STF decidirá se Justiça pode estabelecer prazo para realização de perícia médica do INSS

...possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo.

Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 2º; 5º, inciso II, 37, caput; e 201, caput, da Constituição Federal, bem como dos princípios da eficiência, razoabilidade e dignidade da pessoa humana, a possibilidade de o Poder Judiciário fixar prazo para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) realize perícia médica para concessão de benefícios previdenciários, sob pena de, caso ultrapassado o prazo estabelecido, serem eles automaticamente implantados.

No recurso ao Supremo, o INSS questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que fixou prazo máximo de 45 dias para realização das perícias médicas, sob pena de concessão automática de alguns benefícios.


O Supremo Tribunal Federal (STF) irá decidir se o Judiciário pode estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) realizar perícia médica nos segurados e determinar a implantação do benefício previdenciário pedido, caso o exame não ocorra no prazo. Por unanimidade, os ministros reconheceram a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1171152, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes. 

Ação civil pública
O caso se originou em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina. Na primeira instância, foi determinado ao INSS a realização das perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte a incapazes e benefício assistencial de prestação continuada às pessoas com deficiência) no prazo máximo de 15 dias, a contar do requerimento do benefício.Caso não fosse observado esse prazo, os benefícios deveriam ser concedidos ou mantidos até que o segurado fosse submetido à perícia médica.

Examinando a apelação do INSS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) excluiu do alcance da decisão os benefícios acidentários e fixou o prazo máximo de 45 dias para realização das perícias médicas, sob pena de implantação automática do benefício previdenciário requerido, com a possibilidade de utilização do sistema de credenciamento temporário de peritos médicos. 

Impacto  
No recurso ao Supremo, o INSS questiona a ordem judicial para realizar as perícias em 45 dias, sob pena de implementação automática do benefício. Alega que a determinação ofende o princípio da separação dos Poderes, já que cabe privativamente ao Executivo gerir, organizar e estruturar o atendimento aos segurados da Previdência Social. O ministro Alexandre de Moraes destacou a importância do tema para o cenário político, social e jurídico e salientou que a questão ultrapassa o interesse das partes em disputa. Salientou ainda que há inúmeras ações civis públicas, em várias regiões do país, que tratam do assunto.

Para o ministro, é essencial discutir a legitimidade de tais ordens judiciais sem que haja específica e prévia dotação orçamentária para atendê-las, pois a desconsideração de suas consequências econômicas pode comprometer direitos mais prioritários, em razão da impossibilidade de o Estado satisfazer a todas as necessidades sociais. “Este caso terá a importante função de definir como o magistrado deve proceder quando a solução, pela via judicial, do imobilismo da Administração acarretar enorme comprometimento das verbas públicas”, sublinhou.

Processo relacionado: RE 1171152
Com informações disponíveis no site do STF

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 1.171.152 SANTA CATARINA


RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES RECTE.(S): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

EMENTA PARA CITAÇÃO: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR INCAPACIDADE. PRAZO DE REALIZAÇÃO DAS PERÍCIAS PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. IMPOSIÇÃO JUDICIAL DE REALIZAÇÃO EM ATÉ 45 DIAS, SOB PENA DA IMPLEMENTAÇÃO AUTOMÁTICA DA PRESTAÇÃO REQUERIDA PELO SEGURADO. LIMITES DA INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO EM POLÍTICAS PÚBLICAS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a questão acerca da possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo.

2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.171.152 SANTA CATARINA

Título do tema: possibilidade de o Poder Judiciário (i) estabelecer prazo para o Instituto Nacional do Seguro Social realizar perícia médica nos segurados da Previdência Social e (ii) determinar a implantação do benefício previdenciário postulado, caso o exame não ocorra no prazo.

MANIFESTAÇÃO

O Senhor Ministro Alexandre de Moraes (Relator):

Trata-se de Recurso Extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em ação civil pública.

Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em face da autarquia previdenciária com o seguinte objeto:

Pretende-se, com a presente Ação Civil Pública, garantir a todos os beneficiários da previdência e da assistência social que dependam da avaliação da incapacidade para fins de concessão de benefícios (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, pensão por morte a incapazes e benefício assistencial de prestação continuada às pessoas com deficiência) o direito coletivo à realização da perícia em prazo razoável, bem como à concessão provisória do benefício até a realização da perícia, caso ultrapassado o prazo, como medida de inversão do ônus material decorrente da demora excessiva que representa ofensa aos preceitos da eficiência, adequação e continuidade que orientam o serviço público.

