Postado por
VALTER DOS SANTOS
em
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Os valores de empréstimo consignado, aquele
descontado diretamente na sua folha de pagamento, caso esse valor tomado como
empréstimo, depositados na conta bancária do devedor, só não pode ser penhorado
se for considerado como salários, proventos e pensões.
Veja também:
👉🏻 Curso de Atualização em Processo Civil
👉🏻 Reforma Trabalhista - Curso Completo
RECURSO
ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2)
EMENTA RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO.
DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE.
REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.
1. Recurso especial interposto
contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015
(Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia
principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de
pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da
impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme
disposto no art.
833, IV, do CPC/2015.
3. A quantia decorrente de
empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento
do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora.
4. A proteção da impenhorabilidade
ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do
empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família.
5. Na hipótese, o Tribunal de
origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e
da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do
numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao
julgador verificar a condição financeira do devedor.
6. Recurso especial parcialmente
provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes
as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy
Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de maio de 2020
(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por MARIA
DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios assim ementado:
“PROCESSO
CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO.
IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA
DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO.
1. Ao alegar
a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta corrente, é ônus do
devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da inexistência de
provas, mantém-se a constrição.
2. Não há
como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária,
decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas
alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses
enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil.
3. Recurso
desprovido” (fl. 66 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74
e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ).
Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a
recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 489,
IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015.
Sustenta a ocorrência de negativa de prestação
jurisdicional, pois os vícios indicados nos declaratórios não foram sanados
pelo Tribunal de origem.
Defende que o valores decorrentes de empréstimo
consignado em folha de pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade
atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões.
Assevera que “a existência de saldo
proveniente de empréstimo consignado não descaracteriza a natureza salarial da
conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago mediante desconto de
parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ).
Acrescenta que, “por via transversa,
estar-se-ia permitindo a penhora da própria remuneração do devedor, porque
houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem os recursos mínimos
necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ).
Aduz que a manutenção da penhora afronta a
dignidade da pessoa humana, deixando-a sem os recursos mínimos necessários à
sua subsistência.
Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a
Presidência do Tribunal local admitiu o processamento do presente apelo (fls.
132-133 e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2)
EMENTA
RECURSO
ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.
1. Recurso
especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo
Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2.
Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de
empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do
devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários,
proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015.
3. A
quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente
da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra,
passível de penhora.
4. A
proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar
que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua
manutenção e à da sua família.
5. Na
hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a
manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela
possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos
elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do
devedor.
6. Recurso
especial parcialmente provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
(Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2
e 3/STJ).
A irresignação merece prosperar parcialmente.
Cinge-se a controvérsia a definir se (I) houve a
negativa de prestação jurisdicional e se (II) os valores oriundos de empréstimo
consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor,
recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e
pensões, conforme dispõe o art. 833, IV, do CPC/2015.
1. Do histórico da demanda
Na origem, em autos de execução de título
extrajudicial, o magistrado de piso determinou a constrição de quantia
depositada em conta bancária também utilizada para o recebimento de salário, ao
fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica decorreu
de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não
sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ).
Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52
e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da
seguinte fundamentação:
“(...) Na
oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela,
externei o seguinte raciocínio:
Estabelece
o inciso I do art. 1.019
do Código de Processo Civil, que o relator ‘poderá atribuir efeito
suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou
parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão’.
Para que
seja concedido o efeito suspensivo, segundo a inteligência do parágrafo único
do art. 995 do Diploma
Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos
efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou impossível
reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de provimento do recurso.
Feita a
análise da pretensão antecipatória, tenho que não se mostram presentes os
requisitos necessários ao deferimento da medida judicial de urgência postulada.
Não se
olvida que de acordo com o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil,
os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações e os
proventos de aposentadoria são impenhoráveis.
No
entanto, a importância bloqueada decorreu de crédito advindo de empréstimo
bancário, conforme se vê do documento id. 5268395, onde consta ‘CRÉDITO DE
EMPRESTIMO BRBSEERV’.
Dessa
forma, não se encontra protegido pelo manto da impenhorabilidade, porquanto nem
todo crédito depositado em conta salário recebe essa blindagem. (...)
Saliente-se,
ainda, que a manutenção da r. decisão hostilizada enquanto se aguarda o regular
iter procedimental do recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano
algum, porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a
expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento processual dos
autos de origem 2012.01.1.198093-7.
Assim,
não se visualizando, de um juízo incipiente, próprio desta fase, a
probabilidade do direito alegado, não tem lugar o efeito suspensivo pretendido.
Como se
vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o pedido liminar, por si
sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do presente
agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros,
aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls. 68-69 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74
e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ).
Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise
do presente recurso especial.
2. Da negativa de prestação jurisdicional
No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015,
agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração
diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no
acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da
irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais,
não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso
daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de
prestação jurisdicional.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL
CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE
CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73.
NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
I - Não
havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica
caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...)
III - Agravo
interno improvido.”
(AgInt no REsp 1.659.253/MG,
Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe
27/11/2017)
3. Da penhora de valores provenientes de
empréstimo consignado
A ora recorrente alega que o valores decorrentes
de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da
impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões.
De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá
recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal
atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. Por sua vez,
não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou
inalienáveis.
O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os
vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os
proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as
quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do
devedor e de sua família (...)”.
