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VALTER DOS SANTOS
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A
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema
998, em que teve como questão submetida a julgamento o seguinte
questionamento “Possibilidade de cômputo de tempo de serviço especial,
para fins de inativação, do período em que o segurado esteve em gozo de
auxílio-doença de natureza não acidentária”, firmando-se assim a seguinte
tese: “O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em
gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo
desse mesmo período como tempo de serviço especial.”
Assim,
aquele segurado que esteve sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua
saúde ou a sua integridade física, mesmo quando recebia auxílio-doença, seja
acidentário ou previdenciário, deve contar esse período como tempo especial
para sua aposentadoria.
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Entenda
o caso
O
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar o caso entendeu que “O
período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de
comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado,
deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade
especial.”
Inconformado
com a decisão do tribunal regional, o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), interpôs o Recurso Especial nº 1.759.098 – RS, sustentando como
argumentos, a violação dos artigos 55, 57 e 58 da Lei 8.213/1991, 22 da Lei
8.212/1991 e 56 do Decreto 3.048/1999.
O
INSS defendeu, a impossibilidade de contagem especial de tempo de serviço
no período em que o Segurado está em gozo de auxílio-doença. Segundo a autarquia
previdenciária, uma vez que não há exposição a agentes nocivos no período de
afastamento.
O
órgão aponta, ainda, que tal concessão viola a legislação vigente e o princípio
da prévia fonte de custeio.
No
TRF-4 o processo foi julgado na sistemática de Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas (IRDR)[1],
em que fixou a seguinte orientação: “o período de auxílio-doença de
natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com
a atividade profissional do Segurado, deve ser considerado como tempo especial
quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.”
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Ao
relatar o processo, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, fez um breve histórico
da legislação aplicável ao tema. De acordo com o magistrado, a redação
original, do art. 65 do Regulamento da Previdência Social (Decreto 3.048/1999), “permitia
o cômputo como tempo especial os períodos correspondentes ao exercício de
atividade permanente e habitual sujeita a condições especiais que prejudiquem a
saúde ou a integridade física do contribuinte, inclusive quanto aos períodos
de férias, licença médica e auxílio-doença.”
O
ministro ressalta “que os Decretos precedentes também não
restringiam o cômputo do tempo em gozo de auxílio-doença como tempo
especial (Decretos 53.831/1964, 83.080/1979, 2.172/1997).” (grifo no original)
Para
o relator “comprovada a exposição do Segurado a condições especiais que
prejudicassem a sua saúde e a sua integridade física, na forma exigida pela
legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de afastamento em que
o Segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este acidentário ou
previdenciário.” (grifo nosso)
Conforme
vem-se delineando até o momento, verifica-se que a legislação avocada
encontra-se em total consonância com os argumentos esposados. Contudo, em 2003 tivemos
a edição do Decreto 4.882/2003, acrescentou o parágrafo único ao art. 65 do
Decreto 3.048/1999.
Com
a inclusão do dispositivo acima, passou-se a reconhecer como cômputo especial
somente o período em que o Segurado especial ficasse afastado em gozo de
benefício por incapacidade de natureza acidentária, excluindo-se, assim, a
contagem especial pelo afastamento na modalidade não acidentária
(previdenciária).
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Art. 65. Considera-se
tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem
intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do
cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
Parágrafo
único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso
determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento
decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade,
desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de
risco de que trata o art. 68.
Ao
mencionar a inovação legislativa, o ministro relator, lembra que “(...) nas
hipóteses em que o Segurado fosse afastado de suas atividades habituais
especiais por motivos de auxílio-doença não acidentário, o período de
afastamento seria computado apenas como tempo de atividade comum.”
