de que se fixe como momento de início do benefício não a data de entrada do requerimento no INSS, mas sim aquela em que a autora efetivamente se afastou da atividade especial, tenho que ele não prospera.

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º - quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo.

Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei nº 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federal ignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz, e determine a aplicação, em seu lugar, do art. 57, § 8º, do mesmo diploma legislativo, o qual se destina, aliás, a cuidar de situações distintas: as daquelas hipóteses em que o trabalhador permanece ou retorna à atividade especial. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a tal pleito, ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador, legitima e validamente expressa.

Caso houvesse expressa e absoluta incompatibilidade entre as regras insculpidas nos arts. 49; 57, § 2º; 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, poder-se-ia falar, talvez, em acolhimento do pedido para que se defina como data de início da aposentadoria especial o dia do afastamento da atividade. Não sendo esse, todavia, o caso, o espírito que deve orientar o intérprete é sempre o da preservação das normas. Os arts. 49 e 57, § 2º, cuidam do início do benefício; o art. 57, § 8º, versa sobre suspensão da aposentadoria. Inexiste colisão imediata apta a tornar impossível o convívio das citadas regras.

(…)

De todo modo, não me parece que, ocorrendo o reconhecimento do direito à aposentadoria especial ao trabalhador que não se afastou daquela atividade nociva, a DIB deva ser fixada na data do afastamento do labor e não na data do requerimento. Isso porque, julgada procedente a ação, subentende-se que a resistência da autarquia era, desde o requerimento, injustificada. Dito de outro modo, o postulante efetivamente fazia jus ao benefício desde o requerimento administrativo. Deverá ele ser penalizado por uma resistência imotivada do INSS, sobretudo quando sabidamente os processos administrativo e judicial alongam-se por tempo demasiado? Não é razoável exigir o afastamento do trabalho logo quando da postulação, pois entre essa e o eventual deferimento decorre um tempo durante o qual o indivíduo evidentemente necessita continuar a obter renda para seu sustento, sendo incerto, ademais, nesse primeiro momento, inclusive, o deferimento da aposentação.

Quando, ao final do processo, o segurado tem seu direito à aposentadoria reconhecido e fica evidenciada a falta de fundamento para a resistência do INSS desde a entrada do requerimento, o segurado deve ser penalizado com a postergação da data de início do benefício para o momento em que ele se afastar da atividade? Com a devida vênia, aqui me afigura acertada a convicção esboçada pelo Tribunal a quo, o qual, a respeito desse ponto, assinalou que o segurado, quando prossegue no exercício da atividade, possui direito a receber as parcelas vencidas do benefício desde a data do requerimento administrativo.

Isso registrado, vislumbro como mais acertado, quanto a esse tema específico, que, nas hipóteses em que o indivíduo solicita a aposentadoria e continua a exercer o labor especial, a data de início do benefício deva ser a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão” (grifei).

 

Por sua vez, o eminente Ministro Alexandre de Moraes assim aduziu:

 

(iii) Do termo inicial do benefício: Nas razões recursais, o INSS requer, ainda, que o termo inicial do benefício seja a data do afastamento da segurada das atividades nocivas.

Quanto ao tema, o artigo 57, §2º, da Lei 8.213/1991 é claro ao determinar que, tratando-se de aposentadoria especial, a data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.

O artigo 49, por sua vez, estabelece que (…) dessa forma, sendo certo o direito do segurado à aposentadoria especial, a legislação é clara ao estipular a data do requerimento como termo inicial do benefício, não havendo espaço, portanto, para conclusão diversa.”

 

Com efeito, a lei é bastante específica quanto ao termo inicial do benefício previdenciário e, mesmo em hipótese de concessão judicial, deve ser entendido como sendo a data do requerimento administrativo.

 

3) Omissão quanto ao alcance da expressão “efetivada”, no sentido de incluir a tutela provisória.

