INSTITUTO
NACIONAL DE ASSISTÊNCIA MÉDICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (INAMPS)
Conteúdo original extraído na íntegra de: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/instituto-nacional-de-assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps
- em 19/03/2021 às 13:18
O
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia
federal, foi criado em 1977, pela Lei nº 6.439, que instituiu o Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), definindo um novo
desenho institucional para o sistema previdenciário, voltado para a
especialização e integração de suas diferentes atividades e instituições. O
novo sistema transferiu parte das funções até então exercidas pelo Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS) para duas novas instituições. A
assistência médica aos segurados foi atribuída ao INAMPS e a gestão financeira,
ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
(Iapas), permanecendo no INPS apenas a competência para a concessão de
benefícios.
O
INAMPS foi extinto em 1993, pela Lei nº 8.689, e suas competências transferidas
às instâncias federal, estadual e municipal gestoras do Sistema Único de Saúde
(SUS), criado pela Constituição de 1988, que consagrou o direito universal à
saúde e a unificação/descentralização para os estados e municípios da
responsabilidade pela gestão dos serviços de saúde.
Seus
16 anos de existência correspondem ao período em que o país transitou de um
sistema de saúde segmentado, voltado principalmente para a prestação de
serviços médico-hospitalares a clientelas previdenciárias, nos marcos da idéia
meritocrática de seguro social, para um sistema de saúde desenhado para
garantir o acesso universal aos serviços e ações de saúde, com base no
princípio da seguridade social. Nesse período, representou também um espaço
institucional privilegiado onde se ensaiaram propostas de mudança do sistema,
tornando-se uma das principais arenas setoriais onde se disputou e decidiu a
agenda de reformas que mobilizou o país ao longo da década de 1980, dando-lhe
uma nova configuração institucional e novo padrão de políticas sociais,
especialmente na área da saúde.
Nascimento
e consolidação da medicina previdenciária
A
política previdenciária de saúde teve origem na criação das primeiras
instituições de proteção social, as caixas de aposentadoria e pensões (CAPs),
instituídas pela Lei Elói Chaves em 1923, cujo artigo 9º, parágrafo 1º,
estabelecia o direito dos contribuintes “a socorros médicos em caso de doença
em sua pessoa ou pessoa de sua família”. No mesmo artigo, o parágrafo 2º
garantia o direito “a medicamentos obtidos por preço especial”. Pode-se afirmar
que o modelo de proteção social adotado pelas CAPs foi abrangente e pródigo, já
que incluía benefícios previdenciários e assistência médica e farmacêutica,
extensiva aos familiares. Para compensar a ausência de oferta de serviços no
mercado, as instituições previdenciárias passaram a criar serviços próprios
para atenção à saúde de seus segurados.
A
criação dos institutos de aposentadoria e pensões (IAPs), na década de 1930,
representou uma mudança na postura do Estado em relação à política de proteção
social, que passou a assumi-la, cada vez mais, como sua atribuição. Ainda que
preservando a forma fragmentada de organização institucional, o Estado passa a
participar como co-financiador e co-gestor. A centralização política implicada
neste processo determinou o predomínio de uma postura contencionista em relação
aos gastos dos institutos, afetando claramente o nível de dispêndio com a
atenção médica. Nessa fase, chegou-se a questionar, entre os técnicos da área
previdenciária, a pertinência de se manterem programas de atenção à saúde como
parte dos benefícios previdenciários, dados seus custos crescentes.
Apesar
da hegemonia da corrente contencionista, a fragmentação institucional e o
processo político de barganha com as distintas frações da classe trabalhadora
terminaram resultando em padrões diversificados de políticas de atenção à
saúde, que variaram conforme o instituto. Assim, enquanto no IAPI
(industriários) predominou a linha dos técnicos contrários ao dispêndio com
benefícios em saúde, levando este instituto a comprar serviços médicos no
mercado, no IAPB (bancários) investiu-se na oferta própria de serviços, o que o
levou a possuir a melhor rede própria de hospitais e postos de atenção à saúde.