Superada
essa fase argumentativa o magistrado, sustenta que a “distinção não é
coerente e contraria a interpretação que se deve fazer das regras
de Direito Previdenciário, como se passa a demonstrar.” (grifo nosso)
Para
o julgador, “A legislação permite o cômputo, como atividade especial, por
períodos em que o Segurado esteve em gozo de salário-maternidade e férias,
afastamentos esses que também suspendem o seu contrato de trabalho, do mesmo
modo que o auxílio-doença, e retiram o Trabalhador da exposição aos agentes
nocivos.” (grifo no original)
Sustentou
ainda que, se nesses casos o legislador prevê o cômputo normal desses
afastamentos como atividade especial, não há, sob nenhum aspecto, motivo
para que o período em afastamento de auxílio-doença não acidentário também não
seja computado, desde que, à data do afastamento, o Segurado estivesse
exercendo atividade considerada especial.
Para
Maia Filho, “não se pode admitir a exposição do Segurado à uma condição de
maior vulnerabilidade, além de ter padecido por determinado período de
moléstia provocada por circunstâncias alheias à sua vontade, (...)”.
De acordo com o entendimento do ministro, negar
o direito a computar esse período como tempo especial, seria retardar ainda
mais a saída do segurado do mercado de trabalho. Sendo que, em outras palavras,
é assegurado pela lei sua saída mais cedo do mercado de trabalho, previsão esta
incrustada no “(...) texto constitucional e na Lei de Benefícios, mediante o
cômputo abonado desse tempo de serviço.”
O
douto julgador, entende que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção
quanto aos benefícios auxílio-doença acidentário ou previdenciário.
No
parágrafo que antecede a conclusão do seu voto, o relator, faz questão de
registrar que as “três legislações ordinárias supracitadas, são hierarquicamente
superiores ao Decreto 3.048/1999”, o que para ele, “(...) demonstram o
propósito do legislador de conferir tratamento isonômico aos benefícios de
auxílio-doença acidentário e o não acidentário, já que ambos obedecem à lógica
da prévia fonte de custeio”.
E
arremata nos seguintes termos “(...) revelando-se, assim, ilegal a negativa de
cômputo do período de gozo de auxílio-doença não acidentário como tempo
especial.”
Ao
final propõe a fixação da seguinte tese: “O segurado que exerce atividades
em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou
previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.” Negando provimento ao Recurso Especial do
INSS.
***********************
Veja
na íntegra o relatório e voto do ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO.
Confira!
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RECURSO
ESPECIAL Nº 1.759.098 - RS (2018/0204454-9)
RELATOR:
MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO.
RELATÓRIO
1.
Trata-se de Recurso Especial, interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL, com fundamento nas alíneas a e c, contra acórdão do
Tribunal Regional Federal da 3a. Região, assim ementado:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE
DEMANDAS REPETITIVAS. TEMA 8. AUXÍLIO-DOENÇA PREVIDENCIÁRIO. CÔMPUTO DE TEMPO
DE SERVIÇO ESPECIAL. POSSIBILIDADE.
O período
de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da
relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser
considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial.
2. Em seu
Apelo Especial, a Autarquia Previdenciária apontou violação dos arts. 55, 57 e
58 da Lei 8.213/1991, 22 da Lei 8.212/1991 e 56 do Decreto 3.048/1999,
defendendo a impossibilidade de contagem especial de tempo de serviço no
período em que o Segurado está em gozo de auxílio-doença, uma vez que não há
exposição a agentes nocivos no período de afastamento. Aponta, ainda, que tal
concessão viola a legislação vigente e o princípio da prévia fonte de custeio.
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3. No
Tribunal de origem, o processo foi julgado na sistemática do IRDR, fixando a
orientação de que o período de auxílio-doença de natureza previdenciária,
independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional
do Segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador
exercia atividade especial antes do afastamento.
4.
Remetidos os autos a esta Corte Superior, submeti o julgamento deste Recurso
Especial à Primeira Seção, em conformidade com o art. 1.036, § 5º. do Código
Fux, para o fim de sua afetação como recurso repetitivo. Afetação acolhida,
a unanimidade pela Egrégia Primeira Seção.