O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o
salário, o soldo ou a remuneração são impenhoráveis, sendo tal regra
excepcionada quando se tratar unicamente de constrição para pagamento de
prestação alimentícia.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO.
INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A parte
ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas relativas ao
contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora sobre os
proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento da relação de
consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento integral do débito.
2. O
entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis,
nos termos do art. 649,
IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se
tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
3. Agravo
interno não provido.”
(AgInt no REsp 1.579.345/RJ,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe
30/6/2017 - grifou-se)
Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a
sinalizar uma mudança de paradigma para possibilitar a penhora do salário e das
demais verbas remuneratórias mesmo na hipótese em que o crédito
cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que inexista o
comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família.
A propósito:
“DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO
EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE
IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. (...)
2. O
propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30%
(trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de
natureza não alimentar
3. Em
situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade
das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da
remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar,
preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua
família. Precedentes.
4. Na
espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de
percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna,
inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria
necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a
esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ.
5. Recurso
especial conhecido e não provido.”
(REsp 1.658.069/GO,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe
20/11/2017 - grifou-se)
“PROCESSO
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE
PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...)
2. O
propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta
por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de
dívida de natureza não alimentar.
3. Quanto
à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da
impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos
permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o
suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família.
Precedentes.
4.
Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que permitam
afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de
aposentadoria do recorrente.
5. Recurso
especial conhecido e parcialmente provido.”
(REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se)
Diante da divergência instaurada, conforme
demonstrado acima, a Corte
Especial do STJ, no final do ano de 2018, assentou a
impenhorabilidade só se aplica à parte do patrimônio do devedor que seja
efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de
sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a penhora de parte
do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.
Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado:
“PROCESSUAL
CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA
NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE
IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ.
MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA.
1.
Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos
vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do
CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a
formulação de exceção não prevista expressamente em lei.
2. Caso em
que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido
deferida a penhora de 30% da quantia.
3. A
interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República,
que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A
impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a
proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um
padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o
credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar
efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.
4. O
processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela
boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o
executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à
sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o
fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do
exequente.
5. Só se
revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade
daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à
manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.
6. A regra
geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art.
833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado
percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua
família.
7. Recurso
não provido”.
(EREsp 1.582.475/MG,
Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe
19/03/2019, DJe 16/10/2018)
Nesse contexto, no que diz respeito ao
empréstimo consignado, inexiste norma legal que atribua expressamente a tal
verba a proteção da impenhorabilidade. Assim, é preciso verificar se,
pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento, será atribuída a
proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015.
O empréstimo consignado “é uma modalidade de
crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de
pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o
risco de inadimplência e, por esse motivo, permite a redução da taxa de juros
cobrada pela instituição financeira (Fonte
https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf.
Acessado em 6/4/2020, às 9h45).
Com efeito, fica explícito que essa modalidade de
empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado,
podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a
sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência uniforme desta Corte
Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados em folha
de pagamento do mutuário:
“RECURSO
ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO,
POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE
PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA - RECURSO
PROVIDO.
1. A
admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos supostamente
violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado a cada
um dos artigos impugnados.
2. Ante a
natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos
com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem
limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador.
3. Recurso
provido.”
(REsp 1.186.965/RS,
Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe
3/2/2011).
“EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO
A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL.
1.
Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão embargada.
Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade.
2. Toda a
normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da pactuação
firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008; 2º, § 2º, I, da Lei
10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90 estabelecem que a
soma dos descontos em
folha de pagamento referentes ao pagamento de prestações de
empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, não poderão
exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração do trabalhador. Com efeito, é
descabida a pretensão de que os descontos se limitem a 30% renda líquida da
recorrente.
3. “É
firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos em
folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por servidor
público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua remuneração”.
(AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ,
SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014)
4.
Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.”
(EDcl no REsp
1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
18/8/2015, DJe 25/8/2015)
O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do
mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em
contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados
diretamente na folha de pagamento.
Porém, ainda que as parcelas do empréstimo
contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a
origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de
prestação de serviço, motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar.
Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria
a ampliação do rol taxativo previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista
que o empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra
previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da
responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite,
nesse aspecto, interpretação extensiva.
Por outro lado, há julgados em tribunais locais no
sentido de que o empréstimo consignado carrega íntima ligação com a remuneração
do devedor, funcionando como adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº
70.081.176.349, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em: 24/4/2019). Essa corrente adota o
entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do salário, do provento
ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria
possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar.
Todavia, não há falar em adiantamento de
parcelas remuneratórias, quando, em verdade, o recebimento desses valores
encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no
contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em
contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição
financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia
considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em
função exclusiva do contrato de trabalho.
Por tais motivos, os valores decorrentes de
empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade,
por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos,
salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, conforme a
primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015.
Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que
os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção
e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa
interpretação decorre do que disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas
ao sustento do devedor e de sua família”.
Na hipótese, o tribunal local não analisou a
necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família,
limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta
bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador verificar a
condição financeira do devedor.
4. Do dispositivo
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial
para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do
empréstimo consignado são necessários à subsistência do recorrente e de sua
família.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF
(2019/0170723-2)
RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA
...
Comentários
Postar um comentário