VOTO DO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES NA SAGA DA REVISÃO DA VIDA TODA DO INSS / TEMA 1102 DO STF

 


V O T O

 

 

O Senhor Ministro Alexandre de Moraes (Relator):

 

Cumprimento Vossa Excelência, Ministra Rosa Weber, a Ministra Cármen Lúcia, os Ministros, o Procurador-Geral da República, Doutor Augusto Aras, os estudantes de Direito presentes no Plenário, da Universidade Anhanguera, de Taboão da Serra, Estado de São Paulo.

 

Trata-se de Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se discute o Tema 1102 da repercussão geral:

 

“Possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei nº 9.876/99, ocorrida em 26/11/99.”

 

Na origem, VANDERLEI MARTINS MEDEIROS ajuizou ação de revisão de benefício previdenciário em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, buscando a revisão de seu benefício de aposentadoria, a fim de que seja computada no cálculo da sua renda mensal inicial a média dos salários de contribuição referentes a todo o período contributivo, conforme a nova redação do art. 29 da Lei 8.213/1991, e não somente aqueles vertidos após julho de 1994, como determina a regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999.

Por esta última norma, o cálculo do salário de benefício é limitado a 80% das maiores contribuições relativas, unicamente, ao período posterior a julho de 1994.

Argumenta que, como o art. 29 da Lei 8.213/1991 (na redação da Lei 9.876/1999) - que prevê o cálculo do salário de benefício com base nas 80% maiores contribuições de todo o período contributivo -, estava em vigor no momento da concessão de sua aposentadoria, tem o direito de optar pela aplicação dessa norma, que lhe propicia um benefício previdenciário mais favorável.

Por fim, pleiteia a condenação do INSS


(a) “a revisar o seu benefício, “de forma que o cálculo seja efetuado computando-se os salários referentes a todo o período contributivo e não apenas aqueles vertidos após Julho de 1994, com eventual observância ao consignado no Art. 21, § 3º da Lei de Benefícios e no RE 564.354 (novo teto do regime geral de previdência), em regime de repercussão geral pelo STF”; e (b) “ao pagamento das diferenças verificadas desde a concessão do benefício, acrescidas de correção monetária a partir do vencimento de cada prestação até a efetiva liquidação, respeitada a prescrição quinquenal, valores esses corrigidos monetariamente na forma de atualização prevista pela legislação pertinente.

 

Colhe-se do contexto fático delineado nos autos que o segurado, ora recorrido, estava filiado ao RGPS desde 1976, e o benefício de sua aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em 18/6/2004, com DIB (data do início do benefício) em 1º/10/2003.

O cálculo da renda inicial foi feito conforme as regras de transição (art. 3º da Lei 9.876/1999), o que resultou em proventos de aposentadoria no valor de R$ 1.493,00.

Se fosse considerado todo o seu histórico contributivo, consoante determina a regra definitiva (atual redação do art. 29, I, da Lei 8.213/1991), o segurado faria jus à quantia de R$ 1.823,00. Ou seja, de 1976 (data da filiação ao RGPS) a 2003 (data do início do benefício de aposentadoria) decorreram 28 anos; sendo que, de 1976 a 1994 (marco de retroação da regra transitória), passaram-se 19 anos, e desta última data (1994) a 2003, fluíram 9 anos.

Grosso modo, pela regra de transição, somente as maiores 80% contribuições vertidas nesses 9 anos são computadas para o cálculo do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição.

Pela regra definitiva, as contribuições vertidas ao longo de todo o período contributivo (1976 a 2003) são consideradas para o cálculo da renda inicial do benefício de aposentadoria.

O pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de inexistir direito adquirido à aplicação da legislação anterior, de modo que o cálculo da RMI (renda mensal inicial) do benefício deveria observar a regra de transição disposta na lei nova (fl. 99, Vol. 10).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento à apelação para manter a sentença, reconhecendo a aplicabilidade da regra


de transição, nos termos da seguinte ementa (Vol. 2, fls. 20-22):

 

“PREVIDENCIÁRIO. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 3º LEI 9.876/99. SEGURADOS QUE JÁ ERAM FILIADOS AO RGPS NA DATA DA PUBLICAÇÃO DA LEI 9.876/99. LIMITAÇÃO DOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO A SEREM UTILIZADOS NA APURAÇÃO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO A JULHO DE 1994.

1. A Lei 9.876/99 criou o denominado fator previdenciário e alterou a forma de cálculo da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários, prestando-se seu artigo 3º a disciplinar a passagem do regime anterior, em que o salário-de- benefício era apurado com base na média aritmética dos últimos 36 salários-de-contribuição, apurados em um período de até 48 meses, para o regime advindo da nova redação dada pelo referido diploma ao artigo 29 da Lei 8.213/91.

2.  A redação conferida pela Lei 9.876/99 ao artigo 29 da Lei 8.213/91, prevendo a obtenção de salário-de-benefício a partir de ‘média aritmética simples dos maiores salários-de- contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo’ não implicou necessariamente agravamento da situação em relação à sistemática anterior. Tudo dependerá do histórico contributivo do segurado, pois anteriormente também havia limitação temporal para a apuração do período básico de cálculo (isso sem considerar, no caso das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, a incidência do fator previdenciário, que poderá ser negativo ou positivo).

3.   Desta forma, o 'caput' do artigo 3º da Lei 9.876/99 em rigor não representou a transição de um regime mais benéfico para um regime mais restritivo. Apenas estabeleceu que para os segurados filiados à previdência social até o dia anterior à sua publicação o período básico de cálculo a ser utilizado para a obtenção do salário-de-benefício deve ter como termo mais distante a competência julho de 1994. Ora, na sistemática anterior, os últimos salários-de-contribuição eram apurados, até o máximo de 36 (trinta e seis), em período não-superior a 48 (quarenta e oito) meses. Um benefício deferido em novembro de 1999, um dia antes da publicação da Lei 9.876/99, assim, teria PBC com termo mais distante em novembro de 1995. A Lei nova, quanto aos que eram filiados, em última análise


ampliou o período básico de cálculo. E não se pode olvidar que limitou os salários-de-contribuição aos 80% maiores verificados no lapso a considerar, de modo a mitigar eventual impacto de contribuições mais baixa.

4.      Quanto aos segurados que não eram filiados à previdência na data da publicação da Lei 9.876/99, simplesmente será aplicada a nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91. E isso não acarreta tratamento mais favorável ou detrimentoso em relação àqueles que já eram filiados. Isso pelo simples fato de que para aqueles que não eram filiados à previdência na data da publicação da Lei 9.876/99 nunca haverá, obviamente, salários-de-contribuição anteriores a julho de 1994 e, mais do que isso, anteriores a novembro de 1999, a considerar.

5.   Sendo este o quadro, o que se percebe é que: (i) a Lei 9.876/99 simplesmente estabeleceu um limite para a apuração do salário-de-benefício em relação àqueles que já eram filiados na data de sua publicação, sem agravar a situação em relação à legislação antecedente, até porque limite já havia anteriormente (máximo de 48 meses contados do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento); (ii) quanto aos que não eram filiados na data da sua publicação, a Lei 9.876/99 não estabeleceu limite porque isso seria absolutamente inócuo, visto nesta hipótese constituir pressuposto fático e lógico a inexistência de contribuições anteriores à data de sua vigência, e, ademais, não teria sentido estabelecer a limitação em uma norma permanente (no caso o art. 29 da LB).

6.  Em conclusão, com o advento da Lei 9.876/99 temos três situações possíveis para apuração da renda mensal inicial, as quais estão expressamente disciplinadas: a) casos submetidos à disciplina do art. 6º da Lei 9.876/99 c.c. art. 29 da Lei 8.213/91, em sua redação original - segurados que até o dia anterior à data de publicação da Lei 9.876/99 tenham cumprido os requisitos para a concessão de benefício segundo as regras até então vigentes (direito adquirido): terão o salário-de- benefício calculado com base na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses;

b) Casos submetidos à disciplina do art. 3º da Lei 9.876/99 - segurados que eram filiados ao RGPS em data anterior à


publicação da Lei 9.876/99 mas não tinham ainda implementado os requisitos para a concessão de benefício previdenciário: terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples dos maiores salários-de- contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício) pelo fator previdenciário; c) Casos submetidos à nova redação do artigo 29 da Lei 8.213/91- segurados que se filiaram ao RGPS após a publicação da Lei 9.876/99: terão o salário-de-benefício calculado com base na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de benefício) pelo fator previdenciário.