Eis o pedido formulado pelo Parquet:

Ao final, após regularmente processada a demanda, o Ministério Público Federal pede seja julgada totalmente procedente a presente ação, confirmando-se a antecipação de tutela, para condenar o INSS, com efeitos no Estado de Santa Catarina, à:
a) realização das perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar do requerimento do benefício e,
a.1) caso ultrapassado o prazo, seja concedido provisoriamente o benefício, amparado no atestado do médico assistente que instruiu o pedido administrativo, até a realização da perícia. Constatado o excesso de prazo já no agendamento, seja imediatamente concedido o benefício provisório, nos mesmos termos;
a.2) subsidiariamente ao item “a.1” (não sendo ele reconhecido, o que se admite apenas ao sabor do argumento), caso ultrapassado o prazo, seja fixada multa diária, em relação a cada pedido não submetido a perícia, até sua efetiva realização, valor a ser revertido em favor do fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85;

A liminar foi deferida, nos seguintes termos:

“Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA para determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS:
a) realização das perícias necessárias à concessão de benefícios previdenciários e assistenciais no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar do requerimento do benefício.
b) não sendo observado o prazo referido no item supra, sejam os benefícios provisoriamente concedidos ou mantidos até que seja o segurado/beneficiário submetido à perícia médica para avaliação da sua condição de incapacidade, amparado em atestado médico, cuja apresentação deve ser exigida do segurado no momento da formulação ou da renovação do benefício.
c) não sendo observado o prazo referido no item 'a' já no momento do agendamento eletrônico, sejam os benefícios provisoriamente concedidos, amparado em atestado médico, cuja apresentação deve ser exigida do segurado/beneficiário no momento do requerimento do benefício.
Ressalto, todavia, a apresentação do laudo médico particular não elide a necessidade do beneficiário de se submeter à perícia do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS na data agendada pela autarquia.
Pelo descumprimento da decisão liminar, fixo a multa de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada beneficiário desta decisão que, comprovadamente, tiver seu direito negado, a ser executado nestes autos.”

Ao proferir a sentença, o Juízo confirmou a medida liminar e julgou procedente o pedido inicial.
Quanto à eficácia espacial do provimento jurisdicional, promoveu a ampliação de seus limites territoriais, nos seguintes termos:

“Com efeito, melhor refletindo sobre a questão, tendo em conta a decisão supratranscrita, entendo pertinente a extensão dos efeitos das decisões proferidas nessa ação civil pública, inclusive a presente sentença, para todo o Estado de Santa Catarina.
Pretendendo o Ministério Público Federal que seja o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS condenado a realizar as perícias médicas no prazo máximo de 15 (quinze) dias, condicionando o desatendimento desse prazo à concessão provisória do benefício almejado até a realização da perícia oficial, mostra-se razoável que, se concedida a ordem requestada, sejam unificados os procedimentos e as medidas engendradas ao seu atendimento, permitindo à autarquia previdenciária a gestão única do cumprimento da decisão judicial e das medidas administrativas que através da mesma se poderá impor.
Sendo assim, atribuo à presente ação civil pública abrangência estadual, estendendo as decisões proferidas a todos os segurados residentes no Estado de Santa Catarina que venham requerer a concessão de benefícios sujeitos à avaliação por perícia médica nas Agências da Previdência Social localizadas no território catarinense.”

Examinando a remessa oficial e a apelação do INSS, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu-as em parte, para
 (a) excluir do alcance da decisão os benefícios acidentários;
(b)fixar o prazo máximo de 45 dias para realização das perícias médicas, sob pena de implantação automática do benefício previdenciário requerido, com a possibilidade de utilização do sistema de credenciamento temporário de peritos médicos.” e
(c) excluir a fixação de multa. Eis a ementa do julgado:

EMENTA PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRAZO PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIAS PARA ANÁLISE DE PEDIDOS DE BENEFÍCIO POR INVALIDEZ. IMPLANTAÇÃO AUTOMÁTICA DO BENEFÍCIO SE NÃO REALIZADA A PERÍCIA EM 45 DIAS. CREDENCIAMENTO DE PERITOS TEMPORÁRIOS. PRELIMINARES. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. EXCLUSÃO DOS BENEFÍCIOS ACIDENTÁRIOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1. Legitimidade: o Ministério Público Federal é parte legitima para propor ação civil pública em defesa de direito individuais homogêneos em matéria previdenciária.
2. Competência Territorial em Ação Civil Pública: a regra geral do art. 16 da Lei n. 7.347/85, limitando a coisa julgada à competência territorial do órgão prolator admite exceções, se a matéria debatida no feito transborde os perímetros da circunscrição territorial do órgão prolator da decisão. No caso em tela, a natureza do pedido é das perícias médicas junto ao INSS não é isolado de um ou outro posto de atendimento, mas sim de quase totalidade da rede de atendimento no Estado de Santa Catarina. A jurisprudência mais coerente já aponta a ampliação territorial, inclusive porque o ideal, nesses casos, seria a ampliação da competência em âmbito nacional. incompatível com a restrição imposta pela norma geral, uma vez que o atraso na realização.
 3. Omissão Administrativa: o mandado de injunção consiste em remédio constitucional para suprir lacunas de lei dirigidas à concretização de direitos previstos na Carta Magna. No caso em tela, o autor não defende haver propriamente uma omissão legislativa, mas uma omissão da Administração em cumprir norma procedimental presente no sistema.
4. Competência Estadual para Acidente de Trabalho: embora a presente ação dirija-se para a correção de uma falha procedimental, em caso de descumprimento do prazo, a consequência imposta é a implantação de um benefício previdenciário. Portanto, há cunho previdenciário na demanda e, por consequência, merece observância da norma de competência prevista no inciso I do art. 109 da CF/88, excluindo-se do provimento desta ação os benefícios decorrentes de acidente do trabalho em respeito à competência da Justiça Estadual.
5. Prazo Razoável para Realização de Perícias: o § 5º do art. 41-A da Lei de Benefícios, incluído pela Lei n.º 11.665/08, prevê que o primeiro pagamento do benefício será efetuado até 45 (quarenta e cinco) dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão. Assim, merece trânsito o pedido de implantação automática do benefício, em 45 dias, a contar da entrada do requerimento, se não realizada a necessária perícia médica para comprovação da incapacidade. Tal provimento não implica ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes, mas determinação judicial baseada em norma legal, com a finalidade de garantir a concretização de direito fundamental. Precedentes deste TRF4.
 6. Credenciamento Excepcional de Peritos: a autorização de contratação de médicos peritos temporários para auxílio na redução do prazo médio de realização de perícias, consiste em instrumento complementar a melhor gestão do poder público, a ser utilizada de forma razoável e proporcionalmente às necessidades. Esse comando jurisdicional respeita a autonomia administrativa e o Princípio da Separação dos Poderes, visto que a contratação obedece a real necessidade a ser avaliada pela instituição previdenciária, bem como pode ser evitada com a adoção de melhoria na gestão dos recursos humanos e materiais existentes.
7. Ratificação de Tutela Antecipada: quando, no curso da ação, o cumprimento de medida liminar demonstra o acerto e ajustamento do pedido, mesmo que parcial, com melhora efetiva do serviço público prestado, o julgamento de mérito deve prestigiar a solução jurídica conferida em antecipação de tutela pelo Tribunal.”

No recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, a da Constituição, o INSS sustenta que o acórdão perpetrou as seguintes ofensas a dispositivos constitucionais:
a) art. 5º, XXXV, LIV e LV, pois o aresto padece de deficiência de fundamentação;
b) art. 127 e 129, III, pois o Ministério Público não tem legitimidade para propor a presente ação civil pública, na qual se tutelam direitos individuais e disponíveis;
c) art. 97, pois deixou de aplicar o art. 16 da Lei 7.347/1985 sem seguir o procedimento de reserva de Plenário;
d) art. 2º, pois a ordem para as perícias serem realizadas em 45 dias, sob pena de implantação automática do benefício, ofende o princípio da separação de Poderes, já que cabe privativamente à Administração gerir, organizar e estruturar o atendimento aos segurados da Previdência Social;
e) arts. 5º, II, 37, caput, e 201, caput, que consagram o princípio da legalidade, o qual foi abertamente desconsiderado pelo julgado, visto que “a concessão automática de benefício por incapacidade, sem qualquer perícia, é ato absolutamente ilícito, pois, à luz dos arts. 16, I e III, 21-A, 41- A, § 5º, 43, §1º, 60, §4º, 77, §2 , III, da Lei n 8.213/91; 20, §6º, da Lei n 8.742/93; artigos 2º da Lei 10.876/2004 e artigo 30, §3º, da Lei 11.907/2009, não há qualquer possibilidade de concessão desses benefícios sem que haja perícia prévia para aferir o grau de incapacidade do segurado”;
Assevera que o acórdão recorrido procedeu à incorreta interpretação dos princípios da eficiência, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
Quanto à repercussão geral dessas questões, assim se manifestou a autarquia:
d) repercussão geral
Toda Ação Civil Pública possui repercussão que vai muito além dos efeitos que teria uma ação individual, assim, a tutela antecipada eventualmente deferida em seu bojo igualmente está eivada de tal relevância.
Some-se a isso o fato de tratar-se de Ação Civil Pública pela qual o Ministério Público Federal busca a condenação do INSS (entidade de âmbito nacional) a conceder benefícios previdenciários de forma automática, sem a realização de perícia médica oficial, quando o agendamento de tal ato administrativo for marcado para momento posterior ao 45º dia da data em que requerido o benefício, para um número indeterminado de pessoas residentes no Estado de Santa Catarina, o que indica a existência de repercussão social e econômica por si só, considerando o volume de segurados do RGPS abrangidos por tal estado.
Além disso, há repercussão geral por envolver a definição de direitos de segurados do RGPS ao gozo de benefício previdenciário de cunho incapacitante, sem a atenção aos requisitos legais pertinentes para tanto, o que indica que o regime de previdência social restará afetado com a extensão indevida de benefícios para aqueles que não estão demonstrando previamente a condição de incapacidade laboral.
Trata-se, portanto, de caso típico em que a decisão do STF terá repercussão geral, ou seja, para muito além do caso concreto.
As questões de mérito discutidas no caso também possuem repercussão geral pelo fato notório de que existe um agendamento prévio de perícias médicas realizada por toda e qualquer Agência da Previdência Social que é elaborado de acordo com as peculiaridades locais, o que indica que a data de marcação de tal evento médico realizado pelo INSS não pode ser controlado de forma objetiva com a limitação em 45 dias, caso contrário possível a concessão automática de benefício, o que indica que existe repercussão social e econômica de relevo apta a dar ensejo no conhecimento de mérito da presente demanda, conforme será a seguir delineado.”

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região admitiu o apelo extremo.


Por meio de decisão publicada em 16/11/2018, neguei seguimento ao recurso extraordinário.

Apresentado agravo interno pela autarquia, reconsiderei a decisão para melhor examinar a matéria.

