INCONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA EM CONCURSO PÚBLICO SOBRE CANDIDATOS QUE SOFREM CONDENAÇÃO NA JUSTIÇA.

 

ARGUMENTOS TÉCNICOS SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA EM CONCURSO PÚBLICO



Contextualização

O presente artigo visa analisar a constitucionalidade da cláusula prevista em edital de concurso público, que exige dos candidatos a assinatura de uma declaração afirmando “não haver sofrido condenação definitiva por crime ou contravenção, nem penalidade disciplinar de demissão, no exercício de cargo ou destituição de função pública”, como condição para a participação no certame.


Argumento de Inconstitucionalidade

  1. Violação ao Princípio da Legalidade

    • O princípio da legalidade é basilar no ordenamento jurídico brasileiro, conforme previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal (CF), que determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
    • A cláusula impõe uma obrigação não prevista em legislação específica, ferindo, portanto, o princípio da reserva legal.
  2. Imposição de Declaração com Consequência Penal

    • O artigo 299 do Código Penal tipifica como crime falsidade ideológica: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
    • Ao obrigar o candidato a assinar uma declaração afirmativa, sem permitir a possibilidade de retificar ou informar eventuais condenações, o edital indiretamente conduz o candidato a cometer o crime previsto no artigo 299 do Código Penal, caso omita a informação de um fato verdadeiro.
  3. Ofensa ao Direito ao Silêncio e à Ampla Defesa

    • A exigência de uma declaração unilateral viola o direito constitucional ao silêncio, corolário do princípio da não autoincriminação, garantido pelo artigo 5º, inciso LXIII, da CF.
    • Caso o candidato tenha sido condenado em processo com trânsito em julgado, a imposição da declaração o obriga a se autoincriminar ao prestar informação que o desqualifique no certame.
    • O princípio da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF) também é afrontado, pois a cláusula não permite a possibilidade de justificar ou contextualizar eventuais penalidades sofridas.
  4. Princípio da Presunção de Inocência

    • A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
    • A exigência de uma declaração afirmativa desconsidera a presunção de inocência, na medida em que trata todos os candidatos com histórico de condenações ou penalidades como desqualificados, independentemente de um exame criterioso.

Proposta de Solução

Sugere-se que o edital seja alterado para prever a exigência de uma declaração mais ampla, que permita ao candidato informar eventuais penalidades ou condenações de forma transparente, sem riscos de autoincriminação. O texto sugerido é:

Declaro que, conforme meu conhecimento e informações documentais, estou apto a participar deste concurso, estando ciente de que eventuais informações adicionais poderão ser solicitadas pela comissão organizadora, para avaliação nos termos da legislação vigente.”

Essa abordagem respeita os princípios constitucionais e assegura a ampla participação no certame, sem expor os candidatos a possíveis penalidades indevidas.


Conclusão

A cláusula presente no edital é inconstitucional, pois afronta princípios basilares como a legalidade, a presunção de inocência, o direito ao silêncio e a ampla defesa. Recomendamos que o órgão responsável pela organização do concurso revise o texto, ajustando-o às normas constitucionais e legais vigentes, de modo a garantir a plena legitimidade do certame e os direitos dos candidatos.

***

Comentários

ANÚNCIOS