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VALTER DOS SANTOS
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V O T O
Cumprimento Vossa Excelência, Ministra Rosa
Weber, a Ministra Cármen Lúcia, os Ministros, o Procurador-Geral da República,
Doutor Augusto Aras, os estudantes de Direito presentes no Plenário, da
Universidade Anhanguera, de Taboão da Serra, Estado de São Paulo.
Trata-se de Recurso Extraordinário interposto
em face de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se
discute o Tema 1102 da repercussão geral:
“Possibilidade
de revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva
do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que
a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que
ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da
referida Lei nº 9.876/99, ocorrida em
26/11/99.”
Na origem, VANDERLEI MARTINS MEDEIROS ajuizou
ação de revisão de benefício previdenciário em face do Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS, buscando a revisão de seu benefício de aposentadoria, a
fim de que seja computada no cálculo da sua renda mensal inicial a média dos
salários de contribuição referentes a todo o período contributivo, conforme a
nova redação do art. 29 da Lei 8.213/1991, e não somente aqueles vertidos após
julho de 1994, como determina a regra de transição do art. 3º da Lei
9.876/1999.
Por esta última norma, o cálculo do salário de
benefício é limitado a 80% das maiores contribuições relativas, unicamente, ao
período posterior a julho de 1994.
Argumenta que, como o art. 29 da Lei 8.213/1991 (na redação da Lei
9.876/1999) - que prevê o cálculo do salário de benefício com base nas 80%
maiores contribuições de todo o período contributivo -, já estava
em vigor no momento da
concessão de sua aposentadoria, tem o direito de optar pela aplicação dessa
norma, que lhe propicia um benefício previdenciário mais favorável.
Por fim, pleiteia
a condenação do INSS
(a) “a revisar o seu
benefício, “de forma que o cálculo seja efetuado computando-se os salários
referentes a todo o período contributivo e não apenas aqueles vertidos após
Julho de 1994, com eventual observância ao consignado no Art. 21, § 3º da Lei
de Benefícios e no RE 564.354 (novo teto do regime geral de previdência), em regime de repercussão geral pelo STF”; e (b) “ao pagamento das diferenças verificadas
desde a concessão do benefício, acrescidas de correção monetária a partir do
vencimento de cada prestação até a efetiva liquidação, respeitada a prescrição
quinquenal, valores esses corrigidos monetariamente na forma de atualização
prevista pela legislação pertinente.”
Colhe-se do contexto fático delineado nos
autos que o segurado, ora recorrido, estava filiado ao RGPS desde 1976, e o
benefício de sua aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em
18/6/2004, com DIB (data
do início do benefício) em 1º/10/2003.
O cálculo
da renda inicial foi feito conforme as regras de transição (art. 3º da Lei
9.876/1999), o que resultou em proventos de aposentadoria no valor de R$
1.493,00.
Se fosse considerado todo o seu histórico
contributivo, consoante determina a regra definitiva (atual redação do art. 29,
I, da Lei 8.213/1991),
o segurado faria jus à quantia de R$ 1.823,00. Ou seja, de 1976 (data da filiação ao RGPS) a 2003 (data do início
do benefício de aposentadoria) decorreram 28 anos; sendo que, de 1976 a 1994
(marco de retroação da regra transitória), passaram-se 19 anos, e desta última
data (1994) a 2003, fluíram 9 anos.
Grosso modo, pela regra de transição, somente
as maiores 80% contribuições vertidas nesses 9 anos são computadas para o
cálculo do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição.
Pela regra definitiva, as contribuições
vertidas ao longo de todo o período contributivo (1976 a 2003) são consideradas
para o cálculo da renda inicial do benefício de aposentadoria.
O pedido foi julgado improcedente, ao
fundamento de inexistir direito adquirido à aplicação da legislação anterior,
de modo que o cálculo da RMI (renda
mensal inicial) do benefício deveria observar a regra de transição disposta na lei nova (fl. 99, Vol. 10).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com
base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, negou provimento à
apelação para manter a sentença,
reconhecendo a aplicabilidade da regra
de transição, nos termos da seguinte ementa
(Vol. 2, fls. 20-22):
“PREVIDENCIÁRIO. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DO BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. ART. 3º LEI 9.876/99. SEGURADOS QUE JÁ ERAM FILIADOS AO RGPS NA
DATA DA PUBLICAÇÃO DA LEI 9.876/99. LIMITAÇÃO DOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO A
SEREM UTILIZADOS NA APURAÇÃO
DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO A
JULHO DE 1994.
1. A Lei 9.876/99 criou o
denominado fator previdenciário e alterou a forma de cálculo da renda mensal
inicial dos benefícios previdenciários, prestando-se seu artigo 3º a
disciplinar a passagem do regime anterior, em que o salário-de- benefício era
apurado com base na média aritmética dos últimos
36 salários-de-contribuição, apurados em um período de até 48 meses, para o regime advindo da nova redação dada pelo
referido diploma ao artigo 29 da Lei 8.213/91.
2. A redação conferida
pela Lei 9.876/99
ao artigo 29 da Lei 8.213/91, prevendo a obtenção de
salário-de-benefício a partir de ‘média aritmética simples dos maiores
salários-de- contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo’ não implicou necessariamente agravamento da situação em relação à
sistemática anterior. Tudo dependerá
do histórico contributivo do segurado, pois anteriormente também havia
limitação temporal para a apuração do
período básico de cálculo (isso sem considerar, no caso das aposentadorias por
idade e por tempo de contribuição, a incidência do fator previdenciário, que
poderá ser negativo ou positivo).
3.
Desta forma, o 'caput' do
artigo 3º da Lei 9.876/99 em rigor não representou a transição de um regime
mais benéfico para um regime mais restritivo.
Apenas estabeleceu que para os segurados filiados à previdência social
até o dia anterior à sua publicação o período básico de cálculo a ser utilizado
para a obtenção do salário-de-benefício deve ter como termo mais distante a
competência julho de 1994. Ora, na sistemática anterior, os últimos
salários-de-contribuição eram apurados, até o máximo de 36 (trinta e seis), em
período não-superior a 48 (quarenta e oito) meses. Um benefício deferido em
novembro de 1999, um dia antes da publicação da Lei 9.876/99,
assim, teria PBC com termo
mais distante em novembro de 1995. A Lei nova, quanto aos que já eram filiados, em última análise
ampliou o período básico de cálculo. E não se pode olvidar que limitou os salários-de-contribuição aos 80% maiores
verificados no lapso a considerar, de modo a mitigar eventual impacto de
contribuições mais baixa.
4. Quanto aos segurados que não eram filiados à previdência na data da
publicação da Lei 9.876/99, simplesmente será aplicada a nova redação do artigo
29 da Lei 8.213/91. E isso não acarreta tratamento mais favorável ou
detrimentoso em relação àqueles que já eram filiados. Isso pelo simples fato de
que para aqueles que não eram filiados à previdência na data da publicação da
Lei 9.876/99 nunca haverá,
obviamente, salários-de-contribuição anteriores a julho de 1994 e, mais do que
isso, anteriores a novembro de 1999, a considerar.
5. Sendo este o quadro, o que se percebe é que: (i) a Lei 9.876/99
simplesmente estabeleceu um limite para a apuração do salário-de-benefício em
relação àqueles que já eram filiados na data de sua publicação, sem agravar a
situação em relação à legislação antecedente, até porque limite já havia
anteriormente (máximo de 48 meses contados do afastamento da atividade ou da
data da entrada do requerimento); (ii) quanto aos que não eram filiados na data
da sua publicação, a Lei 9.876/99 não estabeleceu limite porque isso seria
absolutamente inócuo, visto nesta
hipótese constituir pressuposto fático e lógico a inexistência de contribuições
anteriores à data de sua vigência, e, ademais, não teria sentido estabelecer a
limitação em uma norma permanente (no caso o art. 29 da LB).