 

Essa problemática foi arguida nos três embargos de declaração opostos. Requerem as partes que a expressão “efetivada” constante da tese fixada, seja estendida aos casos em que o reconhecimento do direito à aposentadoria especial tenha se dado ainda em decorrência de decisão precária.

 

No entanto, tenho que tal pretensão não merece prosperar. Ainda que se possa falar em expectativa de direito, certo é que a decisão proferida em sede de tutela provisória é dotada da característica de precariedade, sendo, assim, possível sua revogação a qualquer tempo.

 

Não há, portanto, falar em irreversibilidade da decisão. Como é de amplo conhecimento, até decisão final de mérito passada em julgado, não há que se falar em direito adquirido inconteste.

 

No caso dos autos, tendo sido declarada a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/91, não há como cogitar da subsistência das decisões, em sede de tutela antecipada, que apontavam a inconstitucionalidade dessa norma legal.

 

4) Omissão quando à inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da ausência dos requisitos autorizadores para edição da Medida Provisória que o originou.

 

Nesse específico ponto, de fato, meu voto deixou de abordar especificamente o questionamento em tela.

 

Todavia, sua apreciação não traria argumentos aptos a modificar o resultado do julgamento do feito, que foi fundamentadamente decidido, nos limites necessários ao deslinde da controvérsia em análise.

 

Ademais, no voto proferido pelo ilustre Ministro Edson Fachin, ainda que em sentido contrário ao meu, há menção específica ao assunto, ficando afastada a inconstitucionalidade do artigo em comento, cujos fundamentos permito-me aqui reproduzir:

 

“Inicialmente, no que concerne à suscitada inconstitucionalidade formal do § 8º, do art. 57, da Lei nº 8.213/1991, pela ausência dos requisitos autorizadores para a edição da medida provisória que o originou, trazida aos autos pelos amici curiae, entendo que estas alegações não merecem prosperar.

Isto porque, segundo a jurisprudência deste Tribunal, somente compete ao Poder Judiciário fazer o controle da presença dos pressupostos autorizadores da edição de medidas provisórias em casos excepcionais nos quais demonstrada, de modo cabal, sua completa ausência.

Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: RE 592377, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 20.3.2015; RE 636.319- AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJ 25.10.2011; RE 588.943-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJ 18.3.2011; RE 528160 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 12.6.2013.

Observo que a referida medida provisória foi editada em um contexto de ajuste fiscal levado a efeito pela União, em momento em que o país atravessava intensas dificuldades financeiras e orçamentárias. Portanto, sua criação objetivou reparar importantes aspectos da Previdência Social. Destaco, quanto ao ponto, o seguinte excerto do parecer ofertado pelo Procurador-Geral da República:

‘Como é cediço, no período em que editada a medida provisória, qual seja, o fim do ano de 1998, o Estado brasileiro atravessava um momento de grandes desequilíbrios orçamentário-financeiros, e a proposição apresentada pelo Poder Executivo traduzia um esforço de equalização dessas distorções, que precisavam ser corrigidas com urgência, como se nota do seguinte excerto:

Os pressupostos de relevância e urgência, requeridos pelo art. 62 da Constituição Federal para edição de medida provisória estão presentes na Medida Provisória nº 1.729/98. Como bem esclarecido na exposição de motivos que a acompanha, as matérias inserem-se no contexto de aperfeiçoamento dos instrumentos de aprimoramento da arrecadação previdenciária e de simplificação das normas de concessão de benefícios, possibilitando, entre outras medidas de relevância, uma solução equânime de conflitos na área fiscal. (Diário do Congresso Nacional Sessão Conjunta, 10 dez. 1998, p. 15.806 grifo aditado)

O parecer da Comissão Mista examinou, ainda, a questão específica da aposentadoria especial, situando-a no contexto das preocupações levantadas com a situação da Previdência Social, que demandava a correção de rumos, sob pena de agravamento dos desequilíbrios fiscais existentes:

Como apropriadamente mencionado na Exposição de Motivos, no que concerne às aposentadorias especiais, a saída precoce do mercado de trabalho do segurado exposto a condições prejudiciais a sua saúde ou integridade física implica diminuição nas contribuições previdenciárias, em face de contribuir por um período menor, e aumento do dispêndio com benefícios, em virtude de receber benefício por mais tempo. Como consequência, agrava-se, ainda mais, a já deteriorada situação financeira da previdência social.