A
partir de 1945, com a industrialização crescente e com a liberação da
participação política dos trabalhadores, ocorreu um aumento significativo e
progressivo da demanda por atenção à saúde. Independentemente da postura
técnica mais ou menos favorável à ampliação da rede de serviços de saúde no
sistema previdenciário, esse aumento de demanda incidiu sobre todos os
institutos.
Tal
processo de expansão culminou com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência
Social (LOPS), em 1960, que promoveu a uniformização dos benefícios, ou seja,
padronizou o cardápio de serviços de saúde a que todos os segurados teriam
direito, independentemente do instituto a que estivessem filiados. Como a
uniformização dos benefícios não foi seguida da unificação dos institutos, nem
significou a universalização da atenção à saúde para toda a população, o
resultado foi um aumento da irracionalidade na prestação de serviços, ao mesmo
tempo em que a população não previdenciária era mantida discriminada, não
podendo ser atendida na rede da previdência.
Por
força de sua lógica de resposta à demanda crescente por serviços de atenção
individual, a política previdenciária de saúde, a esta época, já apresentava
uma elevada concentração da rede própria nas grandes cidades do país, como
também o caráter exclusivamente curativo do modelo de atenção médica adotado.
A
criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, pelo
governo militar, unificando todas as instituições previdenciárias setoriais,
significou para a saúde previdenciária a consolidação da tendência da
contratação de produtores privados de serviços de saúde, como estratégia
dominante para a expansão da oferta de serviços. Progressivamente, foram
desativados e/ou sucateados os serviços hospitalares próprios da previdência,
ao mesmo tempo em que se ampliou o número de serviços privados credenciados
e/ou conveniados. O atendimento ambulatorial, no entanto, continuou como rede
de serviços próprios e expandiu-se neste período.
As
conseqüências dessa política privatizante apareceram rapidamente, erodindo a
capacidade gestora do sistema e reforçando sua irracionalidade. De um lado, a
baixa capacidade de controle sobre os prestadores de serviço contratados ou
conveniados, já que cada paciente era considerado como “um cheque em branco”,
tendo a previdência que pagar as faturas que lhe eram enviadas, após a
prestação dos serviços. De outro, era quase impossível um planejamento
racional, já que os credenciamentos não obedeciam a critérios técnicos mas sim
a exigências políticas. Ao lado disso, explodiam os custos do sistema, tanto em
razão da opção pela medicina curativa, cujos custos eram crescentes em função
do alto ritmo de incorporação tecnológica, quanto em razão da forma de compra
de serviços pela previdência. Realizada através das unidades de serviços (USs),
que em geral valorizavam os procedimentos mais especializados e sofisticados, a
compra descentralizada era especialmente suscetível a fraudes, cujo controle
apresentava enorme dificuldade técnica.
Anos
1970: expansão e crise do modelo médico-previdenciário
A
década de 1970 foi marcada por uma elevação constante da cobertura do sistema,
levando ao aumento da oferta de serviços médico-hospitalares e,
conseqüentemente, a uma pressão por aumento nos gastos. Ao mesmo tempo,
intensificaram-se os esforços de racionalização técnica e financeira do
sistema.
A
expansão da cobertura deu-se tanto pela incorporação de novos grupos
ocupacionais ao sistema previdenciário (empregadas domésticas, trabalhadores
autônomos, trabalhadores rurais), quanto pela extensão da oferta de serviços à
população não previdenciária. A demanda crescente por serviços de saúde assim
ocasionada ocorria no bojo de um processo político de busca de legitimação do
regime militar que, principalmente a partir de 1974 com o II Plano Nacional de
Desenvolvimento, implementou um esforço de incorporação da dimensão social em
seu projeto de desenvolvimento econômico.