É o relatório.

No § 3º do art. 102 da Constituição, estabelece-se que, “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. (grifo nosso)

Não obstante a clareza da norma, a exigir que o recorrente exponha a justificativa da relevância de cada uma das diferentes questões suscitadas no apelo extremo, neste caso concreto, o INSS destacou a importância de apenas um ponto do recurso: a ordem judicial para realizar as perícias em 45 dias, sob pena de implementação automática do benefício.

Saliente-se que o presente recurso extraordinário rege-se pelo anterior Código de Processo Civil, no qual se exigia a demonstração da repercussão geral em preliminar do recurso (art. 543-A, § 2º). Portanto, frases e palavras porventura encontradas ao longo da peça recursal não podem ser considerados como fundamentos válidos sobre a relevância dos demais temas.

Considerando-se que, em preliminar, o recorrente abordou unicamente o tema do prazo para as perícias, esta manifestação a ele se restringirá.

É superlativa a relevância de tal questão. Em jogo, (I) os limites à atuação do Poder Judiciário em matéria de políticas públicas e (II) a possibilidade de a decisão judicial gerar efeitos financeiros de grandes proporções, em face da inércia da autarquia previdenciária em fazer as perícias em até 45 dias.

A questão da ingerência do Poder Judiciário nos domínios da Administração Pública já considerada de especial relevância pelo Plenário desta CORTE nos REs 887671 (Definição dos limites à atuação do Poder Judiciário quanto ao preenchimento de cargo de defensor público em localidades desamparadas) e 684612 (Limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam o direito social da saúde, ao qual a Constituição da República garante especial proteção).

No presente caso, destaca-se a questão do acentuado impacto da decisão judicial para as finanças públicas. Com efeito, a implantação automática de milhares de benefícios previdenciários, em curto período de tempo, traz em si repercussão econômica imensa para o Poder Executivo.

Sobreleva discutir a legitimidade de tais ordens judiciais, sem que haja específica e prévia dotação orçamentária para atendê-las.

Conforme aponta Andréa Magalhães, “ao avaliar se as políticas públicas atendem aos fins constitucionais, as cortes constitucionais (re) distribuem os custos envolvidos na concessão de cada direito, o que, em um contexto de escassez, impõe aos poderes uma adaptação da alocação de recursos públicos também em outras políticas” (Jurisprudência da Crise: uma perspectiva pragmática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017).

A observação indica uma verdadeira interferência, na elaboração do orçamento público, de Poder (o Judiciário) ao qual a Constituição não cometeu tal atribuição.

O tema proporciona intensos debates, não apenas no Brasil. Vale trazer à colação a exposição feita por Jair Marocco, abordando os desdobramentos na Itália e em Portugal:

2. Discussão na Itália acerca das sentenças aditivas de prestação e as controvérsias de ordem financeira. Da Sentença aditiva de prestação à sentença aditiva de princípio: mecanismo de minorar as consequências financeiras no intervento da Corte Constitucional .
A Sentenza additiva é modalidade empregada pela Corte Constitucional com uma finalidade específica, que é a superação da omissão legislativa inconstitucional. Censura-se uma disposição não por algo que ela prevê, mas sim pelo fato de omitir algo que deveria, constitucionalmente, estar previsto.
Como destaca Alessandro Pizzorusso, trata-se de importante papel (alternativo ao que caberia ao Parlamento) de "adequação do ordenamento positivo aos princípios constitucionais".
(...)
4 Isso é, precisamente, o que ocorre na sentença aditiva: acrescenta-se um conteúdo antes inexistente na lei; utiliza-se da técnica quando a disposição tem valor normativo menor do que se espera constitucionalmente e declara-se a inconstitucionalidade "nella parte in cui non" se se prevê algo que deveria conter.
Diz-se sentença aditiva de prestação quando, nos casos de concessão legislativa de benefício social em violação ao princípio da igualdade (art. 3.º da Constituição italiana), a Corte italiana estende a prestação social à parcela inconstitucionalmente tolhida (fala-se, aqui, em sentenze additive de prestazione). Insere-se, pois, no rol das "sentenças que custam" (ao contrário das sentenças aditivas de garantia, em que a solução não decorre no dispêndio de valores orçamentários).
5 Na sentença 1.º de 1991, a Corte, mesmo reconhecendo que a atividade legislativa implica certa discricionariedade, assentou que é essencial que essa se passe de modo a respeitar os cânones da racionalidade e razoabilidade, estendendo-se, daí, e a partir da isonomia, o benefício previdenciário à parcela de sujeitos excluídos pela norma.
Ocorre que tais decisões aditivas de prestações adentram em outro problema consistente nas implicações orçamentárias a fazer frente à despesa, principalmente quando se tem em vista o art. 81.4 da Constituição italiana, que exige fonte de recurso obrigatória para assunção de novas despesas públicas (Ogni altra legge che importi nuove o maggiori spese deve indicare i mezzi per farvi fronte).
A questão rendeu interessante debate na doutrina italiana acerca da possibilidade de tais sentenças determinarem custos sem um correspondente ingresso financeiro para fazer frente à nova despesa. Alguns defendiam a inadmissibilidade da aditiva de prestação, uma vez que não respeitariam o princípio da prévia cobertura financeira; outros opinavam que o artigo não se dirigiria ao judiciário, mas sim ao legislador; outros, ainda, defendiam soluções intermediárias, como a fórmula tedesca da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade. Augusto Cerri expõe que um remédio poderia consistir na previsão, na legislação financeira, de algum tributo com alíquota elevável por ato do governo, quando novas despesas fossem ocasionadas por efeito de decisões judiciais - e que isso responsabilizaria a própria Corte e juízes sem influência no seu labor interpretativo.
7 Pela práxis da Corte, no entanto, essa viria a admitir que o art. 81 não seria um limite direto à capacidade para ditar sentenças aditivas de prestação, embora devesse se considerar o equilíbrio financeiro como um valor constitucional importante a ser levado em conta no controle de constitucionalidade.
8 Mais recentemente, porém, a Corte viria a mudar tal esquema decisório. Como informa Gaetano Silvestri, os difíceis problemas de ordem financeira e os encargos decorrentes da solução aditiva de prestação, especialmente em período de crise financeira e déficit nas contas públicas, ocasionou progressiva diminuição desse tipo de tutela - não sendo poucos os que apontam como uma das causas fundamentais a constante intervenção da jurisdição constitucional na concessão de sentenças aditivas de prestação.
9 Essa situação é particularmente agravada porque, ao contrário do Brasil, não existe, na Itália, um sistema de pagamento via precatório (art.100 da CF/1988), além do que as decisões do Tribunal, tal como prevê o art. 136.1 da Constituição italiana, têm efeitos no dia seguinte à publicação da decisão.
Após a reação negativa da Sentença 264, de 1994, as decisões que custam foram substituídas paulatinamente por sentenças aditivas de princípio (sentenze additive di princípio).
10 Essa sentença é forma intermediária à aditiva de prestação na medida em que, visando escapar dos nefastos efeitos financeiros e do desequilíbrio orçamentário proveniente da intervenção judicial direta (e com efeitos imediatos), ao invés de colmatar diretamente a lacuna constatada, estendendo o benefício social questionado, indica, na decisão, os princípios gerais envolvidos - pronúncia através da qual se remete ao legislador a possibilidade de corrigir a omissão, oferecendo ao mesmo uma espécie de roteiro; ao mesmo tempo, permite-se aos juízes ordinários, a partir das linhas gerais da decisão, resolver os casos concretos que lhe são submetidos (a despeito da omissão constatada).
(consta assim no original) 3. A discussão em Portugal: a controvertida modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade em razão de questões financeiras - o acórdão da crise (352 de 2012).
Questão que merece atenção é a do Acórdão 353/2012 do Tribunal Constitucional português.
A Constituição portuguesa (CP) prevê como regra geral que a declaração de constitucionalidade, fruto do controle abstrato de constitucionalidade, terá "força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado" (art. 282.1 da Constituição portuguesa). A decisão, portanto, comporta eficácia retroativa (ex tunc), consagrando à Constituição portuguesa a regra da sanção por nulidade da lei inconstitucional, bem como determinando a repristinação de eventual norma revogada.
Não obstante o ponto acima mencionado, a mesma Constituição portuguesa prevê uma exceção ao efeito retroativo da decisão de inconstitucionalidade, tal como se vê no art. 282.4: “Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos n. 1 e 2.”.
Como se vê, é possível que a decisão tenha "alcance mais restrito" se razões de tomo, como segurança jurídica, equidade ou interesse de excepcional relevo, assim o permitirem. Foge-se, assim, da consequência rígida da fórmula inconstitucionalidade x nulidade, permitindo-se opções que levem em conta fatores de relevo jurídico.
(...)
14 O autor observa, no entanto, que essa possibilidade "de efeitos mais restritos" permitidos pelo art. 282.4 da Constituição portuguesa comporta apenas a declaração com efeitos prospectivos (ex nunc), o que representa uma nulidade parcial, além de possibilitar que não haja efeitos repristinatórios. Nesse sentido, rechaça outras modalidades de conteúdos “intermediários” que fujam dos efeitos acima.
Essa posição doutrinária - no sentido de que o art. 282.4 permitiria apenas declaração com eficácia ex nunc (rechaçandose eventual efeito pro futuro, isto é, adiando-se a data em que a decisão surta efeitos) -, em Portugal, é de notável alcance, tendo o Tribunal Constitucional português, no Acórdão 866/1996 (Lei da Caça), adiado a publicação do acórdão para que o legislador pudesse regular a situação tida por inconstitucional, de modo a permitir um efeito diferido à eficácia da mesma.
Porém, algo significativo e distinto viria a ocorrer num dos mencionados acórdãos da "crise" - no caso, o Acórdão 353 de 2012, marcado pelo resultado controvertido, já detectável pela simples existência de diversas declarações de votos apartadas.
As normas (arts. 21 e 25 da Lei 64-B de 2011 - Orçamento do Estado para 2012) questionadas suspendiam total ou parcialmente o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e/ou 14.º meses, para pessoas que auferissem remuneração salarial de entidade pública e para pensionistas do sistema público de segurança social durante os anos de 2012 a 2014.
As medidas eram temporárias e se inseriam no âmbito do Programa de Assistência Econômica e Financeira (Paef) acordadas por Portugal junto à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional, tendentes à redução do déficit público como parte dos condicionantes dos empréstimos junto a tais órgãos.
O Tribunal ponderou que “a liberdade do legislador recorrer ao corte de remunerações e pensões das pessoas que auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio orçamental, mesmo num quadro de uma grave crise econômico-financeira, não pode ser ilimitada”, daí porque a “diferença do grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para ao que não o são não pode deixar de ter limites”, expondo ainda que a “dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva”.
Explicou o Tribunal que as restrições impostas pelos artigos questionados não possuíam “equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos seus montantes”, e que “a diferença de tratamento é de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada na prossecução do objetivo da redução do déficit público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não tem (sic) uma valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença”.
Por tudo isso, concluiu: “o diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional”.
A decisão parecia encaminhar-se para a total declaração de inconstitucionalidade com efeitos imediatos; porém, em desfecho muito questionado, o Tribunal achou por bem manipular os efeitos da mesma para excluí-la do ano de 2012 (primeiro ano de efeito dos cortes financeiros impostos pela lei), já que era importante ao Estado português “no atual contexto de grave emergência, continuar a ter acesso a este financiamento externo”.