5. O
Ministério Público Federal, em parecer da lavra da douta Subprocuradora-Geral
da República MARIA CAETANA CINTRA SANTOS, opina pelo desprovimento do
Recurso Especial do INSS, nos termos da seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL AFETADO
COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CÔMPUTO DE TEMPO
DE SERVIÇO ESPECIAL, NO PERÍODO EM QUE O SEGURADO ESTEVE EM GOZO DE
AUXÍLIO-DOENÇA DE NATUREZA NÃO ACIDENTÁRIA. ART. 65 DO DECRETO Nº 3.048/99 E
SUAS ALTERAÇÕES POSTERIORES. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. OBEDIÊNCIA AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, ISONOMIA E DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA.
- Parecer
pelo desprovimento do recurso especial.
6. É o
relatório.
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EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO
ESPECIAL ADMITIDO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 1.036 DO
CÓDIGO FUX. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL, PARA FINS DE
APOSENTADORIA, PRESTADO NO PERÍODO EM QUE O SEGURADO ESTEVE EM GOZO DE
AUXÍLIO-DOENÇA DE NATUREZA NÃO ACIDENTÁRIA. PARECER MINISTERIAL PELO
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. Até a
edição do Decreto 3.048/1999 inexistia na legislação qualquer restrição ao
cômputo do tempo de benefício por incapacidade não acidentário para fins de
conversão de tempo especial. Assim, comprovada a exposição do Segurado a
condições especiais que prejudicassem a sua saúde e a integridade física, na
forma exigida pela legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de
afastamento em que o Segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este
acidentário ou previdenciário.
2. A
partir da alteração então promovida pelo Decreto 4.882/2003, nas hipóteses em
que o Segurado fosse afastado de suas atividades habituais especiais por
motivos de auxílio-doença não acidentário, o período de afastamento seria
computado como tempo de atividade comum.
3. A
justificativa para tal distinção era o fato de que, nos períodos de afastamento
em razão de benefício não acidentário, não estaria o Segurado exposto a
qualquer agente nocivo, o que impossibilitaria a contagem de tal período como
tempo de serviço especial.
4.
Contudo, a legislação continuou a permitir o cômputo, como atividade especial,
de períodos em que o Segurado estivesse em gozo de salário-maternidade e
férias, por exemplo, afastamentos esses que também suspendem o seu contrato
de trabalho, tal como ocorre com o auxílio-doença não acidentário, e
retiram o Trabalhador da exposição aos agentes nocivos. Isso denota
irracionalidade na limitação imposta pelo decreto regulamentar, afrontando as
premissas da interpretação das regras de Direito Previdenciário, que prima pela
expansão da proteção preventiva ao Segurado e pela máxima eficácia de suas
salvaguardas jurídicas e judiciais.
5. Não se
pode esperar do poder judicial qualquer interpretação jurídica que venha a
restringir ou prejudicar o plexo de garantias das pessoas, com destaque para
aquelas que reinvindicam legítima proteção do Direito Previdenciário. Pelo
contrário, o esperável da atividade judicante é que restaure visão humanística
do Direito, que foi destruída pelo positivismo jurídico.
6. Deve-se
levar em conta que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção quanto
aos benefícios auxílio-doença acidentário ou previdenciário. Por outro
lado, a Lei 9.032/1995 ampliou a aproximação da natureza jurídica dos dois
institutos e o § 6o. do artigo 57 da Lei 8.213/1991 determinou expressamente
que o direito ao benefício previdenciário da aposentadoria especial será
financiado com os recursos provenientes da contribuição deque trata o art. 22,
II da Lei 8.212/1991, cujas alíquotas são acrescidas conforme a atividade
exercida pelo Segurado a serviço da empresa, alíquotas, estas, que
são recolhidas independentemente de estar ou não o Trabalhador em gozo de benefício.
7. Note-se
que o custeio do tempo de contribuição especial se dá por intermédio de fonte
que não é diretamente relacionada à natureza dada ao benefício por incapacidade
concedido ao Segurado, mas sim quanto ao grau preponderante de risco existente
no local de trabalho deste, o que importa concluir que, estando ou não afastado
por benefício movido por acidente do trabalho, o Segurado exposto a condições
nocivas à sua saúde promove a ocorrência do fato gerador da contribuição
previdenciária destinada ao custeio do benefício de aposentadoria especial.