As
tentativas de disciplinar a oferta de serviços de saúde, através de mecanismos
de planejamento normativo, como o Plano de Pronta Ação de 1974 e a Lei do
Sistema Nacional de Saúde de 1975, não foram capazes de fazer frente aos
problemas apontados, já que se restringiam meramente a delimitar os campos de
ação dos vários órgãos provedores. Curiosamente, tais tentativas
disciplinadoras, além de apresentarem baixo impacto em termos de racionalização
da oferta, tinham o efeito paradoxal de expandi-la, já que propunham a remoção
de barreiras burocráticas para o atendimento médico, o que na prática viabilizava
o atendimento a clientelas não previdenciárias, representando uma espécie de
universalização branca do acesso.
A
criação do INAMPS, em 1977, deu-se num contexto de aguçamento de contradições
do sistema previdenciário, cada vez mais pressionado pela crescente ampliação
da cobertura e pelas dificuldades de reduzir os custos da atenção médica, em
face do modelo privatista e curativo vigente. A nova autarquia representou,
assim como o conjunto do Sinpas, um projeto modernizante, racionalizador, de
reformatação institucional de políticas públicas. Através de uma lógica
sistêmica, pretendeu-se simultaneamente articular as ações de saúde entre si e
estas com o conjunto das políticas de proteção social. No primeiro caso,
através do Sistema Nacional de Saúde; no segundo caso, através do Sistema
Nacional de Previdência e Assistência Social. Como componente simultâneo do SNS
e do Sinpas, esperava-se do INAMPS o cumprimento do papel de braço assistencial
do sistema de saúde e de braço da saúde do sistema de proteção social.
O
Sistema Nacional de Saúde foi criado pela Lei nº 6.229, de julho de 1975,
visando a superar a descoordenação imperante no campo das ações de saúde. O SNS
foi constituído pelo “complexo de serviços, do setor público e do setor
privado, voltados para ações de interesse da saúde... organizados e
disciplinados nos termos desta lei...”. Em relação à política pública de saúde,
esta lei atribuiu ao Ministério da Saúde a formulação da política, bem como a
promoção ou execução de ações voltadas para o atendimento de interesse
coletivo, enquanto o MPAS, através do INPS (depois INAMPS),
responsabilizava-se, principalmente, pelas ações médico-assistenciais
individualizadas.
Apesar
de sua pretensa racionalidade sistêmica, tal projeto jamais chegou a ter importância
significativa na solução ou prevenção da crise que se avizinhava. O Sistema
Nacional de Saúde, na realidade, foi mais um protocolo de especialização de
funções do que um mecanismo de integração dos dois principais órgãos
responsáveis pela política de saúde. Embora fosse atribuída ao Ministério da
Saúde a função reitora na formulação da política de saúde, na prática era o
Ministério da Previdência e Assistência Social que, por deter a maior parte dos
recursos públicos destinados à área de saúde, predominava na definição da linha
política setorial.
Por
sua vez, o INAMPS, como o braço da saúde do Sinpas, teve suas ações
condicionadas ou limitadas pela disponibilidade dos recursos existentes, já que
os benefícios previdenciários, por sua natureza contratual, têm primazia na
alocação dos recursos do sistema. As despesas do INAMPS, que em 1976
correspondiam a 30% do orçamento da previdência social, em 1982 atingiram
apenas 20% do total, correspondendo a uma perda de 1/3 da participação nos
gastos.
Anos
1980 e a transição para a seguridade social
O
INAMPS entrou, então, na década de 1980, vivendo o agravamento da crise
financeira e tendo de equacioná-la não simplesmente como o gestor da
assistência médica aos segurados da previdência, mas cada vez mais como o
responsável pela assistência médica individual ao conjunto da população. Ou
seja, a crise deveria ser enfrentada num contexto não apenas de extensão de
benefícios a alguns setores, mas de universalização progressiva do direito à
saúde e do acesso aos serviços.
O
aumento de serviços e gastos, decorrentes dessa ampliação de cobertura, teria
de ser enfrentado num quadro de redução das receitas previdenciárias, provocada
pela política econômica recessiva que, desde 1977, reduzia a oferta de empregos,
a massa salarial e levava ao esgotamento das fontes de financiamento baseadas
na incorporação de contingentes de contribuintes.