6. Em conclusão, com o advento
da Lei 9.876/99 temos três situações possíveis para apuração da
renda mensal inicial, as quais estão expressamente disciplinadas: a) casos
submetidos à disciplina do art. 6º da Lei 9.876/99 c.c. art. 29 da Lei
8.213/91, em sua redação original - segurados que até o dia anterior à data de publicação da Lei 9.876/99 tenham
cumprido os requisitos para a concessão de benefício segundo as regras até
então vigentes (direito adquirido): terão o salário-de- benefício calculado com
base na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição
dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da
entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta
e oito) meses;
b) Casos submetidos à disciplina do art. 3º da Lei 9.876/99 - segurados que já eram filiados ao RGPS em data anterior
à
publicação da Lei 9.876/99 mas não tinham ainda implementado os requisitos para a concessão de benefício
previdenciário: terão o salário-de-benefício calculado com base na média
aritmética simples dos maiores salários-de- contribuição, correspondentes a, no
mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a
competência julho de 1994, multiplicada, se for o caso (depende da espécie de
benefício) pelo fator previdenciário; c) Casos submetidos à nova redação do
artigo 29 da Lei 8.213/91- segurados que se filiaram ao RGPS após a publicação
da Lei 9.876/99: terão o salário-de-benefício calculado com base na média
aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a
oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada, se for o caso
(depende da espécie de benefício) pelo fator previdenciário.
7. Não procede, assim, a pretensão de afastamento da limitação temporal a
julho/94 em relação aos segurados que já eram filiados ao RGPS na data da
publicação da Lei 9.876/99. Precedentes do STJ (AgRg/REsp 1065080/PR, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO; REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI; REsp 1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA; AREsp 178416, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN; REsp
1455850, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; REsp 1226895, Relator
Ministro OG FERNANDES; REsp 1166957,
Relatora Ministra LAURITA
VAZ; REsp 1019745, Relator
Ministro FELIX FISCHER;
REsp 1138923, Relator: Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE;
REsp 1142560, Relatora
Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE)”
Opostos Embargos de Declaração, foram rejeitados (Vol. 2, fl. 44 ).
Irresignado, o segurado, ora recorrido, interpôs
simultaneamente
Recurso Extraordinário e Recurso Especial, ambos inadmitidos na instância de origem (fl. 102/107, Vol. 2).
Sobrevieram os correspondentes agravos, com a
subsequente remessa do processo ao
Superior Tribunal de Justiça.
No STJ, converteu-se o agravo em Recurso
Especial, o qual foi submetido ao rito dos recurso repetitivos, com a suspensão
dos processos em todo território nacional, inclusive aqueles em trâmite nos
Juizados Especiais (fl. 139/155,
Vol. 2).
Em seguida, a Primeira Seção do Superior
Tribunal de Justiça,
por
unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial
do segurado. O acordão
recebeu seguinte ementa
(fls. 97-98, Vol. 4):
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SOBREPOSIÇÃO DE NORMAS.
APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA PREVISTA NO ART. 29, I E II, DA LEI 8.213/1991, NA APURAÇÃO DO SALÁRIO DE
BENEFÍCIO, QUANDO MAIS FAVORÁVEL DO QUE A REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 3º DA LEI 9.876/1999, AOS SEGURADOS QUE INGRESSARAM NO SISTEMA
ANTES DE 26.11.1999 (DATA DE EDIÇÃO DA LEI 9.876/1999). CONCRETIZAÇÃO DO
DIREITO AO MELHOR BENEFÍCIO. PARECER DO MPF PELO DESPROVIMENTO DO FEITO.
RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO PROVIDO.
1. A Lei 9.876/1999 implementou nova regra de cálculo, ampliando
gradualmente a base de cálculo dos benefícios que passou a corresponder aos
maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período
contributivo do Segurado.
2. A nova legislação trouxe, também, uma regra de transição, em seu art. 3º,
estabelecendo que no cálculo do salário
de benefício dos Segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à
data de publicação desta lei, o período básico
de cálculo só abarcaria as contribuições vertidas a partir de julho de 1994.
3. A norma transitória deve ser vista em seu caráter protetivo. O propósito
do artigo 3º da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer regras de
transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de forma
abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.
4. Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado vertido melhores
contribuições antes de julho de 1994, tais pagamentos sejam simplesmente
descartados no momento da concessão de seu benefício, sem analisar as
consequências da medida na apuração do valor do benefício, sob pena de
infringência ao princípio da contrapartida.
5. É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio
contributivo, decorrendo de tal princípio a necessidade de haver,
necessariamente, uma relação entre custeio e benefício, não se afigurando
razoável que o Segurado
verta contribuições e não possa se utilizar delas no cálculo de seu
benefício.
6. A concessão do benefício
previdenciário deve ser regida pela regra da prevalência da
condição mais vantajosa ou benéfica ao Segurado, nos termos da orientação do
STF e do STJ. Assim, é direito do Segurado o recebimento de prestação
previdenciária mais vantajosa dentre aquelas cujos requisitos cumpre,
assegurando, consequentemente, a prevalência do critério de cálculo que lhe
proporcione a maior renda mensal possível, a partir do histórico de suas
contribuições.
7. Desse modo, impõe-se reconhecer a possibilidade de aplicação da regra
definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário de benefício, quando se revelar mais favorável do que a regra de
transição contida no art. 3°. da Lei 9.876/1999, respeitados os prazos
prescricionais e
decadenciais. Afinal, por uma questão de racionalidade do sistema normativo, a
regra de transição não pode ser mais gravosa do que a regra definitiva.
8. Com base
nessas considerações, sugere-se a fixação da seguinte tese: Aplica-se
a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida
no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da
Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.
9. Recurso Especial do Segurado provido.”
Insatisfeito,
o INSS interpôs o presente
Recurso Extraordinário (Vol. 4, fls. 212-241), com amparo no
artigo 102, III, “a”, da CF/1988, em que alega violação aos artigos arts. 2º;
5º, caput; 97; 195, §§ 4º e 5º; e 201 da Constituição Federal, bem como ao art.
26 da EC 103/2019, pois "o acórdão
recorrido - ao reconhecer aos segurados que ingressaram na Previdência Social até o dia anterior
à publicação da Lei 9.876/99
o direito de opção, na apuração do seu salário-de-benefício, entre a regra
de ‘transição’ estabelecida no art. 3º da Lei 9.876/99 e a regra ‘definitiva’ estabelecida no art. 29, I e II, da Lei 8.213/91 – fez má aplicação” dos aludidos dispositivos constitucionais (fl. 218, Vol. 4).
Para tanto, sustenta
que:
(a)
o acórdão afastou o art.
3º da Lei 9.876/1999, por considerá-lo incompatível com a Constituição, o que
equivale à declaração de sua inconstitucionalidade. Com isso afrontou à
cláusula de reserva de Plenário (Súmula vinculante 10);
(b) a única regra legal aplicável ao cálculo de todos os segurados, sejam eles filiados
ao RGPS antes ou após a vigência da Lei 9.876/1999, é aquela que limita o cômputo para
aposentadoria apenas às contribuições vertidas a partir de julho de 1994, “os primeiros, por expresso imperativo
legal; os últimos, por consequência lógica
da filiação ocorrida
após 1999”. Desse modo, não há que se falar em inclusão do período contributivo
anterior a tal marco
temporal;
(c) “apenas os segurados destinatários da norma
do artigo 3º da Lei nº 9.876/1999, ou seja, que estavam filiados ao RGPS quando
da entrada em vigor da lei em referência, poderão, sob a ótica do STJ, possuir
esse tratamento de cômputo de salários de contribuição anteriores a julho de
1994, com verdadeira subversão do princípio da isonomia” (fl. 228
,Vol. 4);
(d)
a desconsideração da
regra de transição para a apuração do benefício afeta o equilíbrio financeiro e
atuarial do RGPS, na medida em que torna “ a inclusão de remunerações
anteriores
a julho de 1994 extremamente complexa”, (...) devido “a
baixíssima qualidade da base de dados para
períodos contributivos anteriores a 1994, o que tenderia a causar grande
transtorno operacional ao INSS”, somado ao fato de ocasionar “elevação não programada das despesas da
Previdência Social” (fl. 229/234, Vol. 4);
(e)
o acordão contrariou a
Súmula Vinculante 37, ao assegurar a majoração da aposentadoria sem a prévia
fonte de custeio;
(f)
“o sistema
previdenciário brasileiro possui
cariz solidário e
contributivo (arts. 3º, I, 195 e 201 da
Constituição), de modo que não há correlação estrita entre o dever de
contribuição e o usufruto de benefício” (fl. Vol.
4); e
(g)
a EC 103/2019 limitou o
cálculo de benefícios previdenciários aos salários-de-contribuição vertidos ao
sistema a partir de julho de 1994.
Por fim, requer o provimento do Recurso Extraordinário, para fixar tese “no sentido da impossibilidade de se
reconhecer ao segurado que ingressou na
Previdência antes da publicação da Lei 9.876/99 o direito de opção entre a
regra do art. 3º do mencionado diploma e a regra do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91”.