8. Tais
ponderações, permitem concluir que o Decreto 4.882/2003 extrapolou o limite
do poder regulamentar administrativo, restringindo ilegalmente a proteção
exclusiva dada pela Previdência Social ao trabalhador sujeito a condições
especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física.
9.
Impõe-se reconhecer que o Segurado faz jus à percepção de benefício por
incapacidade temporária, independente de sua natureza, sem que seu recebimento
implique em qualquer prejuízo na contagem de seu tempo de atividade especial, o
que permite a fixação da seguinte tese: O Segurado que exerce atividades em
condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou
previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço
especial.
10. Recurso
especial do INSS a que se nega provimento.
VOTO
1.
Cinge-se a controvérsia em estabelecer a possibilidade de cômputo de tempo de
serviço especial, para fins de inativação, do período em que o segurado esteve
em gozo de auxílio-doença de natureza não acidentária.
2. Para
melhor compreensão da controvérsia, é necessário fazer breve registro histórico
legislativo acerca do tema.
3. Em sua
redação original, o art. 65 do Decreto 3.048/1999, permitia o cômputo como
tempo especial os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente
e habitual sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física do contribuinte, inclusive quanto aos períodos de férias,
licença médica e auxílio-doença.
4.
Anote-se que os Decretos precedentes também não restringiam o cômputo do
tempo em gozo de auxílio-doença como tempo especial (Decretos 53.831/1964,
83.080/1979, 2.172/1997).
5.
Destarte, comprovada a exposição do Segurado a condições especiais que
prejudicassem a sua saúde e a sua integridade física, na forma exigida pela
legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de afastamento em que
o Segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este acidentário ou
previdenciário.
6. Ocorre
que, com a publicação do Decreto 4.882/2003, que adicionou o parágrafo único ao
art. 65 do Decreto 3.048/1999, passou-se a reconhecer como cômputo especial
somente o período em que o Segurado especial ficasse afastado em gozo de
benefício por incapacidade de natureza acidentária, excluindo-se, assim, a
contagem especial pelo afastamento na modalidade não acidentária
(previdenciária). Confira-se:
Art. 65. Considera-se
tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem
intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do
cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
Parágrafo
único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso
determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento
decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade,
desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de
risco de que trata o art. 68.
7. Assim,
nas hipóteses em que o Segurado fosse afastado de suas atividades habituais
especiais por motivos de auxílio-doença não acidentário, o período de
afastamento seria computado apenas como tempo de atividade comum.
8. A
justificativa para tal distinção estaria no fato de que nos períodos de
afastamento em razão do gozo de benefício não acidentário, não estaria o
Segurado exposto a qualquer agente nocivo, o que impossibilitaria a contagem de
tal período como especial.
9.
Contudo, a distinção não é coerente e contraria a interpretação que se deve
fazer das regras de Direito Previdenciário, como se passa a demonstrar.
10. A
legislação permite o cômputo, como atividade especial, por períodos em que o Segurado
esteve em gozo de salário-maternidade e férias, afastamentos esses que também
suspendem o seu contrato de trabalho, do mesmo modo que o auxílio-doença, e
retiram o Trabalhador da exposição aos agentes nocivos.
11. Ora, se
nesses casos o legislador prevê o cômputo normal desses afastamentos como atividade
especial, não há, sob nenhum aspecto, motivo para que o período em
afastamento de auxílio-doença não acidentário também não seja computado, desde
que, à data do afastamento, o Segurado estivesse exercendo atividade
considerada especial.
12. Como
bem observa o acórdão recorrido, o Trabalhador exposto a agentes nocivos por
longos períodos tem a suas condições clínicas afetadas de modo geral – e, na
verdade, para todo o tempo de sua vida –, de modo que não se pode esperar
que um Trabalhador de minas de carvão, por exemplo, acometido por uma gripe
viral, doença sem qualquer relação com a sua atividade laboral, tenha a mesma
possibilidade de recuperação clínica de um Trabalhador que trabalha em um
escritório de advocacia. A observação da realidade evidencia a fraqueza da
argumentação que acaso se faça em sentido contrário.