Nesse
quadro, a estratégia racionalizadora privilegiou, de um lado, o controle de
gastos via combate a fraudes e outras evasões, e de outro, a contenção da
expansão dos contratos com prestadores privados, passando a privilegiar o setor
público das três esferas governamentais.
Para
o combate às fraudes, já havia sido criada no MPAS a Empresa de Processamento
de Dados da Previdência, a Dataprev, encarregada de processar também as contas
hospitalares. Através de instrumentos cada vez mais sofisticados de controle,
procurou-se reduzir o volume de fraudes, ainda que tais mecanismos fossem
incapazes de reduzir o custo da atenção prestada.
Na
área da assistência médica, o esforço de adequar oferta e demanda, sem aumentar
o déficit financeiro da previdência, direcionou-se para o estabelecimento de
convênios com outros órgãos públicos de saúde, pertencentes às secretarias de
saúde, ao Ministério da Saúde ou às universidades públicas. Além de prestar
serviços a um custo inferior à rede privada, a forma de repasse de recursos do
INAMPS para os serviços públicos conveniados, via orçamento global, permitia
maior controle e planejamento dos gastos. Dessa forma, o INAMPS inicia um
processo de integração da rede pública que viria a culminar com a dissolução
das diferenças entre a clientela segurada e a não-segurada.
Em
1981, o agravamento da crise financeira da previdência social provocou uma intensificação
do esforço de racionalizar a oferta de serviços, o que se deu acentuando a
tendência anterior de integração da rede pública de atenção à saúde.
O
marco inicial desse período é a criação do Conselho Consultivo de Administração
de Saúde Previdenciária (Conasp), através do Decreto nº 86.329/81. Composto por
notáveis da medicina, representantes de vários ministérios, dos trabalhadores e
dos empresários, o conselho recebeu a missão de reorganizar a assistência
médica, sugerir critérios de alocação de recursos no sistema de saúde,
estabelecer mecanismos de controle de custos e reavaliar o financiamento da
assistência médico-hospitalar. Estabeleceu então um conjunto de medidas
racionalizadoras, fixando parâmetros de cobertura assistencial e de concentração
de consultas e hospitalizações por habitante, além de medidas para conter o
credenciamento indiscriminado de médicos e hospitais (Portaria nº 3.046, de 20
de julho de 1982).
Os
dois programas mais importantes do Conasp foram a implantação do Sistema de
Atenção Médico-Hospitalar da Previdência Social (SAMHPS) e o das ações
integradas de saúde (AISs): o primeiro, voltado para disciplinar o
financiamento e o controle da rede assistencial privada contratada; o segundo,
com a finalidade de revitalizar e racionalizar a oferta do setor público,
estabelecendo mecanismos de regionalização e hierarquização da rede pública das
três esferas governamentais, até então completamente desarticuladas.
Enquanto
o SAMHPS permitiu melhorar o controle institucional sobre os gastos
hospitalares, viabilizando maior racionalidade para planejar, as AISs
constituíram-se no principal caminho de mudança estratégica do sistema. A
partir deste último programa, o sistema caminhou progressivamente para a
universalização de clientelas, para a integração/unificação operacional das
diversas instâncias do sistema público e para a descentralização dos serviços e
ações em direção aos municípios.
Pode-se
dizer então que, sob a pressão da crise financeira, surgiu no interior da
previdência e do INAMPS um processo de reforma que, embora inicialmente movido
pela necessidade da contenção financeira, se ampliou e incorporou elementos de
uma crítica estrutural ao sistema, seja pelo seu caráter privatista, seja pelo
seu caráter médico-hospitalocêntrico. Isso ocorreu num quadro de perda
crescente de legitimidade social e política do sistema, em razão de sua
ineficiência e baixa efetividade, viabilizando-se pela presença de técnicos e
intelectuais progressistas no interior da máquina burocrática, inspirados nas
propostas de eqüidade e expansão do direito à saúde, então sintetizados no lema
internacional da Saúde para Todos até o Ano 2000.