7.    Não procede, assim, a pretensão de afastamento da limitação temporal a julho/94 em relação aos segurados que já eram filiados ao RGPS na data da publicação da Lei 9.876/99. Precedentes do STJ (AgRg/REsp 1065080/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO; REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI; REsp 1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE

ASSIS MOURA; AREsp 178416, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN; REsp 1455850, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; REsp 1226895, Relator Ministro OG FERNANDES; REsp 1166957, Relatora Ministra LAURITA VAZ; REsp 1019745, Relator Ministro FELIX FISCHER; REsp 1138923, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE; REsp 1142560, Relatora Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE)”

 

Opostos Embargos de Declaração, foram rejeitados (Vol. 2, fl. 44 ). Irresignado, o segurado, ora recorrido, interpôs simultaneamente

Recurso Extraordinário e Recurso Especial, ambos inadmitidos na instância de origem (fl. 102/107, Vol. 2).

Sobrevieram os correspondentes agravos, com a subsequente remessa do processo ao Superior Tribunal de Justiça.

No STJ, converteu-se o agravo em Recurso Especial, o qual foi submetido ao rito dos recurso repetitivos, com a suspensão dos processos em todo território nacional, inclusive aqueles em trâmite nos Juizados Especiais (fl. 139/155, Vol. 2).

Em seguida, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por


unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial do segurado. O acordão recebeu seguinte ementa (fls. 97-98, Vol. 4):

 

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS. APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II, DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3º DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.

1.   A Lei 9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando gradualmente a base de cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo do Segurado.

2.     A nova legislação trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3º, estabelecendo que no cálculo do salário de benefício dos Segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta lei, o período básico de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de 1994.

3.    A norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo. O propósito do artigo 3º da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

4.  Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no momento da concessão de seu benefício, sem analisar as consequências da medida na apuração do valor do benefício, sob pena de infringência ao princípio da contrapartida.

5.    É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade de haver, necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se afigurando razoável que o Segurado


verta contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu benefício.

6.  A concessão do benefício previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre, assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas contribuições.

7.    Desse modo, impõe-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3°. da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos prescricionais e decadenciais. Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a regra de transição não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva.

8.   Com base nessas considerações, sugere-se a fixação da seguinte tese: Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior publicação da Lei 9.876/1999.

9.  Recurso Especial do Segurado provido.”

 

Insatisfeito, o INSS interpôs o presente Recurso Extraordinário (Vol. 4, fls. 212-241), com amparo no artigo 102, III, “a”, da CF/1988, em que alega violação aos artigos arts. 2º; 5º, caput; 97; 195, §§ 4º e 5º; e 201 da Constituição Federal, bem como ao art. 26 da EC 103/2019, pois "o acórdão recorrido - ao reconhecer aos segurados que ingressaram na Previdência Social até o dia anterior publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção, na apuração do seu salário-de-benefício, entre a regra de ‘transição’ estabelecida no art. 3º da Lei 9.876/99 e a regra ‘definitiva’ estabelecida no art. 29, I e II, da Lei 8.213/91 fez má aplicação” dos aludidos dispositivos constitucionais (fl. 218, Vol. 4).

Para tanto, sustenta que:

 

(a)    o acórdão afastou o art. 3º da Lei 9.876/1999, por considerá-lo incompatível com a Constituição, o que equivale à declaração de sua inconstitucionalidade. Com isso afrontou à cláusula de reserva de Plenário (Súmula vinculante 10);


(b)    a única regra legal aplicável ao cálculo de todos os segurados, sejam eles filiados ao RGPS antes ou após a vigência da Lei 9.876/1999, é aquela que limita o cômputo para

aposentadoria apenas às contribuições vertidas a partir de julho de 1994, “os primeiros, por expresso imperativo legal; os últimos, por consequência lógica da filiação ocorrida após 1999”. Desse modo, não que se falar em inclusão do período contributivo

anterior a tal marco temporal;

(c)  “apenas os segurados destinatários da norma do artigo 3º da Lei nº 9.876/1999, ou seja, que estavam filiados ao RGPS quando da entrada em vigor da lei em referência, poderão, sob a ótica do STJ, possuir esse tratamento de cômputo de salários de contribuição anteriores a julho de 1994, com verdadeira subversão do princípio da isonomia” (fl. 228 ,Vol. 4);

(d)      a desconsideração da regra de transição para a apuração do benefício afeta o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, na medida em que torna a inclusão de remunerações

anteriores a julho de 1994 extremamente complexa”, (...) devido a

baixíssima qualidade da base de dados para períodos contributivos anteriores a 1994, o que tenderia a causar grande transtorno operacional ao INSS”, somado ao fato de ocasionar “elevação não programada das despesas da Previdência Social” (fl. 229/234, Vol. 4);

(e)     o acordão contrariou a Súmula Vinculante 37, ao assegurar a majoração da aposentadoria sem a prévia fonte de custeio;

(f)   o sistema previdenciário brasileiro possui cariz solidário e

contributivo (arts. 3º, I, 195 e 201 da Constituição), de modo que não há correlação estrita entre o dever de contribuição e o usufruto de benefício” (fl. Vol. 4); e

(g)      a EC 103/2019 limitou o cálculo de benefícios previdenciários aos salários-de-contribuição vertidos ao sistema a partir de julho de 1994.

 

Por fim, requer o provimento do Recurso Extraordinário, para fixar tese “no sentido da impossibilidade de se reconhecer ao segurado que ingressou na Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção entre a regra do art. 3º do mencionado diploma e a regra do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91”.

Em contrarrazões (fl. 254,Vol. 4), o segurado, em preliminar, sustenta a inadmissibilidade do apelo extremo ante a incidência, ao caso, das Súmulas 279, 282 e 356, todas do STF, e da ausência de matéria


constitucional. No, mérito, requer o desprovimento do apelo, com a manutenção do acórdão recorrido.

O RE foi admitido no Superior Tribunal de Justiça como representativo da controvérsia, determinando-se a suspensão em todo território nacional de todos os processos pendentes em que se debata a mesma controvérsia, bem como a remessa dos autos ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Ponderou-se que o julgamento do RE 639.856 (Tema 616 da repercussão geral - incidência do fator previdenciário (Lei 9876/99) ou das regras de transição trazidas pela EC 20/98 nos benefícios previdenciários concedidos a segurados filiados ao Regime Geral da Previdência Social até 16/12/1998), pode influenciar o entendimento a ser adotado na hipótese objeto deste apelo “ (fls. 22-25, Vol. 5).

Recebido o processo nesta CORTE, o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral da matéria em acórdão assim ementado:

 

“Recurso extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Cálculo do salário de benefício. Segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de publicação da Lei nº 9.876/99. Aplicação da regra definitiva do art. 29, inc. I e II, da Lei 8.213/91 ou da regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99. Presença de repercussão geral.”

 

A Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social – FENASP e o Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV (Núcleo de Pesquisa e Defesa dos Direitos Sociais) foram admitidos no processo como terceiros interessados.

A Procuradoria-Geral da República ofertou parecer, em que se manifesta pelo DESPROVIMENTO do recurso, nos termos da seguinte ementa:

 

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.102. ART. 3º DA LEI 9.876/1999. REGRA TRANSITÓRIA. SEGURADO INGRESSANTE NO RGPS ANTES DE 26/11/99 DESCONSIDERAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ANTERIORES À    COMPETÊNCIA    DE    JULHO    DE    1994.

DESFAVORECIMENTO. REGRA DEFINITIVA. ART 29, I E II, DA LEI 8.213/1991. APLICABILIDADE. POSTULADO DA


SEGURANÇA                          JURÍDICA.                                                   MELHOR BENEFÍCIO.DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1.  Recurso Extraordinário representativo do Tema 1.102 da sistemática da Repercussão Geral, referente à “possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da Lei nº 9.876/99, ocorrida em 26/11/99”.

2.  As regras transitórias são editadas a fim de se garantir o postulado da segurança jurídica, respeitando-se as situações consolidadas no tempo.

3.    Segundo a exposição de motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, que originou a Lei 9.876/1999, a regra transitória foi criada com o objetivo de mitigar os efeitos da regra permanente, considerando que o período a contar de julho de 1994 coincide com o período do Plano Real, de reduzidos níveis de inflação, o que permitiria minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.

4.   Desconsiderar o efetivo recolhimento das contribuições realizado antes de 1994 vai de encontro ao direito ao melhor benefício e à expectativa do contribuinte, amparada no princípio da segurança jurídica, de ter consideradas na composição do salário-de-benefício as melhores contribuições de todo o seu período contributivo.

5.    A partir de uma interpretação teleológica da regra transitória, aplica-se a regra permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-debenefício, quando mais favorável ao contribuinte.

6.  Proposta de tese de repercussão geral:

Aplica-se a regra definitiva, prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-debenefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.

—Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário e pela manutenção da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.”


É o relatório.

 

Estão preenchidos todos os requisitos legais e constitucionais para admissibilidade do apelo extremo.

 

Inicialmente, pontuo que apreciando controvérsia similar à presente, esta CORTE, no AI 843.287 (Rel. Ministro CEZAR PELUSO, DJe de 1/9/2011, Tema 406 da repercussão geral, inadmitiu o recurso, ao entendimento de que não se tratava de matéria constitucional, na forma da seguinte ementa:

 

"Agravo de instrumento convertido em Extraordinário. Inadmissibilidade deste. Benefício previdenciário. Renda mensal inicial. Critérios de cálculo. Tema infraconstitucional. Precedentes. Ausência de repercussão geral. Recurso extraordinário não conhecido. Não apresenta repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto o direito de se renunciar aos salários-de-contribuição de menor expressão econômica para compor a média aritmética que servirá de base de cálculo para a renda mensal inicial de benefício previdenciário, versa sobre tema infraconstitucional"

 

No entanto, nestes autos, o Relator originário deste processo, Min. DIAS TOFFOLI manifestou-se pela repercussão geral da matéria, compreendendo, entre outras razões, que o “tema possui, inegavelmente, repercussão geral nos aspectos econômico e social, dado o impacto financeiro que a prevalência da tese fixada pelo STJ pode ocasionar no sistema de previdência social do país e o imenso volume de segurados que podem ser abrangidos pela decisão a ser proferida neste feito”, e, no aspecto jurídico, de eventual violação da cláusula de reserva de Plenário pelo acórdão recorrido.

No mais, anotou que a temática em foco é diversa daquela objeto do Tema 616, que foi delimitada à incidência do fator previdenciário (art. 2º da Lei 9.876/1999) no cálculo do salário-de-benefício de segurados filiados ao RGPS até 16/12/1998, em contraposição à regra de transição trazida pelo art. 9º da Emenda Constitucional 20/1998.

O TRIBUNAL PLENO aderiu a essa compreensão, para reconhecer a existência de repercussão geral da questão suscitada.

 

Antes de entrar no mérito, rapidamente, aqui é importante afastar a preliminar, porque o INSS arguiu ofensa à cláusula de reserva de


plenário, ou seja, arguiu ofensa à Súmula 10 do Supremo Tribunal Federal, ao argumento de que o Superior Tribunal de Justiça teria afastado o art. da Lei 9.876 com base em fundamento constitucional, teria afastado a regra transitória, declarando-a inconstitucional.

 

Todavia, não é o que se denota da leitura do voto condutor do acórdão recorrido. O STJ conferindo interpretação teleológica a aludida disposição normativa, entendeu que deveria prevalecer a regra permanente do art. 29 da Lei 8.213/1991, quando esta fosse mais favorável ao segurado. Ou seja, procedeu à mera exegese da norma, sem a declaração de inconstitucionalidade seja da regra permanente, seja da regra de transição. Consequentemente, não haveria necessidade de declaração pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou da Corte Especial, no caso do Superior Tribunal de Justiça.

É firme a jurisprudência desta CORTE no sentido de que não viola a reserva de Plenário a decisão que se limita a interpretar a legislação infraconstitucional, sem negar-lhe vigência. Vejam-se:

 

"Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Menor sob guarda judicial. Condição de dependente, para fins previdenciários. Discussão. Artigo 97 da Constituição Federal. Súmula Vinculante nº 10. Violação. Inexistência. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes.

1.     Pacífica a jurisprudência da Corte de que não há violação do art. 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF quando o Tribunal de origem, sem declarar a inconstitucionalidade da norma, nem afastá-la sob fundamento de contrariedade à Constituição Federal, limita-se a interpretar e aplicar a legislação infraconstitucional ao caso concreto.

2.    Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF.

3.     Agravo regimental não provido" (AgRg no ARE 804.313/PI, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/03/2015).

 

"AGRAVO           REGIMENTAL          NO                                       RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MONTEPIO MILITAR. EXTINÇÃO.


DEVOLUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL                                                                      LOCAL.                                                                      LEIS COMPLEMENTARES ESTADUAIS 41/2004 E 66/2006. SÚMULA 280 DO STF. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART.

97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS ARTS. 5º, XXXVI, E 93, IX, DA LEI MAIOR. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(…)

III  – Não há violação ao princípio da reserva de plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitucional ou afastar sua aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Lei Maior.

IV    – A verificação da ocorrência, no caso concreto, de violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição demandaria nova interpretação das normas infraconstitucionais pertinentes à espécie, sendo certo que eventual ofensa à Lei Maior seria meramente indireta.

V   A exigência do art. 93, IX, da Constituição não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador indique de forma clara as razões de seu convencimento, tal como ocorreu.

VI  – Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no ARE 735.533/PI, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/04/2014).

 

Ultrapassada essa questão, passo ao EXAME DE MÉRITO.

 

Presidente, como Vossa Excelência já adiantou, aqui é um recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e que se transformou no Tema 1102 de repercussão geral: "Tema 1102 - Possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei 9.876/99, ocorrida em 26/11/99."


O que efetivamente se discute aqui, o objeto principal da controvérsia, está em definirmos se o segurado do INSS que ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior à publicação da referida lei, em 26 de novembro de 99, pode optar, para o cálculo do seu salário de benefício, pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213 quando essa lhe for mais favorável do que a previsão da lei, no art. 3º, de uma regra transitória, por lhe assegurar um benefício mais elevado. Essa é a discussão que já foi trazida ontem pelo eminente Ministro Nunes Marques.

 

Ou seja, há uma regra transitória, mas há também uma regra definitiva que, em alguns casos, acaba sendo mais benéfica do que a própria regra transitória. A regra definitiva - isso é importante salientar - é mais penosa do que a legislação anterior e, para essa transferência entre a norma anterior, que era mais benéfica, e a mais penosa, houve uma regra de transição. Só que, em alguns casos, essa regra de transição acaba sendo pior para o segurado do que a própria regra definitiva

 

O Recurso Extraordinário foi interposto em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, em sede de recurso repetitivo, deu provimento ao Recurso Especial do segurado para reconhecer o seu direito ao cálculo da aposentadoria, segundo a nova regra prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, por ser mais benéfica do que a regra de transição do art. 3º da Lei 9.876/1999.

Ainda, o STJ fixou a seguinte tese:

 

Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior publicação da Lei 9.876/1999.”

 

Ao final do julgamento, no voto condutor do acórdão recorrido, o Relator, o Ilustre Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, enfatizou que, com a fixação da tese, não se está reconhecendo direito adquirido a regime jurídico, muito menos procedendo à criação de regime híbrido mediante a combinação de aspectos mais benéficos de cada um dos dois diplomas legais. Para tanto, esclareceu que (fl. 115, Vol. 4):


“28. É importante frisar que a tese aqui proposta não implica em reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe não encontraria abrigo na jurisprudência consolidada do STF e do STJ. O reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico se verificaria na hipótese de se reconhecer ao Segurado o direito ao cálculo do benefício nos termos da legislação pretérita (redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991), o que não é o caso dos autos, onde se reconhece o direito ao cálculo nos termos exatos da legislação em vigor.

29. Também não intenta a combinação aspectos mais benéficos de cada lei, com vista à criação de um regime híbrido. Ao contrário, defende-se a integral aplicação da regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, sem conjugação simultânea de qualquer outra regra.”

 

O objeto principal da controvérsia, portanto, está em definir se o segurado do INSS que ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior da publicação da lei nova (26/11/1999) pode optar, para o cálculo de seu salário de benefício, pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, quando esta lhe for mais favorável do que a regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999, por lhe assegurar um benefício mais elevado.

O segurado, ora recorrido, é beneficiário de aposentadoria por tempo de contribuição e ingressou no RGPS em 1976, ou seja, antes de 26/11/1999 - data da publicação da Lei 9.876/1999, que no seu art. 3º estabeleceu regra de transição para aqueles filiados à Previdência antes da novel legislação.

O início de seu benefício de aposentadoria foi em 2003, ou seja, na vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, alterado pela Lei 9.876/1999.

Como relatado, a ação foi ajuizada com o objetivo de obter a revisão de sua aposentadoria segundo a regra definitiva (nova redação do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991), que considera para o cálculo do benefício os salários de contribuição referentes a todo o período contributivo, e não só aqueles vertidos após 1994 como determina a aludida regra transitória.