Dessa forma, urge a necessidade de se criar uma fonte de receitas específica para essa aposentadoria, que acreditamos ser, em parte, aquela já indicada no inciso II do art. 22 da Lei n. 8.212, de 1991, que financiaria, além dos benefícios ali previstos, a aposentadoria especial. Contudo, sendo tal benefício acarretado única e exclusivamente pela ausência ou incapacidade de o empregador evitar que o trabalhador fique exposto a condições prejudiciais a sua saúde ou integridade física, mediante investimentos em segurança e saúde no trabalho ou outros mecanismos, acreditamos dever ser o ônus daí resultante também por ele suportado, mediante um acréscimo às contribuições referidas no mencionado inciso II.

É também evidente que o ideal seria que o trabalhador que recebe aposentadoria especial não mais exercesse atividades prejudiciais à sua saúde e integridade física. No entanto, como o dispositivo que traz essa vedação na Lei 8.213/91 tem se revelado inócuo, é pertinente a alteração proposta no sentido de cancelar o benefício daqueles que continuem ou retornem a tais atividades. No mais, não faz sentido a existência de laudos ou documentos distintos para o Ministério do Trabalho ou Justiça do Trabalho e para a previdência social, como hoje vem ocorrendo, inclusive com informações desencontradas ou opostas. Diante desses argumentos, concordamos com as alterações propostas pelo Governo, no que concerne à aposentadoria especial. (Diário do Congresso Nacional Sessão Conjunta, 10 dez. 1998, p. 15.811 grifo aditado)

Desse modo, tendo em vista que a medida provisória que resultou no dispositivo reputado inconstitucional pela instância a quo foi editada com a finalidade de se promoverem necessários ajustes nas finanças da União, especialmente no tocante à Previdência Social, encontra-se presente o requisito constitucional da urgência’.

Não constato, por conseguinte, qualquer inconstitucionalidade quanto ao aspecto formal da elaboração do artigo em exame (grifei).

 

Nessa conformidade, é de se acolher a presente alegação de omissão do acórdão embargado, apenas para esclarecer que não há que se falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois, referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social, à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas.

 

5) Contradição entre os termos apontados no acórdão – suspensão x cessação.

 

Alega a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas que foram utilizados dois termos na ementa do acórdão embargado que seriam contraditórios entre eles. Em um momento, a ementa teria utilizado a expressão “[a] concomitância entre a aposentadoria e o labor especial acarreta a suspensão do pagamento do benefício previdenciário” e noutro “a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão”. Nesse tocante, aduz que

 

“Cessar o benefício é extingui-lo, sendo necessário novo processo administrativo para futura obtenção. Diferente é suspender-se o benefício ou mesmo interromper o pagamento do mesmo. Tal contradição, apontada na ementa, reflete a utilização de ambos os conceitos no corpo do voto”.

 

Com razão o embargante. O termo “cessar” pressupõe algo que parou, que deixou de existir. A ementa, quando utiliza a expressão “cessará o benefício” remete a um cancelamento desse benefício, o qual teria deixado de existir. Por outro lado, o termo “suspensão” está ligado a um adiamento, a uma pausa momentânea.