Em contrarrazões (fl. 254,Vol. 4), o segurado,
em preliminar, sustenta a inadmissibilidade do apelo
extremo ante a incidência, ao caso, das Súmulas 279, 282 e 356, todas do STF, e da ausência de matéria
constitucional. No, mérito, requer o desprovimento do apelo, com a
manutenção do acórdão recorrido.
O RE foi admitido no Superior Tribunal de
Justiça como representativo da controvérsia, determinando-se a suspensão em
todo território nacional de todos os processos pendentes em que se debata a
mesma controvérsia, bem como a remessa dos autos ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Ponderou-se que o julgamento do RE 639.856
(Tema 616 da repercussão
geral - incidência do fator
previdenciário (Lei 9876/99) ou das regras de transição trazidas pela EC 20/98 nos
benefícios previdenciários concedidos a segurados filiados ao Regime Geral da
Previdência Social até 16/12/1998), pode influenciar o entendimento a ser
adotado na hipótese objeto deste apelo “ (fls. 22-25, Vol. 5).
Recebido o processo nesta CORTE, o Plenário
Virtual reconheceu a repercussão geral da matéria em acórdão assim ementado:
“Recurso extraordinário. Previdenciário. Revisão de benefício. Cálculo
do salário de benefício. Segurados filiados ao Regime
Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de publicação da Lei nº 9.876/99.
Aplicação da regra definitiva do art. 29, inc. I
e II, da Lei nº 8.213/91 ou da
regra de transição do art. 3º da Lei nº 9.876/99. Presença de repercussão
geral.”
A Federação Nacional dos Sindicatos de
Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social – FENASP e o
Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV (Núcleo de Pesquisa e Defesa dos
Direitos Sociais) foram admitidos no processo como terceiros interessados.
A Procuradoria-Geral da República ofertou
parecer, em que se manifesta pelo DESPROVIMENTO do recurso, nos termos da
seguinte ementa:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.102.
ART. 3º DA LEI 9.876/1999. REGRA TRANSITÓRIA. SEGURADO INGRESSANTE NO RGPS
ANTES DE 26/11/99 DESCONSIDERAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ANTERIORES À COMPETÊNCIA DE JULHO DE 1994.
DESFAVORECIMENTO. REGRA DEFINITIVA. ART 29,
I E II, DA LEI 8.213/1991. APLICABILIDADE. POSTULADO DA
SEGURANÇA JURÍDICA. MELHOR BENEFÍCIO.DESPROVIMENTO DO RECURSO.
1.
Recurso Extraordinário representativo do Tema 1.102 da sistemática da Repercussão Geral,
referente à “possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a
aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91,
quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei
nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência
Social antes da publicação da Lei nº 9.876/99, ocorrida
em 26/11/99”.
2. As regras transitórias são editadas a fim de se garantir o postulado da
segurança jurídica, respeitando-se as situações consolidadas no tempo.
3.
Segundo a exposição de
motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, que originou
a Lei 9.876/1999, a regra
transitória foi criada com o
objetivo de mitigar os efeitos da regra permanente,
considerando que o período a contar de julho de 1994 coincide com o período do Plano Real, de reduzidos níveis de inflação, o que permitiria minimizar eventuais
distorções causadas pelo processo inflacionário nos rendimentos dos trabalhadores.
4. Desconsiderar o efetivo recolhimento das contribuições realizado antes de
1994 vai de encontro ao direito ao melhor benefício e à expectativa do
contribuinte, amparada no princípio
da segurança jurídica, de ter consideradas na composição do
salário-de-benefício as melhores contribuições de todo o seu período
contributivo.
5. A partir de uma interpretação teleológica da regra transitória, aplica-se
a regra permanente do art. 29, I e II, da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário-debenefício, quando mais favorável ao contribuinte.
6. Proposta de tese de repercussão geral:
Aplica-se a regra definitiva, prevista
no art. 29, I e II,
da Lei 8.213/1991, na apuração do salário-debenefício, quando mais favorável do
que a regra de transição contida no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos segurados
que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à
publicação da Lei 9.876/1999.
—Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário e pela manutenção
da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça.”
É o relatório.
Estão preenchidos todos os requisitos legais e
constitucionais para admissibilidade do apelo extremo.
Inicialmente, pontuo que apreciando
controvérsia similar à presente, esta CORTE, no AI 843.287 (Rel. Ministro CEZAR
PELUSO, DJe de 1/9/2011, Tema 406 da repercussão geral, inadmitiu o recurso, ao
entendimento de que não se tratava de matéria constitucional, na forma da seguinte ementa:
"Agravo de instrumento convertido em Extraordinário.
Inadmissibilidade deste. Benefício previdenciário. Renda mensal inicial.
Critérios de cálculo. Tema infraconstitucional. Precedentes. Ausência de
repercussão geral. Recurso extraordinário não conhecido. Não apresenta
repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto o direito de se
renunciar aos salários-de-contribuição de menor expressão econômica para compor
a média aritmética que servirá de base de cálculo para a renda mensal inicial
de benefício previdenciário, versa sobre tema infraconstitucional"
No entanto, nestes autos, o Relator originário
deste processo, Min. DIAS TOFFOLI
manifestou-se pela repercussão geral da matéria, compreendendo, entre outras
razões, que o “tema possui,
inegavelmente, repercussão
geral nos aspectos econômico e social, dado o impacto financeiro que a prevalência da tese fixada
pelo STJ pode ocasionar no sistema de previdência
social do país e o imenso volume de segurados que podem ser abrangidos pela
decisão a ser proferida neste feito”, e, no aspecto
jurídico, de eventual violação da cláusula
de reserva de Plenário pelo acórdão recorrido.
No mais, anotou que a temática em foco é
diversa daquela objeto do Tema 616, que foi delimitada à incidência do fator
previdenciário (art. 2º da Lei 9.876/1999) no cálculo do salário-de-benefício de segurados filiados ao RGPS até 16/12/1998, em
contraposição à regra de transição trazida pelo art. 9º da Emenda
Constitucional 20/1998.
O TRIBUNAL PLENO aderiu a essa compreensão, para reconhecer a existência de repercussão geral da
questão suscitada.
Antes de entrar no mérito, rapidamente, aqui é
importante afastar a preliminar, porque o INSS arguiu ofensa à cláusula de reserva de
plenário, ou seja, arguiu ofensa à Súmula 10 do Supremo Tribunal Federal,
ao argumento de que o Superior Tribunal de Justiça teria afastado o art. 3º da Lei nº 9.876 com base em fundamento constitucional, teria afastado a regra
transitória, declarando-a inconstitucional.
Todavia, não é o que se denota da leitura do
voto condutor do acórdão recorrido. O STJ conferindo interpretação teleológica
a aludida disposição normativa, entendeu que deveria prevalecer a regra permanente do art. 29 da Lei 8.213/1991, quando
esta fosse mais favorável
ao segurado. Ou seja, procedeu à mera exegese da norma, sem a declaração de
inconstitucionalidade seja da regra permanente, seja da regra de transição.
Consequentemente, não haveria necessidade de declaração pela maioria absoluta
dos membros do tribunal ou da Corte Especial, no caso do Superior Tribunal de
Justiça.
É firme a jurisprudência desta CORTE no
sentido de que não viola a reserva de Plenário a decisão que se limita a
interpretar a legislação infraconstitucional, sem negar-lhe vigência. Vejam-se:
"Agravo regimental no recurso
extraordinário com agravo. Menor sob guarda judicial.
Condição de dependente, para fins previdenciários. Discussão. Artigo 97 da
Constituição Federal. Súmula Vinculante nº 10. Violação. Inexistência.
Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Reexame de fatos e provas.
Impossibilidade. Precedentes.
1.
Pacífica a jurisprudência
da Corte de que não há violação do art. 97 da Constituição Federal e da Súmula
Vinculante nº 10 do STF quando o Tribunal de origem, sem declarar a
inconstitucionalidade da norma, nem afastá-la sob fundamento de contrariedade à
Constituição Federal, limita-se a interpretar e aplicar a legislação infraconstitucional ao caso concreto.
2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação
infraconstitucional e o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF.
3.
Agravo regimental não
provido" (AgRg no ARE 804.313/PI, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA
TURMA, DJe de 20/03/2015).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E
PROCESSUAL CIVIL. MONTEPIO MILITAR. EXTINÇÃO.
DEVOLUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. CONTROVÉRSIA INFRACONSTITUCIONAL LOCAL. LEIS COMPLEMENTARES
ESTADUAIS 41/2004 E 66/2006. SÚMULA 280 DO STF. NECESSIDADE DE REEXAME DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. RESERVA DE PLENÁRIO.
VIOLAÇÃO AO ART.
97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS
ARTS. 5º, XXXVI, E 93, IX, DA LEI MAIOR. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(…)
III
– Não há violação ao
princípio da reserva de plenário quando o acórdão recorrido apenas interpreta
norma infraconstitucional, sem declará-la inconstitucional ou afastar sua
aplicação com apoio em fundamentos extraídos da Lei Maior.
IV
– A verificação da
ocorrência, no caso concreto, de violação ao art. 5º, XXXVI, da Constituição
demandaria nova interpretação das normas infraconstitucionais pertinentes à
espécie, sendo certo que eventual ofensa à Lei Maior seria meramente indireta.
V
– A exigência do art. 93, IX, da Constituição não impõe
seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador
indique de forma clara as razões de seu convencimento, tal como ocorreu.
VI
– Agravo regimental a que
se nega provimento" (AgRg no ARE
735.533/PI, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de
30/04/2014).
Ultrapassada essa questão,
passo ao EXAME DE MÉRITO.
Presidente, como Vossa Excelência já adiantou,
aqui é um recurso extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo
Superior Tribunal de Justiça
e que se transformou no Tema 1102 de repercussão geral: "Tema 1102 - Possibilidade de revisão
de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo
29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91,
quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram
no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei nº 9.876/99, ocorrida em 26/11/99."
O que efetivamente se discute aqui, o objeto
principal da controvérsia, está em definirmos se o segurado do INSS que
ingressou no sistema previdenciário até o dia anterior à publicação da referida
lei, em 26 de novembro de 99, pode optar, para o cálculo do seu salário de
benefício, pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II, da Lei nº 8.213
quando essa lhe for mais favorável do que a previsão da lei, no art. 3º, de uma
regra transitória, por lhe assegurar um benefício mais elevado. Essa é a discussão que já foi trazida ontem
pelo eminente Ministro Nunes Marques.
Ou seja, há uma regra transitória, mas há
também uma regra definitiva que, em alguns casos, acaba sendo mais benéfica do
que a própria regra transitória. A regra definitiva - isso é importante
salientar - é mais penosa do que a
legislação anterior e, para essa transferência entre a norma anterior, que era
mais benéfica, e a mais penosa, houve uma regra
de transição. Só que, em alguns casos, essa regra de transição acaba sendo pior
para o segurado do que a própria regra definitiva
O Recurso Extraordinário foi interposto em
face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, em sede de recurso
repetitivo, deu provimento ao Recurso Especial do segurado para reconhecer o
seu direito ao cálculo da aposentadoria, segundo a nova regra prevista no art.
29, I e II, da Lei 8.213/1991, por ser mais benéfica do que a regra de
transição do art. 3º da Lei 9.876/1999.
Ainda, o STJ fixou a seguinte tese:
“Aplica-se a regra
definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do
salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida
no art. 3º da Lei 9.876/1999, aos Segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999.”
Ao final do julgamento, no voto condutor do
acórdão recorrido, o Relator, o Ilustre
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
enfatizou que, com a fixação da tese, não se está reconhecendo direito
adquirido a regime jurídico, muito menos procedendo à criação de regime híbrido
mediante a combinação de aspectos mais benéficos de cada um dos dois diplomas legais.
Para tanto, esclareceu que (fl. 115, Vol. 4):
“28. É importante frisar que a tese aqui proposta não implica em
reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico, o que se sabe não
encontraria abrigo na jurisprudência consolidada do STF e do STJ. O
reconhecimento a direito adquirido a regime jurídico se verificaria na hipótese
de se reconhecer ao Segurado o direito ao cálculo do benefício nos termos da legislação
pretérita (redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991),
o que não é o caso dos autos, onde se reconhece o direito ao cálculo nos termos
exatos da legislação em vigor.
29. Também não intenta a combinação aspectos mais benéficos de cada lei, com vista à criação
de um regime híbrido. Ao
contrário, defende-se a integral aplicação da regra definitiva prevista no art.
29, I e II da Lei 8.213/1991, sem conjugação simultânea de qualquer outra
regra.”
O segurado, ora recorrido, é beneficiário de
aposentadoria por tempo de contribuição e ingressou no RGPS em 1976, ou seja, antes de
26/11/1999 - data da publicação da
Lei 9.876/1999, que no seu art. 3º estabeleceu regra de transição para aqueles
filiados à Previdência antes da novel
legislação.
O início de seu benefício de aposentadoria foi
em 2003, ou seja, na vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, alterado pela Lei 9.876/1999.
Como relatado, a ação foi ajuizada com o
objetivo de obter a revisão de sua aposentadoria segundo a regra definitiva
(nova redação do art. 29, I e II, da
Lei 8.213/1991), que considera para o cálculo do benefício os salários de
contribuição referentes a todo o período contributivo, e não só aqueles
vertidos após 1994 como determina a aludida regra transitória.
O INSS defende a impossibilidade de se
reconhecer ao segurado que ingressou na Previdência antes da publicação da Lei
9.876/1999 o direito de opção entre a regra de transição inserta no art. 3º
desse diploma legal e a regra definitiva do art. 29, I e II, da Lei 8.213/91,
com nova a redação, porque, entre outros motivos, essa escolha contraria o
princípio da isonomia, na medida em que, após a edição da Lei 9.876/1999, é
inviável
considerar no cálculo
do benefício de todo e qualquer segurado
as contribuições vertidas ao sistema anteriores a julho de 1994.
Vejamos o teor das normas em questão:
A redação
original do art. 29 da Lei 8.213/1991 prescrevia:
“Art. 29. O salário de benefício consiste na média aritmética simples de
todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao
do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo
de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito)
meses.”
Com a edição da Lei 9.876/1999, o dispositivo
acima foi alterado, passando a exibir o seguinte teor:
“Art. 29. O salário de benefício consiste:
I
- para os benefícios de que tratam as alíneas
b e c do inciso I do art.
18, na média aritmética simples dos
maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário;
II
- para os benefícios de que tratam
as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.”
Como isso, ampliou-se a base de cálculo dos
benefícios que, antes considerava todos salários-de-contribuição dos últimos
36 meses anteriores ao
afastamento (ou à entrada do requerimento do INSS), para abranger os maiores salários-de-contribuição
correspondentes a 80% de todo o período contributivo do segurado.
Ainda, a novel legislação (Lei 9.876/1999),
introduziu no seu art. 3º uma regra de transição, para dispor que:
“ Art. 3o Para o segurado
filiado à Previdência Social até o
dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir
as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário- de-benefício será considerada a
média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes
a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo
decorrido desde a
competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no
8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.”
Ou seja, para aqueles filiados ao RGPS até a
data da publicação da Lei 9.876/1999 (26/11/1999), criou-se uma regra
de transição para excluir
do cálculo do benefício os salários de contribuição anteriores a julho de 1994.
Obviamente, para aqueles que ingressaram no
sistema após 1999, por
impossibilidade fática, não se pode incluir as contribuições anteriores a esse
marco temporal (1994).
Mais recentemente, a Reforma da Previdência
instituída pela Emenda Constitucional
103, promulgada em 12/11/2019, estabeleceu que esse limite fixado em julho de
1994 (regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/99) passou a ser a regra permanente até que
lei discipline a matéria,
nos termos do art. 26, caput, da referida Emenda, in verbis:
“Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social
da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média
aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados
como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime
Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das
atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal,
atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período
contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da
contribuição, se posterior àquela competência.”
Na Exposição de Motivos do Projeto de Lei 1.527/1999, convertido na Lei
9.876/1999, esclareceu-se que a intenção do legislador, ao excluir as
contribuições anteriores a julho de 1994, foi preservar o valor das
aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices de inflação do período
anterior a tal marco e, com isso, beneficiar principalmente os segmentos de
menor renda.
"2. O Projeto de Lei proposto procura aprimorar o sistema
previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada em relação às mudanças no mercado de trabalho e à evolução
demográfica, criando, concomitantemente, maiores atrativos para a
incorporação de trabalhadores autônomos e outros não assalariados a Previdência
Social e estreitando a relação entre contribuições e benefícios.