13. A esse
argumento, se soma a análise de estudo realizado pelo Ministério da Saúde e a
Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil, onde se reconhece a imensa
dificuldade para o estabelecimento de nexo causal entre a moléstia e as
atividades exercidas por um Trabalhador, listando AS diversas dificuldades que
se revelam nessa relação:
Entre as principais
dificuldades para o estabelecimento do nexo ou da relação trabalho- doença
estão:
- ausência ou imprecisão
na identificação de fatores de risco e/ou situações a que o trabalhador está ou
esteve exposto, potencialmente lesivas para sua saúde;
- ausência ou imprecisão
na caracterização do potencial de risco da exposição;
- conhecimento
insuficiente quanto aos efeitos para a saúde associados com a exposição em
questão;
- desconhecimento ou
não-valorização de aspectos da história de exposição e da clínica, já descritos
como associados ou sugestivos de doença ocupacional ou relacionada ao trabalho;
- necessidade de métodos
propedêuticos e abordagens por equipes multiprofissionais, nem sempre
disponíveis nos serviços de saúde (Doenças relacionadas ao trabalho: manual de
procedimentos para os serviços de saúde. Ministério da Saúde do Brasil,
Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil; organizado por Elizabeth Costa
Dias; colaboradores Idelberto Muniz Almeida et al. - Brasília: Ministério da
Saúde do Brasil, 2001, p. 28, disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trab
alho1.pdf).
14. Não se
pode ignorar, a não ser desconsiderando as duras realidades da vida, que
a doença incapacitante pode ter relação direta, ou indireta, com a
atividade laboral do Trabalhador, ou mesmo que a sua recuperação, em caso de
enfermidade, pode ser diretamente afetada pela anterior submissão do
paciente a agentes nocivos, sem que tais circunstâncias consigam ser
provadas no curso do processo administrativo ou judicial. Isso se dá, por
exemplo, com o fumante inveterado ou com o alcoólatra, que, mesmo após cessada
a prática nociva, são duramente afetados por fragilidades orgânicas
invencíveis, que perduram até o fim de suas existências. Esta é uma
conclusão que se impõe como auto-evidente, do tipo daquelas que nem precisam
ser provadas, porque são óbvias.
15. Essas
situações impõem ao julgador jusprevidenciarista o dever de compatibilizar a
proteção social com o princípio da precaução, fazendo valer a função preventiva
da Previdência Social, no sentido de antecipar-se ao dano e internalizar o
risco. Na jurisdição previdenciária não deve prevalecer o pensamento redutor da
justiça à lei escrita e ao seu cumprimento fiel ou literal, carregado de
certezas formais. E mais do que de certezas formais, esse pensamento é cheio de
oposições às ideias opostas e verdadeiramente intolerante à inovação
metodológica que vise a incluir no conceito de Direito – e, consequentemente,
de justiça – elementos que estejam fora ou além dos dizeres das leis
positivadas. Essa formidável resistência da formação juspositivista dos
juristas e dos julgadores criou categorias positivas e semi-positivas para
tentar conter dentro das premissas do pensamento positivista as poderosas
ideias emergentes que puseram em xeque os saberes jurídicos tradicionais. A
docência do Direito, o estudo das suas fontes e o processo de sua aplicação na
solução de litígios jurídicos se submeteram, igualmente, a essa mesma redução.
16. Não se
pode olvidar a reflexão do Magistrado americano Benjamim Cardozo, ao afirmar
que é a busca incessante da justiça o que nos faz julgadores e não a aplicação
servil da lei. Esse seu pensamento é propício à justa interpretação no Direito
Previdenciário, em que a busca da justiça é o único paradigma interpretativo
que pode ser aceito. Dest´arte, os benefícios por incapacidade, sejam eles
de natureza acidentária ou não, têm por finalidade a proteção social por
risco não programado, ocasionado ao contribuinte, tratando-se de
prevenção ao evento fortuito que resulta na incapacidade para o exercício de
atividade laboral que lhe garantia o sustento.