 

Aqui, ressalto trecho do voto proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes - que mais uma vez peço licença para reproduzir - o qual apesar de utilizar-se do termo cancelamento, já destaca que, em verdade, trata-se de suspensão:

 

“E não se diga que há violação ao artigo 5º, XIII, da Constituição Federal. Efetivamente, não há proibição a que o segurado exerça alguma profissão. Ao contrário: ao segurado beneficiado com a aposentadoria especial é permitido o exercício de qualquer atividade profissional. Todavia, na hipótese de exercer atividade que se enquadre no conceito de atividade nociva à saúde, seu benefício será cancelado. Nesse sentido:

‘Naturalmente, se retorna ao trabalho em atividade comum, isto é, sem a exposição permanente a agentes nocivos, não sofrerá qualquer sanção, sendo nesta hipótese o retorno perfeitamente adequado aos ditamos da lei.’ (FÁBIO ZAMBITE IBRAHIM. Curso de direito previdenciário. 23ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2018. pag. 619).

Ora, seria incoerente e anti-isonômico a norma beneficiar determinadas pessoas com a redução do tempo de contribuição para se aposentar em razão da nocividade de sua atividade e, após a concessão do benefício, permitir que continuem a trabalhar no mesmo tipo de ambiente.

Esse raciocínio fere, inclusive, o princípio da solidariedade, basilar do direito previdenciário, visto que ao instituir o benefício, toda a sociedade foi indiretamente onerada.

Dessa forma, a norma confere uma faculdade ao trabalhador, caso opte por permanecer no exercício de atividades nocivas, a consequência prática será o cancelamento de seu benefício.

Ainda nas palavras do professor IBRAHIM, tem-se que: ‘Embora se fale em cancelamento, o mais correto é a suspensão, já que, se o segurado afasta-se das atividades nocivas, o benefício deve voltar a ser pago, pois se trata de direito adquirido deste.’ (pag. 619)” (grifei). (ACESSE A OBRA CITADA – AQUI!)

 

Nessa conformidade, a aposentadoria não será cancelada, apenas ficando suspensos os pagamentos do referido benefício, enquanto durar o labor sob condições nocivas, devendo o pagamento ser retomado quando da cessação das atividades.

 

Com efeito, diante da confusão que o emprego das expressões podem causar, proponho a alteração da parte final da ementa, em seu item 4, para que se corrija a contradição apontada entre os termos suspensão e cessação. A redação do referido item ficará assim:

 

4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.”

 

6) Omissão quanto à modulação dos efeitos.

 

É assente, neste colegiado, a possibilidade de aplicação do instituto da modulação de efeitos em processo subjetivo. Tal constitui, entretanto, medida extrema, a qual requer, consoante sólida jurisprudência, a existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

 

Com vistas a obter os supramencionados efeitos prospectivos, argumentam os embargantes que a decisão final do STF vai de encontro ao entendimento dominante do Tribunal Regional Federal, sedimentado em incidente de inconstitucionalidade julgado pela Corte Especial do TRF da 4ª Região, sob nº 5001401-77.2012.404.0000. Sustentam, ainda, com tal fito, que a pretendida modulação é necessária à preservação da segurança jurídica, da boa-fé, do princípio da proteção da confiança, da paz social e do próprio Poder Judiciário.

 

No que diz respeito à alteração de entendimento dominante, cabe ressaltar, de início, que a jurisprudência em questão não era oriunda desta Corte. Ademais, conforme elucidou o Ministro Edson Fachin no RE nº 593.849/MG-ED-segundos, a quem peço vênia para novamente citar,

 

“a modulação dos efeitos de decisão que altere compreensão iterativa do STF é faculdade processual do Plenário desta Corte, condicionado à presença de interesse social e em prol da segurança jurídica. Não há, então, relação de causalidade entre a mudança de entendimento e a adoção da técnica do prospective overruling”.

Evidenciado o caráter não obrigatório, mas sim facultativo, da modulação dos efeitos, incumbe perquiri, assim, a eventual presença dos requisitos da ameaça à segurança jurídica e/ou da existência de excepcional interesse social.