Embora
as AISs fossem financeiramente um programa marginal do INAMPS — em 1984,
representavam 6,2% do orçamento, enquanto a rede privada contratada recebia em
torno de 58,3% —, foi através delas que se construiu uma base técnica e se
formularam os princípios estratégicos que resultaram nas mudanças
institucionais ocorridas no final da década. Na secretaria de planejamento do
INAMPS, encarregada de cuidar dos recursos financeiros e legais da relação com
estados e municípios, foram elaborados os instrumentos precursores do que seria
um planejamento nacional integrado das ações de saúde, pactuado entre as três
esferas governamentais. A chamada POI — Programação e Orçamentação Integradas —
teve um papel pioneiro na consideração dos estados e municípios como
co-gestores do sistema de saúde, e não simplesmente como vendedores de serviços
ao sistema federal. Embora freqüentemente atropelado pelas limitações
orçamentárias e pelas injunções da política clientelista, esse instrumento de
programação muito contribuiu para a mudança da cultura técnica institucional.
As
AISs demarcaram também o início de um processo de coordenação interinstitucional
e de gestão colegiada entre as esferas de governo e entre os órgãos setoriais
do governo federal. A partir da Comissão Interministerial de Planejamento e
Coordenação (Ciplan), composta pelos ministérios da Previdência, Saúde,
Educação e, mais tarde, Trabalho, e das comissões interinstitucionais
estaduais, regionais e municipais (CIS, CRIS, CIMS etc.), consolidou-se um
espaço institucional de pactação de políticas, metas e recursos dos gestores
entre si e destes com os prestadores, e até mesmo com os usuários, já que, em
algumas dessas comissões, houve a participação de associações profissionais e
de moradores. Além do fato de que os representantes institucionais não
dispunham de autonomia decisória, já que a descentralização administrativa era
ainda incipiente, havia uma evidente assimetria de poder entre os parceiros, já
que o financiamento dos serviços se dava através de repasses financeiros do
INAMPS aos estados e municípios convenentes, com base na sua produção de
serviços, dentro de tetos orçamentários preestabelecidos de acordo com a
capacidade instalada.
O
advento da Nova República, em 1985, representou a derrota da solução ortodoxa
privatista para a crise da previdência e o predomínio de uma visão publicista,
comprometida com a reforma sanitária. O comando do INAMPS foi assumido pelo
grupo progressista, que tratou de disseminar os convênios das AISs por todo o
país, aprofundando seus aspectos mais inovadores. Os 130 municípios signatários
em março de 1985 passaram para 644 em dezembro e para 2.500 no final de 1986.
Este
movimento de expansão das AISs, no biênio 1985-1986, correspondeu ao período de
maior efervescência dos debates sobre as formas de organização das políticas
sociais na Nova República, que terminaram por fazer prevalecer a estratégia da
descentralização de competências, recursos e gerência relativos aos diversos
programas setoriais. Expresso no I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova
República, o princípio da descentralização, cuja implementação foi liderada
pela saúde, ao mesmo tempo em que impulsionou e fortaleceu o modelo de
reorganização da assistência expresso pelas AISs, colocou em xeque o próprio
INAMPS: nele permanecia concentrado um amplo poder, baseado principalmente no
monopólio do relacionamento com o setor privado, que continuava representando a
maior parte tanto da oferta hospitalar quanto dos recursos financeiros.
A
VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, alcançou grande
representatividade e cumpriu o papel de sistematizar tecnicamente e disseminar
politicamente um projeto democrático de reforma sanitária, dirigido à
universalização do acesso, eqüidade no atendimento, integralidade da atenção,
unificação institucional do sistema, descentralização, regionalização e
hierarquização da rede de serviços, bem como participação da comunidade.