O INSS defende a impossibilidade de se reconhecer ao segurado que ingressou na Previdência antes da publicação da Lei 9.876/1999 o direito de opção entre a regra de transição inserta no art. 3º desse diploma legal e a regra definitiva do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91, com nova a redação, porque, entre outros motivos, essa escolha contraria o princípio da isonomia, na medida em que, após a edição da Lei 9.876/1999, é inviável


considerar no cálculo do benefício de todo e qualquer segurado as contribuições vertidas ao sistema anteriores a julho de 1994.

Vejamos o teor das normas em questão:

A redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991 prescrevia:

 

“Art. 29. O salário de benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.”

 

Com a edição da Lei 9.876/1999, o dispositivo acima foi alterado, passando a exibir o seguinte teor:

 

“Art. 29. O salário de benefício consiste:

I   - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;

II   - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

 

Como isso, ampliou-se a base de cálculo dos benefícios que, antes considerava todos salários-de-contribuição dos últimos 36 meses anteriores ao afastamento (ou à entrada do requerimento do INSS), para abranger os maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo do segurado.

Ainda, a novel legislação (Lei 9.876/1999), introduziu no seu art. 3º uma regra de transição, para dispor que:

 

Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário- de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo


decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.”

 

Ou seja, para aqueles filiados ao RGPS até a data da publicação da Lei 9.876/1999 (26/11/1999), criou-se uma regra de transição para excluir do cálculo do benefício os salários de contribuição anteriores a julho de 1994.

Obviamente, para aqueles que ingressaram no sistema após 1999, por impossibilidade fática, não se pode incluir as contribuições anteriores a esse marco temporal (1994).

Mais recentemente, a Reforma da Previdência instituída pela Emenda Constitucional 103, promulgada em 12/11/2019, estabeleceu que esse limite fixado em julho de 1994 (regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/99) passou a ser a regra permanente até que lei discipline a matéria,

nos termos do art. 26, caput, da referida Emenda, in verbis:

 

“Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.”

 

Na Exposição de Motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, convertido na Lei 9.876/1999, esclareceu-se que a intenção do legislador, ao excluir as contribuições anteriores a julho de 1994, foi preservar o valor das aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices de inflação do período anterior a tal marco e, com isso, beneficiar principalmente os segmentos de menor renda.

 

"2. O Projeto de Lei proposto procura aprimorar o sistema previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada em relação às mudanças no mercado de trabalho e à evolução


demográfica, criando, concomitantemente, maiores atrativos para a incorporação de trabalhadores autônomos e outros não assalariados a Previdência Social e estreitando a relação entre contribuições e benefícios.

(...)

56.    Uma das mudanças mais importantes introduzidas pelo Projeto de Lei refere-se à ampliação do período de contribuição computado para efeito de cálculo do valor dos benefícios (alteração do art. 29 da Lei 8.213, de 1991, e art. 5º do Projeto de Lei ora proposto). Propõe-se que ele cubra o período decorrido desde julho de 1994 até o momento da aposentadoria para os que se aposentarem a partir da promulgação deste Projeto de Lei. O referido período de contribuição será progressivamente ampliado até abranger toda a trajetória salarial dos futuros aposentados. O período arbitrado inicialmente coincide com um período de reduzidos níveis de inflação, com o Plano Real, o que permite minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.

57.   Ressalte-se que na sistemática proposta para o cálculo da média aritmética dos salários-de-contribuição permitir-se-á que seja considerado um período de até 20% superior ao tempo que transcorre entre Julho de 1994 e o momento da aposentadoria, caso ocorra lapsos contributivos neste período. Esta medida visa beneficiar os segmentos de menor renda que apresentam maior instabilidade na vida laboral.

58.   A ampliação do período de contribuição computado para a apuração do salário-de-benefício nada mais é do que um ajuste da legislação brasileira à tendência internacionalmente vigente de extensão do número de anos sobre os quais se baseia a determinação do valor do beneficio. A proposta de computar, no Brasil, todo o período laboral do segurado não é exceção no mundo e equivale, por exemplo, ao vigente em legislações de países de reconhecida tradição previdenciária, como a Alemanha, a Itália e a Suécia.

59.   A regra de cálculo do valor dos benefícios ainda em vigor baseia-se, exclusivamente, nos últimos 3 anos de contribuição antes da aposentadoria, o que lhe confere um caráter regressivo. De fato, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1997 do Instituto Brasileiro de Estatística - IBGE, tabulados pelo Instituto de Pesquisa Econômica  Aplicada  -  IPEA,  mostram  que  são  os


trabalhadores de maior escolaridade e inserção mais favorável no mercado de trabalho os que auferem rendimentos mais elevados, à medida que se aproximam das idades limite de aposentadoria.

60.      Em contraposição, os trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos favorável no mercado de trabalho têm uma trajetória salarial mais ou menos linear, que permanece praticamente inalterada à medida que se aproxima o momento de sua aposentadoria e apresenta ligeira tendência de queda a partir dos 55 anos.

61.  Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, de 1997, que deram base ao Gráfico I, se considerarmos o período entre os 25 a 29 anos de idade, um homem com escolaridade média-alta (segundo grau ou nível superior) chega a auferir rendimentos médios cerca de 2,6 vezes maiores que um homem com escolaridade baixa (até primeiro grau completo). No período compreendido entre os 40 e 44 anos de idade, a proporção entre os rendimentos destes trabalhadores passa a ser ainda maior, cerca de 3.6. Finalmente, no período próximo à aposentadoria, entre os 55 e 59 anos de idade, observamos que os rendimentos médios de um homem com escolaridade alta chegam a ser 4,8 vezes mais elevados que os de um homem com escolaridade baixa.

62.    No caso das mulheres participantes do mercado de trabalho, a diferença entre as médias dos rendimentos é mais pronunciada. Uma mulher de escolaridade média-alta recebe entre os 25 e os 29 anos de idade, na média, um rendimento 5 vezes maior que o de uma mulher de escolaridade baixa. Na faixa etária dos 40 aos 44 anos de idade, a proporção sobe para 7,3 vezes e, por fim, nos anos compreendidos entre os 55 e os

59 anos de idade o rendimento médio das mulheres de escolaridade média e alta supera o das de escolaridade baixa em 6,2 vezes.

63.     Em regimes de repartição simples com beneficio definido, onde o beneficio é calculado com base nos últimos anos de contribuição, o fato de existirem diferentes perfis de evolução da renda ao longo da vida gera severas distorções redistributivas. Quanto menor o período de base de cálculo, tanto mais subsídios implícitos são auferidos pelos segurados de alta remuneração final em detrimento dos trabalhadores de baixa renda e, também, pelos homens em prejuízo das mulheres. Do exposto, podemos concluir que a ampliação do


período computado para efeito de cálculo do valor dos beneficios é uma medida com forte conteúdo de justiça social, que visa reduzir de maneira progressiva estas vantagens auferidas pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua aposentadoria".

 

Ao analisar as leis supramencionadas, tradicionalmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendia não ser possível aos que se filiaram ao RGPS antes da edição da Lei 9.876/1999 optar pela regra definitiva da Lei 8.213/1991 para apuração do salário de benefício, devendo ser aplicada a regra de transição prevista no diploma alterador.

Isso porque, ainda que em algumas hipóteses a regra de transição implique situações desfavoráveis a determinados segurados, outros tantos são beneficiados por essa regra de cálculo. E essa circunstância ocorre porque “a ampliação do período básico de cálculo para considerar toda a

vida laborativa do segurado, ao contrário dos 80% (oitenta por cento) maiores

salários de contribuição a partir de julho de 1994, pode resultar, a depender do caso, em regra menos favorável ao segurado, considerando a possibilidade de serem os salários mais antigos inferiores àqueles mais recentes, resultando na média aritmética apurada um valor mensal do benefício mais reduzido” (REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 25/5/2018).

Nesse sentido, diversos julgados: REsp. 1.644.505/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 19/6/2017; EDcl no AgRg no AREsp. 609.297/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 2/10/2015; AgInt no REsp. 1.526.687/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de 5/12/2017; REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de

25/5/2018; AgInt no REsp. 1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO,

DJe de 26/3/2018;

Por  todos,  confira-se  a  ementa  desse  último  (AgInt  no  REsp.

1.679.728/PR:

 

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. I -

Trata-se de questão de revisão de renda mensal inicial já apelidada no mundo jurídico de "revisão de vida toda". A decisão ora agravada deu provimento ao recurso especial do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para

reformar o acórdão recorrido, para entender válida a regra constante do § do art. da Lei 9.876/99, não sendo possível a


inclusão no PBC de salários de contribuição anteriores a julho de 1994.

II    - Anteriormente à Emenda Constitucional n. 20/98, o período básico de cálculo, que é o intervalo de tempo dentro do qual são considerados os salários de contribuição para fins de estabelecimento do salário de benefício, tinha como regra geral a média dos 36 últimos salários de contribuição, conforme previa o caput do artigo 202 da CF/88, na sua redação original.