 

A exemplo do que ocorreu quando esta Suprema Corte analisou a questão da desaposentação (Tema nº 503 da repercussão geral), apesar de ter ficado vencido no ponto, tenho que a este caso deve ser dado o mesmo entendimento formado quando daquele julgamento.

 

Com efeito, depreende-se das razões juntadas aos declaratórios que poderão ser ajuizadas inúmeras ações rescisórias em face daquelas cujos julgamentos já foram concluídos, com decisões transitadas em julgado, principalmente pelo fato de o Código de Processo Civil prever tal possibilidade.

 

Nessa conformidade, deve se resguardar a segurança jurídica naqueles casos em que, tendo sido favorável a decisão àquele que se pretendia aposentar especialmente e continuar a laborar, já tenha se operado o trânsito em julgado. Todavia, os efeitos desse decisum devem ser observados a partir da data do julgamento do presente recurso.

 

Por outro lado, para aquelas situações em que o percebimento do benefício decorre de decisão proferida em antecipação de tutela, a não ocorrência de ameaça à segurança jurídica é evidente, uma vez que o reconhecimento da possibilidade de continuar exercendo a atividade, mesmo já percebendo benefício previdenciário, deve-se a uma decisão de caráter precário, passível de revogação a qualquer tempo.

 

7) Omissão quanto à irrepetibilidade dos valores já percebidos pelos beneficiários.

 

Em que pese não seja essa uma hipótese típica de cabimento dos embargos de declaração e a Corte não tenha sido instada a se manifestar sobre o tema, na petição de apelo extremo ou nas respectivas contrarrazões, certo é que não se questiona a irrepetibilidade dos valores de natureza alimentar, recebidos de boa-fé, sobretudo quando vinham sendo depositados por força de ordem judicial.

 

Os indivíduos que vinham auferindo o benefício previdenciário em razão de pedidos deferidos pelo Poder Judiciário - ou mesmo voluntariamente pela Administração - encontram-se isentos de qualquer obrigação de devolução dos valores recebidos até a proclamação do resultado deste julgamento. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:

 

“Agravo interno em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União (TCU). Suspensão de pagamento de parcela decorrente de plano econômico. Devolução dos valores percebidos até o julgamento do writ. Descabimento. Agravo não provido. 1. A Suprema Corte já firmou o entendimento de que as verbas recebidas, até o julgamento do writ, em decorrência de planos econômicos – cujo pagamento teve sua ilegalidade reconhecida pela Corte de Contas em ato chancelado pelo STF - não são passíveis de devolução, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Precedentes. 2. Agravo não provido” (MS nº 33.472/DF-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 15/9/17).

 

“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (MS nº 26.125/DF-AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 23/9/16.

 

“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes. 2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE nº 734.242/DF-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 4/9/15).

 

8) Dispositivo.

 

Ante o exposto, acolho, em parte, os embargos de declaração, para:

 

a) esclarecer que não há falar em inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei nº 8.213/91, em razão da alegada ausência dos requisitos autorizadores da edição da Medida Provisória que o originou, pois referida MP foi editada com a finalidade de se promoverem ajustes necessários na Previdência Social à época, cumprindo, portanto, as exigências devidas;

b) propor a alteração na redação da tese de repercussão geral fixada, para evitar qualquer contradição entre os termos utilizados no acórdão ora embargado, devendo ficar assim redigida:

 

4. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “(i) [é] constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não; (ii) nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros; efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial, a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou o retorno ao labor nocivo, cessará o pagamento do benefício previdenciário em questão.”;

 

c) modular os efeitos do acórdão embargado e da tese de repercussão geral, de forma a preservar os segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data deste julgamento;

 

d) declarar a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial ou administrativa, até a proclamação do resultado deste julgamento.

 

É como voto. Declarou O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR).

 

DADOS DO PROCESSO:

Tema 709 - Possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde.

 

RE 791961 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO (Eletrônico)

 

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