Em
julho de 1987, foram criados os sistemas unificados e descentralizados de saúde
(SUDS), através do Decreto nº 95.657. Os debates e iniciativas de reorganização
do pacto federativo no país, assim como os resultados eleitorais de novembro de
1986, criaram o clima favorável a essa medida que apontava os estados e
municípios como os gestores do futuro sistema de saúde. A exposição de motivos
conjunta dos ministros da Saúde e da Previdência é explícita quanto ao
propósito de consolidar e desenvolver qualitativamente e quantitativamente as
AISs, reforçando suas características básicas (descentralização, gestão
colegiada e participativa e integração de recursos) como pontos de agregação
para o novo sistema, a ser formalmente “unificado e descentralizado”.
Sacramentava o compromisso com a democratização do acesso aos serviços de
saúde, superando as categorias diversificadas de cidadãos e reorganizando a
rede sob padrões técnicos apropriados.
O
programa dos SUDSs representou a extinção legal da idéia de assistência médica
previdenciária, redefinindo as funções e atribuições das três esferas gestoras
no campo da saúde, reforçando a descentralização e restringindo o nível federal
apenas às funções de coordenação política, planejamento, supervisão,
normatização, regulamentação do relacionamento com o setor privado. Quanto ao
INAMPS, estabelece a progressiva transferência aos estados e municípios de suas
unidades, recursos humanos e financeiros, atribuições de gestão direta e de
convênios e contratos assistenciais, e sua completa reestruturação para cumprir
funções de planejamento, orçamentação e acompanhamento. É preconizada uma
redução drástica em sua estrutura e no seu quadro de pessoal, tanto no nível da
direção geral, que foi transferida do Rio de Janeiro para Brasília, quanto no
das superintendências regionais.
A
nova Constituição Federal, promulgada a 3 de outubro de 1988, instituiu o
Sistema Único de Saúde (SUS), cuja formatação final e regulamentação ocorreram
mais tarde através das leis nºs 8.080 e 8.142, ambas de 1990.
O
ano de 1989, entretanto, junto com o retrocesso político ocasionado pelo
fracasso de sucessivos planos econômicos de combate à inflação, assistiu a um
recrudescimento das resistências do setor privado e da burocracia federal à
dissolução das atribuições e dos recursos do INAMPS nas esferas estadual e
municipal. O grupo progressista foi deslocado do comando do órgão, onde grupos
conservadores estabeleceram uma última trincheira pela preservação de sua
estrutura e funções. A ausência de um projeto claro de restauração do sistema
anterior, assim como o crescente peso político de novos atores na arena
setorial, como os secretários municipais e estaduais de saúde, organizados em
entidades nacionais (Conasems e Conass), fez com que tais resistências tivessem
pouco fôlego.
Em
7 de março de 1990, na última semana do governo Sarney, o INAMPS foi finalmente
transferido do Ministério da Previdência e Assistência Social para o Ministério
da Saúde, através do Decreto nº 99.060. A partir daí, a presidência da
autarquia passou a ser exercida pelo secretário de Assistência à Saúde do
Ministério da Saúde, numa progressiva diluição de sua identidade institucional.
O processo de formatação e operacionalização do SUS nos estados e municípios,
através das normas operacionais básicas de 1991 e de 1993, que formalizaram a
transferência da gestão da saúde a essas esferas governamentais, tem nas
comissões intergestoras tri e bipartites o espaço institucional de distribuição
pactuada de recursos e atribuições entre os níveis federal, estadual e
municipal.
A
extinção legal do INAMPS, ocorrida em julho de 1993, deu-se de forma quase
natural, como conseqüência de seu desaparecimento orgânico e funcional no
emergente Sistema Único de Saúde.
Sônia
Fleury/Antônio Ivo de Carvalho
FONTES:
CORDEIRO, H. Sistema; GUIMARÃES, R. & TAVARES, R. Saúde; OLIVEIRA, J. &
TEIXEIRA, S. Previdência.
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