De tal modo que o Tribunal, valendo-se do art. 282.4 da Constituição portuguesa, determinou que apesar da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação à igualdade, das normas constantes nos artigos atacados, aduziu que “os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem [aplicassem] à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e/ou 14.º meses, relativos ao ano de 2012”, o que seria um objetivo de excepcional interesse público.
(Jurisdição constitucional e alguns dos problemas econômico financeiros e impactos das sentenças que “custam”; Revista de Processo; VOL. 253 (MARÇO 2016)
Efetivamente, desconsiderar as consequências econômicas da decisão judicial pode significar o comprometimento de outros direitos, eventualmente até mais prioritários, em razão da impossibilidade de o Estado satisfazer a todas as necessidades sociais.

Penso que este peculiar caso proporciona uma especial oportunidade para o Plenário voltar ao tema da “reserva do possível”, a respeito do qual vale invocar as palavras do eminente Decano desta CORTE, Min. CELSO DE MELLO:

“Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômicofinanceira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...)
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado,
(1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro,
(2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. “(ADPF 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, DJ 04/05/2004)”

Vejam-se, ainda, interessantes considerações extraídas de precedente da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, relatado pelo ilustre Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro:

7. As limitações à efetivação de um direito fundamental não podem justificar a inobservância de um “mínimo existencial”, não havendo como transigir em relação ao núcleo mínimo.
8. Em regra, é inadmissível que o Estado, diante de uma omissão no seu dever de garantir o exercício de um direito  fundamental, baseado em uma análise de proporcionalidade entre os valores em jogo – assistência jurídica gratuita e interesse econômico/financeiro do Estado –, invoque a reserva do possível para justificar a inobservância do seu dever de assegurar o acesso à justiça dos necessitados.
9. A reserva do possível deve ser compreendida como restrições de direitos fundamentais sociais originários, observando sempre um mínimo existencial. Somente fora do âmbito de proteção desse mínimo – “inegociável” no debate político – justifica-se constitucionalmente a imposição de limites aos direitos fundamentais enquanto não houver orçamento ou políticas públicas que os compreendam.” (Apelação Cível/Reexame Necessário 0000459-13.2012.4.02.5004; DJe 17/5/2016) (grifos nossos)
Acerca desse instigante tema, veja-se a exposição feita por Lucivanda Serpa Gomes e Patrícia Moura Monteiro:

4. RESERVA DO POSSÍVEL vs RESERVA ORÇAMENTÁRIA
A teoria da “Reserva do Possível”, elaborada a partir do início da década de 70, é o resultado de julgados da Corte Constitucional alemã, que versava sobre o direito ao acesso ao ensino superior, na qual ficou assente que a “construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos.” (SCAFF, 2005, p. 89). Com efeito, é na composição do orçamento público que se pode visualizar a existência de disponibilidades financeiras para determinados setores priorizados por decisões políticas-governamentais.
Segundo a decisão do Tribunal Federal alemão, os direitos a prestação positivas do Estado “estão sujeitas à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade” (KRELL, 2002, p. 52). De acordo com o julgado, ainda que o Estado disponibilizasse recursos suficientes, não seria razoável exigir da Administração Pública a manutenção de programas de assistência social para quem deles não necessitasse. (SARLET, 2010, p. 49).
Analisando os parâmetros do julgado, Alinie da Matta Moreira (2011, p. 38), afirma que:
A definição faz clara referência às pretensões que podem ser, numa medida razoável e proporcional, deduzidas pelo particular em face do Estado, cujo atendimento demandará uma existência de recursos públicos suficientes sem que se verifique o comprometimento do interesse coletivo.
Destarte, a reserva do possível passou a ser vista como um limite fático relacionado à capacidade econômica e financeira do Estado, que impõe restrições à exigibilidade judicial dos direitos sociais, a exemplo da condenação do Estado à prestação de medicamentos fora das listas do sistema de saúde, tratamentos experimentais ou no Exterior. No entanto, a ideia de restrição orçamentária não é bem aceita pela maior parte dos doutrinadores e dos magistrados.
No Brasil, os Tribunais Superiores, inclusive, quando chamados a decidir casos limites envolvendo o direito fundamental à saúde [as chamadas escolhas trágicas], não tem levado a sério todos os lados da questão; não realizam qualquer juízo de ponderação [adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito] dos direitos em conflito e chegam a afirmar de forma peremptória que, o interesse financeiro em relação ao direito à saúde, é um interesse secundário.
Esquecem, pois, que a Constituição, em seu art. 167, II, veda a realização de despesas ou assunção de obrigações que excedam os créditos orçamentários.
A admissão da existência de escassez de recursos e da reserva do possível nas Cortes Judiciais, ainda que não tratada devidamente, pode ser considerado um avanço, visto que, conforme noticiado por Daniel Wei Liang Wang (2010, p. 353) “até 2007, todas as decisões [judiciais] analisadas concediam o medicamento ou tratamento pedido pelo impetrante. Não havia sequer um voto divergente nos acórdãos encontrado.” Inexistia, portanto, qualquer referência à questão dos custos, e mesmo quando aparece algo neste sentido é tratado como algo de somenos. A guisa de exemplo, no julgamento do RE nº 198263, o Ministro Sidney Sanches, em seu voto, afirma de forma categórica: “em matéria tão relevante como a saúde, descabem disputas menores sobre legislação, muito menos sobre verbas, questão de prioridade”.
Ricardo Lobo Torres (2010, p. 73-74), traz importante contribuição para o debate sobre a efetivação dos direitos sociais no Brasil ao discorrer sobre “Reserva do Orçamento”. Segundo o autor, as EC nº(s) 14/1996 [manutenção e desenvolvimento do ensino], 29/2000 [serviço público de saúde], e 31/2000 [fundo de combate e erradicação da pobreza], ao disporem sobre vinculação de receitas de impostos, criaram condições para judicialização dos direitos sociais, visto que doravante o Poder Público deverá destinar parcela de recursos correspondente a um percentual sobre a receita tributária proveniente de transferências, nas áreas ali referidas.

Assim, com base na nova exigência de vinculação de receitas, as instâncias judiciais monocrática passaram a conceder liminares e cautelares, a partir da literalidade dos dispositivos constitucionais, outorgando de forma individualizada, a prestação estatal que deveria ser coletiva.
Em vista disso, Ricardo Lobo Torres (2010, p. 74), faz contundente crítica à forma insistente em que o Poder Judiciário vem prolatando decisões concessivas de direito, sem examinar a questão orçamentária, o equilíbrio financeiro geral, sem verificar a existência de recursos que viabilizem a concreção de direitos, e, ainda, sem atentar para as políticas públicas insertas no plano plurianual:
Os direitos econômicos e sociais existem, portanto, sob a reserva do possível ou da soberania orçamentária do legislador, ou seja, da reserva da lei instituidora das políticas públicas, da reserva da lei orçamentária e do empenho da despesa por parte da Administração. A pretensão do cidadão é à política pública, e não a adjudicação individual de bens públicos.
Assim, após a EC nº 29/2000 que assegura recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços da saúde, o Judiciário não poderia adjudicar bens públicos de forma particularizada [fármaco, prótese, procedimentos cirúrgicos], ou mesmo determinar o custeio de procedimentos que sequer se encontram entre aqueles autorizados no orçamento [tratamento no Exterior], mas determinar a implementação de políticas públicas pela Administração Pública. Ademais, o Poder Judiciário sob o argumento de conferir efetividade aos direitos sociais, não pode simplesmente invadir a esfera de competência de outros poderes, ou determinar medidas desarrazoada em nome do “mínimo existencial”, ao determinar o sequestro de receitas.
Neste sentido, uma vez mais a lição de Ricardo Lobo Torres (2010, p.76):
A superação da omissão do legislador ou da lacuna orçamentária deve ser realizada por instrumentos orçamentários, e jamais à margem das regras constitucionais que regulam a lei de meios. Se, por absurdo, não houver dotação orçamentária, a abertura dos créditos adicionais cabe aos poderes políticos (Administração e Legislativo), e não ao Judiciário, que apenas reconhece a intangibilidade do mínimo existencial e determina aos poderes a prática dos atos orçamentários cabíveis.
Não obstante a necessidade fática de recursos para promover o bem público, na prática, o Poder Judiciário, ainda que bem-intencionado, vê o custeio como algo de menor valor, como se orçamento não constituísse um instrumento político que vincula todos os agentes públicos, constituindo-se uma garantia aos contribuintes.” (A escassez de recursos orçamentários como limite a efetividade do direito fundamental à saúde in Direitos sociais e políticas públicas I [Recurso eletrônico on-line]/organização CONPED/UFF; coordenadores: Joaquim Leonel de Rezende Alvim... [et al.]. – Florianópolis: FUNJAB, 2012., páginas 35/55).