17. Nessas
hipóteses, não se pode admitir a exposição do Segurado à uma condição de maior
vulnerabilidade, além de ter padecido por determinado período de moléstia
provocada por circunstâncias alheias à sua vontade, e, ainda, lhe será
negado o direito a computar esse período como tempo especial, retardando-se
para as kalendas gregas a sua saída mais cedo do mercado de trabalho, como
solenemente garantido no texto constitucional e na Lei de Benefícios, mediante
o cômputo abonado desse tempo de serviço.
18. Deve-se
levar em conta que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção quanto aos benefícios
auxílio-doença acidentário ou previdenciário. Qual seria, portanto, o
intuito de crar-se, agora, uma distinção artificial em desproveito do
Trabalhador, justamente no momento em que ele se socorre do INSS? Por outro
lado, a Lei 9.032/1995 ampliou a aproximação da natureza jurídica dos dois
institutos; e, por fim, o § 6o. do art. 57 da Lei 8.213/1991 determinou
expressamente que o direito ao benefício previdenciário da aposentadoria
especial será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que
trata o art. 22, II da Lei 8.212/1991, cujas alíquotas são acrescidas conforme
a atividade exercida pelo Segurado a serviço da empresa, alíquotas, estas,
que são recolhidas independentemente de estar ou não o trabalhador em gozo de
benefício.
19. Nesse
sentido, nota-se que o custeio do tempo de contribuição especial se dá por
intermédio de fonte que não é diretamente relacionada à natureza dada ao
benefício por incapacidade concedido ao segurado, mas sim quanto ao grau
preponderante de risco existente no local de trabalho deste, o que importa
concluir que, estando ou não afastado por benefício motivado por acidente do
trabalho, o Segurado exposto a condições nocivas à sua saúde promove a
ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária destinada ao custeio
do benefício de aposentadoria especial.
20. O que
permite concluir que o Decreto 4.882/2003 extrapolou o limite do poder
regulamentar do Estado, restringindo ilegalmente a proteção da Previdência
Social ao Trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua saúde
ou a sua integridade física.
21. Ora,
veja-se que as três legislações ordinárias supracitadas, que são
hierarquicamente superiores ao Decreto 3.048/1999, demonstram o propósito do
legislador de conferir tratamento isonômico aos benefícios de auxílio-doença
acidentário e o não acidentário, já que ambos obedecem à lógica da prévia fonte
de custeio, revelando-se , assim, ilegal a negativa de cômputo do período
de gozo de auxílio-doença não acidentário como tempo especial.
22. Nesses
termos, impõe-se reconhecer que o Segurado faz jus à percepção de benefício por
incapacidade temporária, independente de sua natureza, sem que seu recebimento
implique em qualquer prejuízo na contagem de seu tempo de atividade especial, o
que permite a fixação da seguinte tese: O segurado que exerce atividades em
condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou
previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial.
23. Ante o
exposto, nega-se provimento
ao Recurso Especial do INSS.
24. É como
voto.
Documento:
95313348 - EMENTA, RELATÓRIO E VOTO - Site certificado.
***
[1] Previsto no artigo 976 e seguintes do
CPC/2015, o IRDR é um incidente que pode ser provocado perante os tribunais de
segunda instância quando houver repetição de processos com idêntica
controvérsia de direito e risco de ofensa aos princípios da isonomia e da
segurança jurídica. Verificados esses pressupostos, o tribunal de segundo grau
pode admitir o incidente para a fixação de tese, a qual será aplicada a todos
os demais casos presentes e futuros em sua jurisdição.
Havendo recurso especial contra o
julgamento de mérito do IRDR, a tese fixada pelo STJ “será aplicada no
território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem
sobre idêntica questão de direito” (artigo 987, parágrafo 2º, do CPC)
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