(...)
56. Uma das mudanças mais importantes introduzidas pelo
Projeto de Lei refere-se à ampliação do período de contribuição computado para
efeito de cálculo do valor dos benefícios (alteração do art. 29 da Lei 8.213,
de 1991, e art. 5º do Projeto de Lei ora proposto). Propõe-se que ele cubra o período decorrido desde julho de 1994 até o
momento da aposentadoria para os que
se aposentarem a partir da promulgação deste Projeto de Lei. O referido
período de contribuição será progressivamente ampliado até abranger toda
a trajetória salarial dos futuros aposentados. O período arbitrado inicialmente coincide
com um período de reduzidos níveis de inflação, com o Plano Real, o que permite
minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário nos
rendimentos dos trabalhadores.
57. Ressalte-se que na sistemática proposta para o cálculo da média
aritmética dos salários-de-contribuição permitir-se-á que seja considerado um
período de até 20% superior ao tempo que transcorre entre Julho de 1994 e o
momento da aposentadoria, caso ocorra lapsos contributivos neste período. Esta medida visa beneficiar os segmentos de menor renda que apresentam maior instabilidade na vida laboral.
58. A ampliação do período de
contribuição computado para a apuração do salário-de-benefício nada mais é do
que um ajuste da legislação
brasileira à tendência internacionalmente vigente de extensão do número
de anos sobre os quais se baseia a determinação do valor do beneficio.
A proposta de computar, no Brasil, todo o período laboral do segurado
não é exceção no mundo e equivale, por exemplo, ao vigente em legislações de
países de reconhecida tradição previdenciária, como a Alemanha, a Itália e a
Suécia.
59. A regra de cálculo do valor dos benefícios ainda em vigor baseia-se,
exclusivamente, nos últimos 3 anos de contribuição antes da aposentadoria, o
que lhe confere um caráter regressivo. De
fato, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1997 do Instituto
Brasileiro de Estatística - IBGE, tabulados pelo Instituto de Pesquisa
Econômica
Aplicada - IPEA, mostram que são os
trabalhadores de maior
escolaridade e inserção mais favorável no mercado de trabalho os que auferem
rendimentos mais elevados, à medida que se aproximam das idades limite de aposentadoria.
60. Em contraposição, os
trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos favorável no
mercado de trabalho têm uma trajetória salarial mais ou menos linear,
que permanece praticamente inalterada à medida que se aproxima o
momento de sua aposentadoria e apresenta ligeira tendência de queda a
partir dos 55 anos.
61. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, de 1997, que deram base ao Gráfico
I, se considerarmos o período
entre os 25 a 29 anos de idade, um homem com escolaridade média-alta (segundo
grau ou nível superior) chega a auferir rendimentos médios cerca de 2,6 vezes maiores que um homem com
escolaridade baixa (até primeiro grau completo). No período compreendido entre os 40 e 44 anos
de idade, a proporção entre os rendimentos destes trabalhadores passa a ser ainda maior, cerca de 3.6. Finalmente,
no período próximo à aposentadoria, entre os 55 e 59 anos de idade,
observamos que os rendimentos médios
de um homem com escolaridade alta chegam a ser 4,8 vezes mais
elevados que os de um homem com escolaridade baixa.
62. No caso das mulheres participantes do mercado de trabalho, a diferença
entre as médias dos rendimentos é mais pronunciada. Uma mulher de escolaridade
média-alta recebe entre os 25 e os 29 anos de idade, na média, um rendimento 5
vezes maior que o de uma mulher de escolaridade baixa. Na faixa etária dos 40
aos 44 anos de idade, a proporção sobe para 7,3 vezes e, por fim, nos anos compreendidos entre os 55 e os
59 anos de idade o
rendimento médio das mulheres de escolaridade média e alta supera o das de
escolaridade baixa em 6,2 vezes.
63. Em regimes de repartição
simples com beneficio definido, onde o beneficio é calculado com base nos
últimos anos de contribuição, o fato de existirem diferentes perfis de evolução
da renda ao longo da vida gera severas distorções redistributivas. Quanto menor
o período de base de cálculo, tanto mais subsídios implícitos são auferidos
pelos segurados de alta remuneração
final em detrimento dos trabalhadores de baixa renda e, também, pelos homens em
prejuízo das mulheres. Do exposto,
podemos concluir que a ampliação do
período computado para
efeito de cálculo do valor dos beneficios é uma medida com forte conteúdo de justiça
social, que visa reduzir de maneira progressiva estas vantagens auferidas
pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua aposentadoria".
Ao analisar as leis supramencionadas,
tradicionalmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendia não
ser possível aos que se filiaram ao RGPS antes da edição
da Lei 9.876/1999 optar pela
regra definitiva da Lei 8.213/1991 para apuração do salário de benefício,
devendo ser aplicada a regra de transição prevista no diploma alterador.
Isso porque, ainda que em algumas hipóteses a
regra de transição implique situações desfavoráveis a determinados segurados, outros tantos são beneficiados por essa regra de cálculo. E essa
circunstância ocorre porque “a ampliação
do período básico de cálculo
para considerar toda a
vida laborativa do segurado, ao contrário dos 80% (oitenta
por cento) maiores
salários de contribuição a partir de julho de
1994, pode resultar, a depender do caso, em regra menos favorável ao segurado,
considerando a possibilidade de serem os salários mais antigos inferiores
àqueles mais recentes, resultando na média aritmética apurada um valor mensal
do benefício mais reduzido” (REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 25/5/2018).
Nesse sentido, diversos julgados: REsp. 1.644.505/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 19/6/2017; EDcl no
AgRg no AREsp. 609.297/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 2/10/2015;
AgInt no REsp. 1.526.687/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe de
5/12/2017; REsp. 1.679.866/RS, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, DJe de
25/5/2018; AgInt no REsp. 1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO
FALCÃO,
DJe de 26/3/2018;
Por
todos, confira-se a ementa desse último (AgInt no REsp.
1.679.728/PR:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RENDA MENSAL INICIAL. PERÍODO BÁSICO DE
CÁLCULO. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. I -
Trata-se de questão de revisão de renda mensal inicial já apelidada no
mundo jurídico de "revisão de vida toda". A decisão ora agravada deu
provimento ao recurso especial do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para
reformar o acórdão recorrido, para entender válida a regra constante do § 2º do art. 3º da Lei 9.876/99, não sendo possível
a
inclusão no PBC de salários de contribuição anteriores a julho de 1994.
II
- Anteriormente à Emenda
Constitucional n. 20/98, o período básico de cálculo, que é o intervalo de
tempo dentro do qual são considerados os salários de contribuição para fins de
estabelecimento do salário de benefício, tinha como regra geral a média dos 36
últimos salários de contribuição, conforme previa o caput do artigo 202 da
CF/88, na sua redação original.
III
- Com a Emenda
Constitucional n. 20/98, tal previsão desapareceu, sendo a Lei n. 8.213/91, que
replicava o entendimento do art. 202 da CF/88, alterada
pela Lei n. 9.876/99,
que passou a prever, no art. 29, que o PBC (Período Básico de Cálculo) seria
composto pela média aritmética simples correspondente a 80% dos maiores
salários de todo o período contributivo, multiplicado pelo fator
previdenciário, respeitado, é lógico, o direito adquirido de quem atingiu o
direito à obtenção do benefício pelas regras anteriores.
IV
- E para quem havia
entrado no regime antes da vigência da Lei n. 9.876/99, o art. 3º da referida
Lei trouxe uma regra de transição. Tem-se,
portanto, que para os
que se filiaram anteriormente à Lei n. 9.876/99, o período de apuração
será composto pelo período compreendido entre julho de 94 ou a data de filiação
do segurado, se essa for posterior, e o mês imediatamente anterior à data do
requerimento de aposentadoria.
V - O parágrafo 2º do referido artigo traz outra regra, que na prática
indica que, caso o segurado tenha contribuído após julho de 1994 por meses que,
se contados, sejam inferiores a 60% dos meses decorridos de julho de 1994 até a data do pedido de aposentadoria, então o cálculo
do benefício levará em consideração os meses contribuídos divididos por 60% dos
meses decorridos de julho de 1994 até a data da aposentadoria.