III   - Com a Emenda Constitucional n. 20/98, tal previsão desapareceu, sendo a Lei n. 8.213/91, que replicava o entendimento do art. 202 da CF/88, alterada pela Lei n. 9.876/99, que passou a prever, no art. 29, que o PBC (Período Básico de Cálculo) seria composto pela média aritmética simples correspondente a 80% dos maiores salários de todo o período contributivo, multiplicado pelo fator previdenciário, respeitado, é lógico, o direito adquirido de quem atingiu o direito à obtenção do benefício pelas regras anteriores.

IV    - E para quem havia entrado no regime antes da vigência da Lei n. 9.876/99, o art. 3º da referida Lei trouxe uma regra de transição. Tem-se, portanto, que para os que se filiaram anteriormente à Lei n. 9.876/99, o período de apuração será composto pelo período compreendido entre julho de 94 ou a data de filiação do segurado, se essa for posterior, e o mês imediatamente anterior à data do requerimento de aposentadoria.

V   - O parágrafo 2º do referido artigo traz outra regra, que na prática indica que, caso o segurado tenha contribuído após julho de 1994 por meses que, se contados, sejam inferiores a 60% dos meses decorridos de julho de 1994 até a data do pedido de aposentadoria, então o cálculo do benefício levará em consideração os meses contribuídos divididos por 60% dos meses decorridos de julho de 1994 até a data da aposentadoria.

VI  - E é essa regra do parágrafo segundo, na verdade, que vem sendo questionada, porquanto a sua aplicação literal ocasiona, eventualmente, prejuízo ao segurado, já que pode haver um descompasso entre as contribuições vertidas após 1994 e a divisão por 60% dos meses decorridos de julho de 94 até a data da aposentadoria, porquanto se o número de contribuições após julho de 94 for pequeno, a divisão por 60%

do número de meses pode levar a um valor bem abaixo do que aquele que seria obtido pela aplicação da regra nova in totum.

VII    - O caso extremo ocorre quando, por exemplo, o


segurado atinge os requisitos para a aposentadoria com apenas uma ou poucas contribuições a partir de julho de 1994. Nesse caso, quanto maior for o lapso de tempo entre a contribuição vertida após julho de 1994 e o requerimento de aposentadoria, maior será a redução no benefício do segurado. Pode-se dizer, que, invariavelmente receberá o mínimo. Essa hipótese já foi enfrentada nesta e. Corte: REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 27/04/2009.

VIII   - Vê-se, pois, que a questão já foi enfrentada nesta e. Corte, que entendeu ser válida a regra. Não se nega que situações desfavoráveis podem ocorrer, mas entretanto, trata- se de opção legislativa e, de fato, o entendimento adotado no Tribunal de origem, a título de corrigir regra de transição, acabou por alterar o conteúdo da Lei.

IX   - Até mesmo porque a alteração legislativa, ou seja, a regra genérica que alterou o art. 29 da Lei 8.213/91, prejudicou quem tinha maiores salários no fim do período básico de cálculo e beneficiou quem teve durante a carreira um salário decrescente. Então, ao que parece, não essa lógica constante do acórdão recorrido de que a regra de transição não pode ser mais prejudicial ao segurado do que a regra nova, porquanto a regra nova não prejudicou todo mundo, ao revés, beneficiou alguns e prejudicou outros. A jurisprudência desta e. Corte tem outros julgados em que se reafirma a validade da referida norma. Nesse sentido: EDcl no AgRg no AREsp 609.297/SC, Rel. Ministro  MAURO  CAMPBELL  MARQUES,  SEGUNDA

TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 02/10/2015; AgRg no REsp 1477316/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA

TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014; REsp 1655712/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA

TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017; REsp 1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 06/12/2012.

X       - Agravo interno improvido (AgInt no REsp. 1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 26.3.2018).”

 

No entanto, a partir do julgamento do Recurso Especial pela sistemática dos recursos repetitivos, que deu origem ao acordão ora recorrido, o STJ reviu sua jurisprudência, ressaltando a necessidade de interpretar-se a regra de transição de forma mais consentânea com o


objetivo que orientou o legislador ao criar a disciplina transitória.

A propósito, confira-se o seguinte trecho do voto condutor do aresto combatido (fls. 101-109, Vol. 4):

 

“6. Desse modo, não resta dúvidas, que a opção legislativa deve ser vista em caráter protetivo. O propósito do artigo 3o. da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

7.  De fato, a tradição no direito pátrio revela a necessidade de períodos de transição para que toda e qualquer mudança no ordenamento normativo seja implementada pouco a pouco. Assim, as regras de transição existem para atenuar os efeitos das novas regras aos Segurados já filiados ao regime, e nunca – jamais – para prejudicar.

(...)

15. É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio contributivo, o que exige o recolhimento de contribuições sociais para o reconhecimento do direito ao benefício. Decorre de tal princípio a necessidade de haver necessariamente uma relação entre custo e benefício, não se afigurando razoável que o Segurado verta contribuições que podem ser simplesmente descartadas pela Autarquia Previdenciária.

(…)

18. Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado realizado melhores contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no momento da concessão de seu benefício, ao pálido argumento de prevalência da aplicação da regra de transição, sem analisar as consequências da medida.

(…)

20. Ora, a compreensão que se tem das regras de transição aponta para a sua aplicação facultativa diante de uma regra atual mais vantajosa. Como bem anota, em brilhante exposição, o parecer ministerial:

Se a realidade social demanda modificações, que, pelo menos, não arrasem todas as expectativas legitimamente nascidas no curso da disciplina original da relação jurídica.

Regras  transitórias  são,  assim,  teleologicamente


voltadas para não agredir todas as expectativas dos sujeitos de relações jurídicas antigas com critérios novos. Visam dar-lhes algo do que teriam, se sua antiga condição fosse preservada. Numa palavra, as regras de transição objetivam beneficiar as partes da relação jurídica que apanham em pleno andamento.

Assentadas essas premissas, data venia, verifica-se o

engano da jurisprudência do Tribunal, porque inverte o sentido teleológico de qualquer regulação transitória: a interpretação vigente da Lei 9.876 ofende o art. 1º da CR, porque piora a situação de parcela de segurados já vinculada à previdência social antes de sua edição, ao invés de lhe garantir regime mais benéfico do que o novo. Há contrassenso nisso, ainda que a aplicação da lei favoreça outra parte dessas pessoas em situação similar – mas não igual – à do autor.

Uma vez que o direito tem como função garantir expectativas, a categoria das normas transitórias só pode favorecer os segurados antigos colhidos pela lei nova. Logo, a interpretação legal não lhe pode atribuir sentido que os prejudique, até em relação aos segurados ingressos na previdência no regime novo, mais rigoroso do que o antigo. Na pior das hipóteses, a norma transitória não se aplica aos segurados antigos, quando implicar tratá-los de modo pior do que o novo segurado. Os antigos merecem, ao menos, a igualdade com os paradigmas mais novos. Esse é o pedido do autor. Logo, deve ser deferido.

(…)

22. A regra de transição, como tal, somente deve ser aplicada se a regra nova não for mais benéfica ao segurado.”

 

A partir da leitura da exposição de motivos do Projeto de Lei que originou a Lei 9.876/1999 e os argumentos aduzidos no acórdão recorrido, depreende-se que a regra definitiva veio para privilegiar no cálculo da renda inicial do benefício a integralidade do histórico contributivo. A limitação imposta pela regra transitória a julho de 1994 teve escopo de minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.

A regra transitória, portanto, era favorecer os trabalhadores com menor escolaridade, inserção menos favorável no mercado de trabalho, que tenham uma trajetória salarial mais ou menos linear, que, em


alguns casos, isso se mostrou pior para o segurado, e não favorável como pretendia o legislador na aplicação específica de alguns casos concretos.

 

Assim, é imperioso que se analise a regra transitória como aquilo que ela representa dentro do sistema da previdência social, ou seja, uma forma de aproximação da regra definitiva, a fim de proteger direitos subjetivos dos segurados.

Pois, houve alteração das regras previdenciárias - e aqui não se está a dizer nem a se discutir direito adquirido a regime jurídico previdenciário. Não: houve alteração. A nova regra se aplica daqui para a frente, de 1999 para frente. Para aqueles que já estão, para que não sejam tão prejudicados, veio uma regra transitória. Essa regra transitória excluiu benefícios pré 1994, exatamente para auxiliar o segurado.