Enfim, este caso terá a importante função de definir como o magistrado deve proceder quando a solução, pela via judicial, do imobilismo da Administração acarretar enorme comprometimento das verbas públicas. Além da alternativa adotada neste caso – a imposição da obrigação ao Poder Público, sem se levar em conta os gastos decorrentes do cumprimento da decisão -, merecem ser sopesadas e discutidas as seguintes opções:
i) a impossibilidade da decisão judicial conceder efeitos financeiros gigantescos em face da inércia em se fazer a perícia em 45 dias;
ii) a ordem judicial depender da aferição não apenas da inércia propriamente dita, mas também das reais condições de a Administração superá-la.

Com efeito, além das dificuldades em arcar com valores expressivos para necessidades específicas, outros fatores podem concorrer para a inviabilidade da satisfação plena do serviço público.

O INSS registra o número elevado de aposentadorias e exonerações de peritos, cuja reposição seguramente não se dará com facilidade. Comprovadas essas contingências, cabe discutir se também devem ser levadas em conta pelo juiz ao julgar o pedido de implementação de políticas públicas.

Na presente hipótese, portanto, patente a repercussão geral.

Os recursos extraordinários somente serão conhecidos e julgados, quando essenciais e relevantes as questões constitucionais a serem analisadas, sendo imprescindível ao recorrente, em sua petição de interposição de recurso, a apresentação formal e motivada da repercussão geral que demonstre, perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a existência de acentuado interesse geral na solução das questões constitucionais discutidas no processo, que transcenda a defesa puramente de interesses subjetivos e particulares.

Foi cumprida, no caso, obrigação do recorrente de apresentar, formal e motivadamente, a repercussão geral, demonstrando a relevância da questão constitucional debatida que ultrapasse os interesses subjetivos da causa, conforme exigência constitucional, legal e regimental (art. 102, § 3º, da CF/88, c/c art. 1.035, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 e art. 327, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Com efeito, (a) o tema controvertido é portador de ampla repercussão e de suma importância para o cenário político, social e jurídico e (b) a matéria não interessa única e simplesmente às partes envolvidas na lide.

Adite-se que simples pesquisa na rede mundial de computadores indica haver múltiplas ações civil públicas, em várias regiões do País, com idêntico objeto. Vejamos:

a) PROCESSO Nº: 0801806-81.2014.4.05.8500 (3ª Vara Federal de Sergipe);
b) PROCESSO 1000348-97.2019.4.01.4000 (2ª Vara Federal de Piauí);
c) PROCESSO 0002794-17.2014.403.6003 (1ª Vara Federal de Três Lagoas/MS);
d) PROCESSO 5000702-09.2010.404.7000 (Seção Judiciária do Paraná);
e) PROCESSO 1000742-48.2017.4.01.4300 (1ª Vara Federal Cível de Tocantins);
Por essas razões, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional.

É como voto.
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.171.152 SANTA CATARINA.

MANIFESTAÇÃO

 RECURSO EXTRAORDINÁRIO – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – PERÍCIA MÉDICA – PRAZO – IMPLEMENTAÇÃO AUTOMÁTICA – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.

1. O assessor David Laerte Vieira prestou as seguintes informações:
Eis a síntese do discutido no recurso extraordinário nº 1.171.152, relator o ministro Alexandre de Moraes, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral em 13 de setembro de 2019, sexta-feira, sendo o último dia para manifestação 3 de outubro, quinta-feira:
O Instituto Nacional do Segurado Social – INSS interpôs recurso extraordinário, com alegada base na alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, contra acórdão por meio do qual o Tribunal Regional Federal da 4ª Região assentou, aludindo ao princípio da razoabilidade, o prazo máximo de quarenta e cinco dias para a realização de perícia necessária à concessão de benefício previdenciário, a contar do requerimento administrativo, impondo a implementação automática do direito postulado quando não observado o lapso.
Assinala ofensa aos artigos 2º, 5º, inciso II, 37, 97, 127, 129 e 201, da Lei Maior. Sustenta como preliminares a negativa de jurisdição, a ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis e o desrespeito à cláusula de reserva de plenário. Afirma inobservado o princípio da legalidade ante a concessão automática de benefícios. Ressalta inviável conferir prazo à efetivação de perícias, considerados os princípios da separação dos poderes e da legalidade a se sobreporem aos da eficiência, da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade.

Sublinha ultrapassar o tema os limites subjetivos da lide, mostrando-se relevante dos pontos de vista econômico, social e jurídico.

O extraordinário foi admitido na origem. O Relator submeteu o processo ao denominado Plenário Virtual, manifestando-se pela existência de repercussão geral da questão constitucional relativa à possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer prazo para o INSS realizar perícia médica e determinar a implantação do benefício previdenciário buscado, caso o exame não ocorra no prazo.

2. Tem-se matéria de envergadura constitucional, circunstância a reclamar o crivo do Supremo. Cumpre a este Tribunal definir se o Judiciário pode, ou não, fixar ao Órgão previdenciário prazo para a realização de perícia médica, sob pena de implementação automática do benefício requerido.

3. Pronuncio-me no sentido de estar configurada a repercussão geral.

4. À Assessoria, para acompanhar a tramitação do incidente.

5. Publiquem.

Brasília, 17 de setembro de 2019.
Ministro MARCO AURÉLIO

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001.

O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código C2DB-1158-3301-226F e senha E47B-7243-0528-9ECC






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