VI - E é essa regra do parágrafo segundo, na verdade, que vem sendo
questionada, porquanto a sua aplicação literal ocasiona, eventualmente,
prejuízo ao segurado, já que pode haver um descompasso entre as contribuições
vertidas após 1994 e a divisão por 60% dos meses decorridos de julho de 94 até
a data da aposentadoria, porquanto se o número de contribuições após julho de
94 for pequeno, a divisão por 60%
do número de meses pode levar a um valor bem abaixo do que aquele que
seria obtido pela aplicação da regra nova in
totum.
VII
- O caso extremo
ocorre quando, por exemplo, o
segurado atinge os requisitos para a aposentadoria com apenas uma ou
poucas contribuições a partir de julho de 1994. Nesse caso, quanto maior for o
lapso de tempo entre a contribuição vertida após julho de 1994 e o requerimento
de aposentadoria, maior será a redução no benefício do segurado. Pode-se dizer,
que, invariavelmente receberá o mínimo. Essa hipótese já foi enfrentada nesta
e. Corte: REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
24/03/2009, DJe 27/04/2009.
VIII
- Vê-se, pois, que a
questão já foi enfrentada nesta e. Corte, que entendeu ser válida a regra. Não se nega que situações desfavoráveis podem ocorrer, mas entretanto, trata- se de opção
legislativa e, de fato, o entendimento adotado no Tribunal de origem, a título
de corrigir regra de transição, acabou por alterar
o conteúdo da Lei.
IX
- Até mesmo porque a
alteração legislativa, ou seja, a regra genérica que alterou o art. 29 da Lei
8.213/91, prejudicou quem tinha maiores salários no fim do período básico de cálculo e beneficiou quem teve durante a
carreira um salário decrescente. Então, ao que parece, não há essa lógica constante do acórdão recorrido de que a regra de transição não pode ser mais prejudicial ao
segurado do que a regra nova, porquanto a regra nova não
prejudicou todo mundo, ao revés, beneficiou alguns e prejudicou outros. A jurisprudência desta e. Corte tem outros
julgados em que se reafirma a validade da referida norma. Nesse sentido:
EDcl no AgRg no AREsp 609.297/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 22/09/2015,
DJe 02/10/2015; AgRg no REsp 1477316/PR, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 16/12/2014; REsp 1655712/PR, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA
TURMA,
julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017; REsp 1114345/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
27/11/2012, DJe 06/12/2012.
X
- Agravo interno
improvido (AgInt no REsp. 1.679.728/PR, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO,
DJe 26.3.2018).”
No entanto, a partir do julgamento do Recurso
Especial pela sistemática dos recursos repetitivos, que deu origem ao acordão
ora recorrido, o STJ reviu sua jurisprudência, ressaltando a necessidade de
interpretar-se a regra de transição
de forma mais consentânea com o
objetivo que orientou
o legislador ao criar a disciplina transitória.
A propósito, confira-se o seguinte trecho do voto condutor do aresto
combatido (fls. 101-109,
Vol. 4):
“6. Desse modo, não resta dúvidas, que a opção legislativa deve ser vista em caráter protetivo. O
propósito do artigo 3o. da Lei 9.876/1999 e seus parágrafos foi estabelecer
regras de transição que garantissem que os Segurados não fossem atingidos de
forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.
7.
De fato, a tradição no
direito pátrio revela a necessidade de períodos de transição para que toda e
qualquer mudança no ordenamento normativo seja implementada pouco a pouco.
Assim, as regras de transição existem para atenuar os efeitos das novas regras aos Segurados já filiados
ao regime, e nunca – jamais – para prejudicar.
(...)
15. É certo que o sistema de Previdência Social é regido pelo princípio
contributivo, o que exige o recolhimento de contribuições sociais para o
reconhecimento do direito ao benefício. Decorre de tal princípio a necessidade
de haver necessariamente uma relação entre custo e benefício, não se afigurando
razoável que o Segurado verta contribuições que podem ser simplesmente
descartadas pela Autarquia Previdenciária.
(…)
18. Nesse passo, não se pode admitir que tendo o Segurado realizado melhores contribuições antes de julho de
1994, tais pagamentos sejam simplesmente descartados no momento da concessão de
seu benefício, ao pálido argumento de prevalência da aplicação da regra de
transição, sem analisar as consequências da medida.
(…)
20. Ora, a compreensão que se tem das regras de transição aponta para a
sua aplicação facultativa diante de uma regra
atual mais vantajosa. Como bem anota, em brilhante exposição, o parecer
ministerial:
Se a realidade social demanda modificações, que, pelo menos, não arrasem
todas as expectativas legitimamente nascidas no curso da disciplina original da
relação jurídica.
Regras transitórias são, assim, teleologicamente
voltadas para não agredir todas as expectativas dos sujeitos de relações jurídicas antigas com
critérios novos. Visam dar-lhes algo do que teriam, se sua antiga condição
fosse preservada. Numa palavra, as regras de transição objetivam beneficiar as
partes da relação jurídica que apanham em pleno andamento.
Assentadas essas premissas, data venia, verifica-se o
engano da jurisprudência do Tribunal, porque inverte o sentido
teleológico de qualquer regulação transitória: a interpretação vigente da Lei
9.876 ofende o art. 1º da CR, porque piora a situação de parcela de segurados
já vinculada à previdência social antes de sua edição, ao invés de lhe garantir
regime mais benéfico do que o novo. Há contrassenso nisso, ainda que a
aplicação da lei favoreça outra parte dessas pessoas em situação similar – mas
não igual – à do autor.
Uma vez que o direito tem como função garantir expectativas, a categoria
das normas transitórias só pode favorecer os segurados antigos colhidos pela
lei nova. Logo, a interpretação legal não lhe pode atribuir sentido que os
prejudique, até em relação aos segurados ingressos na previdência no regime
novo, mais rigoroso do que o antigo. Na pior das hipóteses, a norma transitória
não se aplica aos segurados antigos, quando implicar tratá-los de modo pior do
que o novo segurado. Os antigos merecem, ao menos, a igualdade com os
paradigmas mais novos. Esse é o pedido do autor. Logo, deve ser deferido.
(…)
22. A regra de transição, como tal, somente
deve ser aplicada se a regra
nova não for mais benéfica ao segurado.”
A partir da leitura da exposição de motivos do
Projeto de Lei que originou a Lei 9.876/1999 e os argumentos aduzidos no acórdão
recorrido, depreende-se que a regra definitiva veio para privilegiar no
cálculo da renda inicial do benefício a integralidade do histórico
contributivo. A limitação imposta pela regra transitória a julho de 1994 teve
escopo de minimizar eventuais distorções causadas pelo processo inflacionário
nos rendimentos dos trabalhadores.
A regra transitória, portanto, era favorecer
os trabalhadores com menor escolaridade, inserção menos favorável no mercado de
trabalho, que tenham uma trajetória salarial
mais ou menos linear, só que, em
alguns casos, isso se mostrou pior para o segurado, e não favorável como
pretendia o legislador na aplicação específica de alguns casos concretos.
Assim, é imperioso que se analise a regra
transitória como aquilo que ela
representa dentro do sistema da previdência social, ou seja, uma forma de
aproximação da regra definitiva, a fim de proteger direitos subjetivos dos
segurados.
Pois, houve alteração
das regras previdenciárias - e aqui não se está a dizer nem a se discutir direito
adquirido a regime jurídico previdenciário. Não: houve alteração. A nova regra se aplica daqui para a
frente, de 1999 para frente. Para aqueles que já estão, para que não sejam tão
prejudicados, veio uma regra transitória. Essa regra transitória excluiu
benefícios pré 1994, exatamente para auxiliar o segurado.
O sistema de previdência social rege-se pelo
princípio contributivo pelo qual, não só a percepção do benefício pressupõe a
contribuição do segurado, como também deve haver correlação entre o benefício
concedido e a contribuição previdenciária recolhida, não se admitindo que eventuais parcelas vertidas ao sistema
pelo beneficiário sejam desconsideradas de plano.
Essa premissa inclusive foi adotada no Tema
163 a repercussão geral (RE 593.068,
Rel. Min. ROBERTO
BARROSO, Dje de 22/3/2019), no
qual se assentou que a base de cálculo da contribuição previdenciária
somente deve incluir os ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios,
estando excluídas as verbas que não se incorporam à aposentadoria.
A tese do paradigma ficou assim redigida: “Não incide contribuição
previdenciária sobre verba não incorporável
aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias,
serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.”
Não obstante esse precedente tenha analisado
hipótese relativa ao regime próprio de previdência, a mesma diretriz é
aplicável ao RGPS consoante se depreende do texto constitucional:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime
Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação
obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial,
e atenderá, na forma
da lei, a:
(...)