 

I - O Sistema de Previdência Social

 

O sistema de previdência social rege-se pelo princípio contributivo pelo qual, não só a percepção do benefício pressupõe a contribuição do segurado, como também deve haver correlação entre o benefício concedido e a contribuição previdenciária recolhida, não se admitindo que eventuais parcelas vertidas ao sistema pelo beneficiário sejam desconsideradas de plano.

Essa premissa inclusive foi adotada no Tema 163 a repercussão geral (RE 593.068, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Dje de 22/3/2019), no

qual se assentou que a base de cálculo da contribuição previdenciária somente deve incluir os ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios, estando excluídas as verbas que não se incorporam à aposentadoria.

A tese do paradigma ficou assim  redigida: “Não incide contribuição

previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.”

Não obstante esse precedente tenha analisado hipótese relativa ao regime próprio de previdência, a mesma diretriz é aplicável ao RGPS consoante se depreende do texto constitucional:

 

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que


preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

(...)

§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.

 

Ao votar, o Ilustre Min. ROBERTO BARROSO, citando passagem do voto do Ministro CELSO DE MELLO na ADC 8, reafirmou que a referibilidade entre a contribuição e o benefício é exigência nos dois regimes - regime geral de previdência social e regime próprio. Confira-se:

 

“ (…) 21. Em complementação dos argumentos expostos até aqui, é de proveito uma análise da matéria à luz dos dois grandes vetores que regem o sistema de previdência social no Brasil, aplicáveis tanto ao regime geral como ao regime próprio.

(…)

23 (…) diante da aplicação subsidiária das normas do regime geral de previdência social (art. 40, § 12, CF/88), o regime próprio também se sujeita ao art. 195, § 5º, da CF/88, segundo o qual nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. É importante observar que, a despeito da Emenda Constitucional nº 41/2003 ter reforçado o caráter solidário do regime, foi mantida a natureza contributiva.

24.      Algumas conclusões podem ser obtidas desses parâmetros normativos. Embora o duplo caráter do regime próprio de previdência confira ao legislador razoável margem de livre apreciação para a sua concreta configuração, o dever de harmonizar as suas dimensões solidária e contributiva impõe o afastamento de soluções radicais. Assim, o caráter solidário do sistema afasta a existência de uma simetria perfeita entre contribuição e benefício (como em um sinalagma), enquanto a natureza contributiva impede a cobrança de contribuição previdenciária sem que se confira ao segurado qualquer contraprestação, efetiva ou potencial.

25.    A matéria foi captada com maestria pelo Ministro Celso de Mello, na interpretação equilibrada entre o art. 195, § 5º (que exige que o benefício tenha fonte de custeio), e o art. 201,

§ 11 (que prevê a relação entre base de cálculo da contribuição e


benefício). Com efeito, ao julgar a ADC 8, averbou Sua Excelência:

 

[…] O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, § 5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE.

- Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício.

A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF. […] (ADC 8, Rel. Min. Celso de Mello, sublinhados acrescentados)

26.  Note-se que essa lógica se aplica tanto ao regime geral de previdência social quanto ao regime próprio.”

 

O fato de o sistema de previdência social - isso foi levantado, ontem, pelo eminente Ministro NUNES MARQUES - reger-se pelo princípio contributivo, no qual não só a percepção do benefício pressupõe a contribuição do segurado, reforça aqui a necessidade ou a possibilidade de o segurado poder optar pelo regime definitivo previsto pelo art. 29, quando esse lhe proporcionar um salário de benefício mais favorável, isso porque houve efetiva contribuição.

 

Vejamos, então, com mais vagar o conteúdo da regra transitória do art. da Lei 9.876/1999.

 

II - A regra transitória do art. da Lei 9.876/1999

 

Atente-se que, consoante consignado na exposição de motivos da Lei 9.876/1999, a intenção do legislador, ao excluir as contribuições anteriores a julho de 1994, foi preservar o valor das aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices de inflação do período anterior a tal marco e,


com isso, beneficiar principalmente os segmentos de menor renda. Se a aplicação impositiva ao segurado da regra transitória inverte essa lógica, ao lhe proporcionar um benefício menor do que aquele que faria jus pela regra definitiva, fica claro que essa interpretação subverte a teleologia da norma.

É certo que a regra transitória é mais benéfica àqueles que tiveram suas remunerações aumentadas no período mais próximo da aposentadoria em virtude da percepção de renda salarial mais elevada, com o consequente aumento no valor das contribuições. No entanto, essa não é a realidade do segmento dos trabalhadores com menor escolaridade que têm a trajetória salarial decrescente quando se aproxima o momento de sua aposentadoria. Esses acabam, pela aplicação da regra transitória, acabam - como acabaram - sendo duplamente penalizados. Penalizados porque, em virtude de não terem a possibilidade de uma maior escolaridade, terem decréscimo salarial com a idade, e penalizados porque os maiores valores de renda que recebiam acabam sendo ignorados, excluídos da média geral. Isso fez com que houvesse uma diminuição muito grande do valor a ser recebido.

A regra transitória visava alcançar uma maior justiça social, mas acabou aumentando o fosso entre aqueles que ganham mais e vão progredindo e, ao longo do tempo, ganhando mais, daqueles que têm mais dificuldades em virtude da menor escolaridade e a sua média salarial vai diminuindo. Acabou-se ampliando a desigualdade social e a distribuição de renda, que não era essa hipótese prevista, inclusive, pelo legislador, como salientei na exposição de motivos do próprio projeto de lei, que depois se transformou na alteração legislativa.

 

Essa contingência foi muito bem observada pela Ilustre Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, em seu voto vista. Pela percuciência, vale conferir o seguinte trecho de sua manifestação (fls. 135-138, Vol. 3):

 

Quanto à ampliação do período contributivo, constante da regra permanente do art. 29 da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99 – que determina que o salário-de- benefício seja calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário, no caso das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição –, visou ela alcançar justiça social, favorecendo os trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos


favorável no mercado de trabalho, que, via de regra, auferem salários com tendência de queda, a partir dos 55 anos de idade. Com efeito, segundo afirma a aludida Exposição de Motivos, "são os trabalhadores de maior escolaridade e inserção mais favorável no mercado de trabalho os que auferem rendimentos mais elevados, à medida em que aproximam das idades-limites de aposentadoria", e que "a ampliação do período computado para efeito de cálculo do valor dos benefícios é uma medida com forte conteúdo de justiça social, que visa reduzir de maneira progressiva estas vantagens auferidas pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua aposentadoria.

(...)

De fato, considerando que a previdência social constitui direito social, e, nessa medida, garantia assegurada pela Constituição da República (art. 6º da CF/88), não seria razoável ignorar toda a vida contributiva do segurado por conta da regra de transição, na hipótese de a referida regra implicar menor renda mensal inicial do benefício, em relação à aplicação da regra permanente.”

A doutrina também abona esse entendimento, no sentido de que norma transitória não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva:

 

“Nos casos em que a regra transitória é prejudicial ao segurado, deve ser aplicada a regra definitiva, prevista no art. 29, I da Lei 8.213/1991, com a redação definida pela Lei 9.876/1999.

A lógica da norma de transição é minimizar os efeitos de novas regras mais rígidas para aqueles filiados ao sistema, mais ainda não haviam adquirido o direito de se aposentar pelas regras antes vigentes, mais benéficas.

Deve-se evitar um direito transitório, segundo o qual os segurados se sujeitem a regras transitórias ainda mais gravosas que aquelas introduzidas pela lei nova. É essa premissa lógica que merece ser considerada para efeito de interpretação da regra estabelecida no art. 3o. da Lei 9.876/1999 (JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS. Compêndio de Direito Previdenciário. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 345).

 

A respeito do tema, são ilustrativas as lições dos Professores CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI:


“Embora a Lei nº 9.7876/99 não tenha previsto expressamente, há que ser entendido que o segurado poderá optar pela regra nova na sua integralidade, ou seja, a média dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período em que contribuiu ao sistema e não apenas a partir de julho de 1994.

Como paradigma para essa interpretação podemos citar o artigo 9º da Emenda Constitucional n. 20/98, que, ao alterar as regras de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição permitiu ao segurado optar pelas regras de transição ou pelas novas regras permanentes do artigo 201 da Constituição.

Além disso, ao tratarmos de regras de transição no direito previdenciário, sua estipulação é exatamente para facilitar a adaptação dos segurados que já estavam contribuindo, mas que ainda não possuíam o direito adquirido ao benefício. Portanto, não havendo direito adquirido à regra anterior, o segurado teria sempre duas opções: a regra nova ou a regra de transição, podendo sempre optar pela que lhe for mais benéfica.

Trata-se mais uma vez do reconhecimento do direito ao cálculo mais vantajoso para o segurado, dentre as opções possíveis de período básico de cálculo, desde que preenchidos os demais requisitos para a concessão da prestação.