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de
contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos
e na forma da lei.
Ao votar, o Ilustre Min. ROBERTO BARROSO,
citando passagem do voto do Ministro CELSO DE MELLO na ADC
8, reafirmou que a referibilidade entre a contribuição e o benefício é
exigência nos dois regimes - regime
geral de previdência social e regime
próprio. Confira-se:
“ (…) 21. Em complementação dos argumentos expostos até aqui, é de
proveito uma análise da matéria à luz dos dois grandes vetores que regem o
sistema de previdência social no Brasil, aplicáveis tanto
ao regime geral
como ao regime
próprio.
(…)
23 (…) diante da aplicação subsidiária das normas do regime geral de
previdência social (art. 40, § 12, CF/88), o regime próprio também se sujeita
ao art. 195, § 5º, da CF/88, segundo o qual nenhum benefício ou serviço da
seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente
fonte de custeio total. É importante observar que, a despeito da Emenda
Constitucional nº 41/2003 ter reforçado o caráter solidário do regime, foi
mantida a natureza contributiva.
24. Algumas conclusões podem ser obtidas desses parâmetros normativos. Embora
o duplo caráter do regime próprio de previdência confira ao legislador razoável
margem de livre apreciação para a sua concreta
configuração, o dever de harmonizar
as suas dimensões solidária e contributiva impõe o afastamento de soluções
radicais. Assim, o caráter solidário do sistema afasta a existência de uma
simetria perfeita entre contribuição e benefício (como em um sinalagma),
enquanto a natureza contributiva impede a cobrança de contribuição
previdenciária sem que se confira ao segurado qualquer contraprestação, efetiva
ou potencial.
25. A matéria foi captada com maestria pelo Ministro Celso de Mello, na
interpretação equilibrada entre o art. 195, § 5º (que exige que o benefício tenha fonte de custeio), e o art. 201,
§ 11 (que prevê a relação
entre base de cálculo da contribuição e
benefício). Com efeito, ao julgar a ADC 8, averbou Sua Excelência:
[…] O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER
EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, §
5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE
CAUSA SUFICIENTE.
- Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração)
da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter
contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício.
A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício
põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver
contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina.
Precedente do STF. […] (ADC 8, Rel. Min. Celso de Mello, sublinhados acrescentados)
26. Note-se que essa lógica se aplica tanto ao regime geral de previdência
social quanto ao regime próprio.”
O fato de o sistema de previdência social - isso foi levantado, ontem, pelo eminente
Ministro NUNES MARQUES - reger-se pelo princípio contributivo, no qual não só a
percepção do benefício pressupõe a contribuição do segurado, reforça aqui a
necessidade ou a possibilidade de o
segurado poder optar pelo regime definitivo previsto pelo art. 29, quando esse
lhe proporcionar um salário de benefício mais favorável,
isso porque houve efetiva contribuição.
Vejamos, então, com mais vagar o conteúdo da
regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999.
Atente-se que, consoante consignado na exposição
de motivos da Lei
9.876/1999, a intenção do legislador, ao excluir as contribuições anteriores a julho de 1994, foi preservar
o valor das aposentadorias dos efeitos deletérios dos altos índices de inflação
do período anterior a tal marco e,
com isso, beneficiar principalmente os segmentos de menor renda. Se a
aplicação impositiva ao segurado da regra transitória inverte essa lógica, ao
lhe proporcionar um benefício menor do que aquele que faria jus pela regra
definitiva, fica claro que essa interpretação subverte a teleologia da norma.
É certo que a regra transitória é mais
benéfica àqueles que tiveram suas remunerações aumentadas no período mais
próximo da aposentadoria em virtude
da percepção de renda salarial mais elevada, com o consequente aumento no valor
das contribuições. No entanto, essa não é a realidade do segmento dos
trabalhadores com menor escolaridade que têm a trajetória salarial decrescente quando
se aproxima o momento de sua aposentadoria. Esses acabam, pela aplicação da
regra transitória, acabam - como acabaram - sendo duplamente penalizados.
Penalizados porque, em virtude de não terem a possibilidade de uma maior
escolaridade, terem decréscimo salarial com a idade, e penalizados porque os maiores valores de renda que
recebiam acabam sendo ignorados, excluídos da média geral. Isso fez com que
houvesse uma diminuição muito grande do valor a ser recebido.
A regra transitória visava alcançar uma maior
justiça social, mas acabou aumentando o fosso entre aqueles que ganham mais e
vão progredindo e, ao longo do tempo, ganhando mais, daqueles que têm mais dificuldades em virtude da menor
escolaridade e a sua média salarial
vai diminuindo. Acabou-se ampliando a desigualdade social e a distribuição de
renda, que não era essa hipótese prevista, inclusive, pelo legislador, como
salientei na exposição de motivos do próprio projeto de lei, que depois se
transformou na alteração legislativa.
Essa contingência foi muito bem observada pela
Ilustre Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, em seu voto vista. Pela percuciência, vale
conferir o seguinte trecho de sua manifestação (fls. 135-138, Vol. 3):
“Quanto
à ampliação do período contributivo, constante da regra permanente do art. 29
da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99 – que determina que o
salário-de- benefício seja calculado pela média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a todo o período contributivo,
multiplicada pelo fator previdenciário, no
caso das aposentadorias por idade e por tempo de contribuição –, visou ela
alcançar justiça social, favorecendo os trabalhadores com menor escolaridade e inserção menos
favorável no mercado de trabalho, que, via de regra, auferem salários com tendência de queda,
a partir dos 55 anos de idade. Com efeito, segundo
afirma a aludida Exposição de Motivos, "são os trabalhadores de maior escolaridade e inserção mais
favorável no mercado de trabalho os que auferem rendimentos mais elevados, à
medida em que aproximam das idades-limites de aposentadoria", e que
"a ampliação do período
computado para efeito de cálculo do valor dos benefícios é uma medida com forte
conteúdo de justiça social, que visa reduzir de maneira progressiva estas
vantagens auferidas pelos segmentos sociais mais favorecidos no momento de sua aposentadoria.
(...)
De fato, considerando que a previdência social constitui direito social,
e, nessa medida, garantia assegurada pela Constituição da República (art. 6º da
CF/88), não seria razoável ignorar toda a vida contributiva do segurado por
conta da regra de transição, na hipótese de a referida regra implicar menor
renda mensal inicial do benefício, em relação à aplicação da regra permanente.”
A doutrina também abona esse entendimento, no
sentido de que norma transitória não pode ser mais gravosa do que a regra
definitiva:
“Nos casos em que a regra transitória é prejudicial ao segurado, deve ser
aplicada a regra definitiva, prevista no art. 29, I da Lei 8.213/1991, com a
redação definida pela Lei 9.876/1999.
A lógica da norma de transição é minimizar os efeitos de novas regras
mais rígidas para aqueles filiados ao sistema, mais ainda não haviam adquirido
o direito de se aposentar pelas regras antes vigentes, mais benéficas.
Deve-se evitar um direito transitório, segundo o qual os segurados se
sujeitem a regras transitórias ainda mais gravosas que aquelas introduzidas
pela lei nova. É essa premissa lógica que merece ser considerada para efeito de
interpretação da regra estabelecida
no art. 3o. da Lei 9.876/1999 (JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS. Compêndio de Direito
Previdenciário. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 345).
A respeito do tema, são ilustrativas as lições
dos Professores CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI:
“Embora a Lei nº 9.7876/99 não tenha previsto expressamente, há que ser
entendido que o segurado poderá optar pela regra nova na sua integralidade, ou
seja, a média dos 80% maiores salários de contribuição de todo o período em que
contribuiu ao sistema e não apenas a partir de julho de 1994.
Como paradigma para essa interpretação podemos citar o artigo 9º da
Emenda Constitucional n. 20/98, que, ao alterar as regras de concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição
permitiu ao segurado optar pelas regras de transição ou pelas novas regras
permanentes do artigo 201 da Constituição.
Além disso, ao tratarmos de regras de transição no direito
previdenciário, sua estipulação é exatamente para facilitar a adaptação dos
segurados que já estavam contribuindo, mas que ainda não possuíam o direito
adquirido ao benefício. Portanto, não havendo direito adquirido à regra
anterior, o segurado teria sempre duas opções: a regra nova ou a regra de
transição, podendo sempre optar pela que lhe for mais benéfica.