A ampliação do período básico de cálculo para todo o período contributivo pode gerar um salário de benefício mais vantajoso em muitos casos, por exemplo:

-     nos casos de aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial, em que a aplicação do divisor mínimo de 60% do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, gera competência com salários de contribuição zerados;

-     hipóteses de segurados que aderiram a Planos de Demissão Incentivada e reduziram os salários de contribuição no período que antecede a aposentadoria, mas tem um um histórico de contribuição elevado (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 601/602).

 

Ou seja, admitir-se que norma transitória importe em tratamento mais gravoso ao segurado mais antigo em comparação ao novo segurado contraria ao princípio da isonomia, que enuncia dever-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, a fim de conferir-lhes igualdade material, nunca de prejudicá-los.

Entendo que se admitir que uma norma transitória, que foi clara e


especificamente editada para favorecer o segurado, acabe importando em um tratamento mais gravoso ao segurado, ao segurado mais antigo, ao segurado com menor escolaridade, ao segurado que ganha o menor valor, ou seja, admitir-se aplicação dessa regra transitória, parece-me totalmente irrazoável.

Consequentemente, e foi essa a conclusão do Superior Tribunal de Justiça, que se aplique, então, a regra definitiva. Não se está aqui - e o Superior Tribunal de Justiça não o fez, e também aqui no meu voto não o estou fazendo - inventando uma nova regra, ou misturando regras. Não! Há uma regra definitiva, mas, olha, segurado, eu vou te favorecer com uma transitória; se não favorecer, vamos aplicar, para garantir o princípio da igualdade e diminuir as desigualdades, vamos aplicar para todos que pedirem a regra definitiva.

Eu trago, aqui, a título de exemplo, Presidente, Colegas, um caso concreto. Um dos casos da chamada "revisão da vida toda", que corre na Justiça, e não é esse caso específico, do aposentado "X", 72 anos.

 

Vejamos   essa    situação   que    foi     noticiada   pela                               imprensa (https://extra.globo.com/economia/supremo-marca-para-junho- julgamento-da-revisao-da-vida-toda-do-inss-confira-simulacoes- 25035668.html):

 

“Um dos casos de "revisão da vida toda" que corre na Justiça é o do aposentado L. C. F., de 72 anos. Ele contribuiu a vida toda sobre o teto da Previdência Social, mas ao se aposentar, em 2014, as maiores contribuições foram descartadas, e o benefício ficou em um salário mínimo. Acaso reconhecida a revisão a sua aposentadoria será recalculada de forma a considerar todo o valor que efetivamente contribuiu.”

 

Ele contribuiu a vida toda sobre o teto da Previdência Social. Entretanto, ao se aposentar, em 2014, as maiores contribuições foram descartadas, e o benefício ficou em um salário mínimo, exatamente por conta deste corte fictício que a lei estabeleceu. Se for reconhecida a revisão de sua aposentadoria, essa será recalculada de forma a considerar todo o valor com que efetivamente contribuiu.

 

Não se fere em nada aqui o cálculo atuarial. O recálculo não será feito num valor arbitrado, imaginário. Não! O recálculo será feito de


forma a considerar todo o valor com que ele efetivamente contribuiu. Se contribuiu, ele tem direito. E será feito sobre todo o valor com que ele contribuiu, com base em quê? Com base no art. 29, que a própria legislação estabeleceu.

 

Outros exemplos extraídos da mesma fonte:

 

“Outro caso é da aposentada desde 2017, L.H.S.M., de 58 anos, que reivindica a "revisão da vida toda" na Justiça. Sua aposentadoria, no ano de 2020, era de R$ 3.317,55. Se for corrigida levando em conta as contribuições que foram descartadas, o valor sobe para R$ 4.372,50, uma alta de 31,79%.”

 

Ou seja, essa norma de transição aparentemente favorável a ela simplesmente subtraiu 31,79% da sua aposentadoria. Aposentadoria com a qual ela efetivamente contribuiu durante toda a vida.

 

Ainda:

 

“Na situação de A.V.S., 72, que se aposentou em 2014 e recebeu um benefício de R$ 2.865,86, acaso reconhecido seu direito à revisão, fará jus a um aumento 30,82% sobre esse valor, que resultará na aposentadoria de R$ 3.749,21.”

 

Como aplicar uma regra transitória, que efetivamente foi feita para melhorar a situação do segurado em relação à regra definitiva, mas, nos casos concretos, ao se calcular, perdem em torno de 30%, principalmente, repito aqui, aqueles de menor escolaridade que, mais perto da aposentadoria, passaram a ter uma contribuição menor?

Então, Presidente, na hipótese, se inexistisse a regra transitória, se fosse aplicada só a regra definitiva - a regra definitiva que passou a valer para todos aqueles que se aposentaram após 1999 -, nós teríamos uma situação mais igualitária entre todos os segurados, um reconhecimento, uma proteção maior aos valores efetivamente contribuídos.

 

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do Tema 334 (RE 630501, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Redator para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Dje de 26/8/2013) assentou que o segurado tem direito ao melhor benefício.


A tese desse paradigma foi assim fixada:

 

Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.”

 

Nesse leading case, o TRIBUNAL PLENO reafirmou que, em questões previdenciárias, aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para inatividade. Esse entendimento já havia sido consolidado na ADI 3.104 (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Plenário, Dje de 25/3/2007).

Aduziu-se que, havendo a sucessividade de leis no tempo, a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL reconhece ao segurado o direito de escolher o benefício mais vantajoso, consideradas as diversas datas em que o direito poderia ser exercido.

Pela pertinência, confiram-se os seguintes trechos do voto condutor proferido na ocasião pela Ministra ELLEN GRACIE:

 

“(…) 4. Em matéria previdenciária, já está consolidado o entendimento de que é assegurado o direito adquirido sempre que, preenchidos os requisitos para o gozo de determinado benefício, lei posterior revogue o dito benefício, estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha critérios de cálculo menos favoráveis.

É que, nessas situações, coloca-se a questão da supressão, de um direito já incorporado ao patrimônio do segurado e constitucionalmente protegido contra lei posterior, que, no dizer do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição, não pode prejudicá-lo.

(...)

A jurisprudência é firme no sentido de que, para fins de percepção de benefício, aplica-se a lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos. Dá-se aplicação, assim, ao Enunciado 359 da Súmula do Tribunal: Ressalvada a revisão prevista em lei os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários. Sua redação está alterada em conformidade com o decidido no RE 72.509, em que foi destacado que o fato de o segurado não haver requerido a aposentadoria não o faz perder seu direito.


Embora elaborada a partir de casos relacionados a servidores públicos, aplica-se a toda a matéria previdenciária, conforme já reconhecido por este tribunal por ocasião do julgamento do RE 243.415-9, relator o Min. Sepúlveda Pertence: (...) a Súmula se

alicerçou em julgados proferidos a respeito da aposentadoria de

funcionários públicos; mas a orientação que o verbete documenta não responde a problema que diga respeito a peculiaridade do seu regime e sim aos da incidência da garantia constitucional do direito adquirido.

(…)

5 O que este Supremo Tribunal Federal não reconhece é o direito adquirido a regime jurídico, ou seja, não considera abrangido pela garantia constitucional a proteção de simples expectativas de direito.

Também não admite a combinação dos aspectos mais benéficos de cada lei com vista à criação de regimes híbridos.

O regime previdenciário tem cunho contributivo, de modo que as contribuições vertidas repercutem no valor do benefício, juntamente com outras circunstâncias como a idade e a expectativa de vida.

Mesmo antes de a aposentadoria passar a ser um benefício concedido por tempo de contribuição, de seu cálculo passar a considerar a média aritmética simples dos maiores salários-de- contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo e, ainda, de estar sujeito ao fator previdenciário (índice calculado com base na idade, expectativa de sobrevida e tempo de contribuição), já se exigia do segurado não apenas tempo de serviço, mas também um período de carência (número de contribuições), sendo o benefício calculado com base nas últimas trinta e seis contribuições.

A opção por permanecer em atividade, portanto, sempre implicou a possibilidade de exercer o direito à aposentadoria mediante o cômputo também das contribuições vertidas desde o cumprimento dos requisitos mínimos para a aposentação até a data do desligamento do emprego ou do requerimento. Tal custeio adicional após a obtenção do direito à aposentadoria proporcional mínima ou mesmo após a aquisição do direito à integralidade sempre foi e é considerado por ocasião do cálculo e deferimento do benefício de aposentadoria.

Embora seja, via de regra, vantajoso para aquele que permaneceu na ativa ter contribuído ao longo de mais alguns meses ou anos, pode não sê-lo em circunstâncias específicas como  a  da  redução  do  seu  salário-de-contribuição,  com


influência negativa no cálculo da renda mensal inicial.

Em tais casos, mesmo que a diminuição não decorra de lei, mas dos novos elementos considerados para o cálculo do benefício, impende assegurar-se o direito adquirido ao melhor benefício possível.”

 

Logo, à luz desse precedente, ressai que, na presente hipótese, se inexistente a regra transitória, o art. 29 da Lei 8.211/1991, na redação que lhe conferiu a Lei 9.876/1999 – regra definitiva, seria norma aplicável ao segurado que reuniu os requisitos para aquisição do benefício durante a sua vigência. Segundo essa regra, todo o período contributivo deve ser considerado no cálculo.

No entanto, havendo a regra transitória, como há, está deve ser interpretada de forma a assegurar o direito ao melhor benefício. Ou seja, o segurado que teve contribuições maiores no período antecedente a julho de 1994, pode optar pela regra definitiva haja vista ser essa que vai lhe conferir um valor maior de aposentadoria.

Não corresponde à realidade, a meu ver, com todo respeito às posições em contrário, o argumento de que a lei nova não agravou a situação dos segurados que já estavam filiados ao RGPS antes de novembro de 1999, na medida em que a redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991 previa que os últimos salários de contribuição eram apurados até o máximo de 36 (trinta e seis), em período não-superior a 48 (quarenta e oito) meses, o que fazia retroagir o período básico de cálculo (PBC) até no máximo 1995, enquanto, pela regra transitória da Lei 9.876/1999, ampliou esse período para retroagir até julho de 1994.

A lei de transição só será benéfica para o segurado que computar mais e maiores contribuições no período posterior a 1994, caso em que descartará as contribuições menores no cálculo da média. Neste caso, sim, a norma transitória cumpre o seu papel de produzir uma situação intermediária entre aquela prevista na legislação revogada (cálculo da Renda Mensal Inicial - RMI considerados apenas os últimos 36 salários de contribuição), que lhe era mais benéfica, e a regra nova (que leva em conta todos os salários de contribuição, excluídos os 20% menores), menos favorável neste caso.

Para o segurado que realizou melhores contribuições antes de julho de 1994, a regra lhe é prejudicial, pois resulta em um menor benefício.

Efetivamente, os segurados que reuniram os requisitos para obtenção do benefício na vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com a


redação da Lei 9.876/1999, podem ter a sua aposentadoria calculada tomando em consideração todo o período contributivo, ou seja, abarcando as contribuições desde o seu início, as quais podem ter sido muito maiores do que aquelas vertidas após 1994, em decorrência da redução salarial com a consequente diminuição do valor recolhido à Previdência.

Havia uma legislação, veio a nova lei que agravou, e uma norma transitória, cuja ideia era fazer a ponte entre a legislação passada melhor e essa um pouco mais dura. E há um argumento do INSS de que, na verdade, essa nova legislação não agravou. Agravou! Nós sabemos que não há uma reforma previdenciária que não agrave a situação do segurado. Até agora, por uma série de motivos, nós não tivemos nenhuma reforma previdenciária que melhore a situação do segurado. Cada reforma previdenciária, seja constitucional, seja legal, sempre piora a situação do segurado. Então, a lei nova agravou. Agravou na medida em que a redação original do art. 29 previa que os últimos salários de contribuição eram apurados até o máximo de 36 em período não superior a 48 anos, o que fazia uma retroatividade do período básico de cálculo. Então, a lei anterior era mais benéfica. A norma de transição, como me referi anteriormente, repito, só será benéfica para o segurado que computar mais e maiores contribuições no período posterior a 94. Só a esses; não aos demais que, na verdade, são a grande maioria dos segurados que não entra nessa hipótese. A grande maioria dos segurados que contribuíam antes da alteração legislativa de 99, essa grande maioria acabou efetivamente sendo prejudicada.

 

Eu até acredito - porque acredito na boa fé do INSS e do legislador - que foi um erro essa regra de transição naquele momento, porque somente os salários mais altos, cuja contribuição aumentava perto da aposentadoria, é que se beneficiaram com a regra de transição. Todos, todos os mais baixos, os menores valores foram prejudicados. Então, aqui eu não diria que é vedação a retrocesso, aqui é uma regra de transição esdrúxula.

 

O INSS argumenta que o impacto financeiro decorrente da aplicação da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça às aposentadorias por tempo de contribuição seria de R$ 3,6 bilhões para o ano de 2020; R$ 16,4 bilhões para os últimos cinco anos; R$ 26,4 bilhões para o período de 2021 a  2029,  sem  considerar  os  impactos  fiscais  relacionados  a  outros


benefícios previdenciários, tais como pensão por morte, aposentadoria por idade e por invalidez.

Segundo afirma, existem 3.045.065 aposentadorias por tempo de contribuição ativas desde 2009 e, se metade delas requerer a revisão, o custo operacional estimado, é de R$ 1,6 bilhão.

Com efeito, as cifras acima impressionam. Todavia, deve se atentar que a tese do STJ somente irá beneficiar aqueles segurados que foram prejudicados no cálculo da renda mensal inicial do benefício, pela aplicação da regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999, na hipótese de terem recolhido mais e maiores contribuições no período anterior a julho de 1994.

Ou seja, a regra definitiva é benéfica para aqueles que ingressaram no sistema antes de 1994, e que recebiam salários mais altos em momentos mais distantes em comparação com os salários percebidos nos anos que antecederam a aposentadoria, pois naquele primeiro período vertiam contribuições maiores para o INSS. Assim, as contribuições mais longínquas, quando computados no cálculo da aposentadoria, resultam em um benefício melhor.

Para o segmento da população com mais escolaridade, a lógica se inverte, pois estes começam recebendo salários menores que vão aumentando ao longo da vida. Portanto, para esses, a revisão da aposentadoria não se apresenta como uma escolha favorável.

Em conclusão, Presidente, parece-me que negar a opção pela regra definitiva, tornando a norma transitória obrigatória aos que ser filiaram ao RGPS antes de 1999, além de desconsiderar todo o histórico contributivo, o que já fere a própria ideia de aposentadoria, em detrimento do segurado, causa-lhe prejuízo em frontal colisão com o sentido da norma transitória, que é justamente a preservação do valor dos benefícios previdenciários.

Ao aplicar a norma transitória para todos, nós teríamos ainda mais uma desigualdade. Aqueles que ganham mais, aqueles que passaram, com o tempo, a contribuir mais porque ganharam mais, esses vão ser beneficiados. Os que mais necessitam e que, com o tempo, passaram a ganhar menos, em virtude da menor escolaridade, esses vão ter quase 30% dos seus benefícios suprimidos. A própria regra de transição favorece quem já é mais favorecido. Então não me parece que, ao não permitirmos que esse segurado prejudicado possa optar pela regra definitiva, não me parece que estejamos de acordo com os ditames constitucionais, a determinação do art. 3º, um dos objetivos da República,


de diminuir as desigualdades, e o próprio princípio da igualdade previsto no art. 5º da Constituição Federal.

Com esse entendimento não se está criando benefício ou vantagens previdenciárias, haja vista que o pedido inicial é para serem consideradas as contribuições previdenciárias efetivamente recolhidas em momento anterior a julho de 1994.

Assim, a luz da jurisprudência desta CORTE que determina que (i) aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para inatividade para o cálculo da renda mensal inicial; e que

(ii) deve-se observar o quadro mais favorável ao beneficiário; conclui- se que:

 

o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável.

 

III O caso concreto

 

O segurado filiou-se ao RGPS em 1976 e requereu o benefício de sua aposentadoria em 2003, sob a vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com redação da Lei 9.876/1999, e antes da EC 103/2019.

O benefício da sua aposentadoria foi calculado segundo a regra transitória do art. da Lei. 8.213/1991, o que resultou em um valor de R$ 1.493,59. Se fosse aplicada no cálculo a regra definitiva, seus proventos seriam de R$ 1.823,00. Ou seja, mostra que houve efetivo prejuízo a esse segurado.

No Superior Tribunal de Justiça, deu-se provimento ao Recurso Especial do segurado, para reconhecer-lhe o direito de opção pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, por lhe ser mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999.

 

Em virtude disso, no caso concreto, o Recurso Extraordinário do INSS deve ser desprovido.

 

Assim, nos termos da fundamentação aqui desenvolvida, deve-se


reconhecer o direito de opção pela regra definitiva do art. 29 da Lei 8.213/1991.

 

Obrigado, Presidente.

 

Por    todo    o     exposto,   NEGO      PROVIMENTO      ao                     Recurso Extraordinário.

Fixo a seguinte tese:

 

“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável”.


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