Trata-se mais uma vez do reconhecimento do direito ao cálculo mais
vantajoso para o segurado, dentre as opções possíveis de período básico de
cálculo, desde que preenchidos os demais requisitos para a concessão da
prestação.
A ampliação do período básico de cálculo para todo o período contributivo
pode gerar um salário de benefício mais vantajoso em muitos casos, por exemplo:
- nos casos de aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial,
em que a aplicação do divisor mínimo de 60% do período decorrido da competência
julho de 1994 até a data de início do benefício, gera competência com salários
de contribuição zerados;
- hipóteses de segurados que aderiram a Planos de Demissão Incentivada e
reduziram os salários de contribuição no período que antecede a aposentadoria,
mas tem um um histórico de contribuição elevado (Manual de Direito
Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 601/602).
Ou seja, admitir-se que norma transitória
importe em tratamento mais gravoso ao segurado mais antigo em comparação ao
novo segurado contraria ao princípio da isonomia, que enuncia dever-se tratar
desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, a fim de
conferir-lhes igualdade material, nunca de prejudicá-los.
Entendo que se admitir que uma norma transitória, que foi clara e
especificamente editada para favorecer o segurado, acabe importando em um
tratamento mais gravoso ao segurado, ao segurado mais antigo, ao segurado com
menor escolaridade, ao segurado que ganha o menor valor, ou seja, admitir-se
aplicação dessa regra transitória, parece-me totalmente irrazoável.
Consequentemente, e foi essa a conclusão do
Superior Tribunal de Justiça, que se aplique, então, a regra definitiva. Não se
está aqui - e o Superior Tribunal de Justiça não o fez, e também aqui no meu
voto não o estou fazendo - inventando uma nova regra, ou misturando regras.
Não! Há uma regra definitiva, mas, olha, segurado, eu vou te favorecer com uma
transitória; se não favorecer, vamos aplicar, para garantir o princípio da
igualdade e diminuir as desigualdades, vamos aplicar para todos que pedirem a
regra definitiva.
Eu trago, aqui, a título de exemplo,
Presidente, Colegas, um caso concreto. Um dos casos da chamada "revisão da
vida toda", que corre na Justiça, e não é esse caso específico, do aposentado "X", 72 anos.
Vejamos essa situação que foi noticiada pela imprensa
(https://extra.globo.com/economia/supremo-marca-para-junho-
julgamento-da-revisao-da-vida-toda-do-inss-confira-simulacoes- 25035668.html):
“Um dos casos de "revisão da vida toda" que corre na Justiça é
o do aposentado L. C. F., de 72 anos. Ele contribuiu a vida toda sobre o teto
da Previdência Social, mas ao se aposentar, em 2014, as maiores contribuições
foram descartadas, e o benefício ficou em um salário mínimo. Acaso reconhecida
a revisão a sua aposentadoria será recalculada de forma a considerar todo o
valor que efetivamente contribuiu.”
Ele contribuiu a vida toda sobre o teto da
Previdência Social. Entretanto, ao se aposentar, em 2014, as maiores
contribuições foram descartadas, e o benefício ficou em um salário mínimo,
exatamente por conta deste corte
fictício que a lei estabeleceu. Se for reconhecida a revisão de sua
aposentadoria, essa será recalculada de forma a considerar todo o valor com que
efetivamente contribuiu.
Não se fere em nada aqui o cálculo atuarial. O recálculo não será
feito num valor arbitrado, imaginário. Não! O recálculo será feito de
forma a considerar todo o valor com que ele efetivamente contribuiu. Se
contribuiu, ele tem direito. E será feito sobre todo o valor com que ele
contribuiu, com base em quê? Com base no art. 29, que a própria legislação
estabeleceu.
Outros exemplos extraídos da mesma
fonte:
“Outro caso é da aposentada desde 2017, L.H.S.M., de 58 anos, que
reivindica a "revisão da vida toda" na Justiça. Sua aposentadoria, no
ano de 2020, era de R$ 3.317,55. Se for corrigida levando em conta as contribuições que foram descartadas, o
valor sobe para R$ 4.372,50, uma alta de 31,79%.”
Ou seja, essa norma de transição aparentemente
favorável a ela simplesmente subtraiu 31,79% da sua aposentadoria.
Aposentadoria com a qual ela efetivamente contribuiu durante toda a vida.
Ainda:
“Na situação de A.V.S., 72, que se aposentou em 2014 e recebeu um
benefício de R$ 2.865,86, acaso reconhecido seu direito à revisão, fará jus a
um aumento 30,82% sobre esse valor, que resultará na aposentadoria de R$ 3.749,21.”
Como aplicar uma regra transitória, que
efetivamente foi feita para melhorar a situação do segurado em relação à regra
definitiva, mas, nos casos concretos, ao se
calcular, perdem em torno de 30%,
principalmente, repito aqui, aqueles de menor escolaridade que, mais perto da
aposentadoria, passaram a ter uma contribuição menor?
Então, Presidente, na hipótese, se inexistisse
a regra transitória, se fosse aplicada só a regra definitiva - a regra
definitiva que passou a valer para todos aqueles que se aposentaram após 1999
-, nós teríamos uma situação mais igualitária entre todos os segurados, um
reconhecimento, uma proteção maior aos valores efetivamente contribuídos.
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento do
Tema 334 (RE 630501, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Redator para o acórdão Min. MARCO
AURÉLIO, Dje de 26/8/2013) assentou que o segurado tem direito ao melhor
benefício.
A tese desse paradigma foi assim fixada:
“Para o cálculo da renda
mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco
importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria,
respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.”
Nesse leading case, o
TRIBUNAL PLENO reafirmou que, em questões previdenciárias,
aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem
para inatividade. Esse entendimento já havia sido consolidado na ADI 3.104 (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Plenário, Dje de
25/3/2007).
Aduziu-se que, havendo a sucessividade de leis
no tempo, a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL reconhece ao segurado o direito
de escolher o benefício mais vantajoso, consideradas as diversas datas em que o
direito poderia ser exercido.
Pela pertinência, confiram-se os seguintes
trechos do voto condutor proferido na ocasião pela Ministra ELLEN GRACIE:
“(…) 4. Em matéria previdenciária, já está consolidado o entendimento de
que é assegurado o direito adquirido sempre que, preenchidos os requisitos para
o gozo de determinado benefício, lei posterior revogue o dito benefício,
estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha
critérios de cálculo menos favoráveis.
É que, nessas situações, coloca-se a questão da supressão, de um direito
já incorporado ao patrimônio do segurado e constitucionalmente protegido contra
lei posterior, que, no dizer do art.
5º, inciso XXXVI, da Constituição, não pode prejudicá-lo.
(...)
A jurisprudência é firme no sentido de que,
para fins de percepção de benefício, aplica-se a lei vigente ao tempo da
reunião dos requisitos. Dá-se aplicação, assim, ao Enunciado 359 da
Súmula do Tribunal: Ressalvada a revisão
prevista em lei os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao
tempo em que o militar, ou o servidor
civil, reuniu os requisitos necessários. Sua redação está
alterada em conformidade com o decidido no RE 72.509, em que foi destacado que
o fato de o segurado não haver requerido
a aposentadoria não o faz perder seu direito.
Embora elaborada a partir de casos relacionados a servidores públicos,
aplica-se a toda a matéria previdenciária, conforme já reconhecido por este
tribunal por ocasião do julgamento do RE 243.415-9, relator o Min. Sepúlveda Pertence:
(...) a Súmula se
alicerçou em julgados proferidos a respeito da aposentadoria de
funcionários públicos; mas a orientação que o
verbete documenta não responde a problema que diga respeito a peculiaridade do
seu regime e sim aos da incidência da garantia constitucional do direito
adquirido.
(…)
5 O que este Supremo Tribunal Federal não reconhece é o direito adquirido
a regime jurídico, ou seja, não considera abrangido pela garantia
constitucional a proteção de simples expectativas de direito.
Também não admite a combinação dos aspectos mais benéficos de cada lei
com vista à criação de regimes híbridos.
O regime previdenciário tem cunho contributivo, de modo que as
contribuições vertidas repercutem no valor do benefício, juntamente com outras
circunstâncias como a idade e a expectativa de vida.
Mesmo antes de a aposentadoria passar a ser um benefício concedido por
tempo de contribuição, de seu cálculo passar a considerar a média aritmética
simples dos maiores salários-de- contribuição correspondentes a oitenta por
cento de todo o período contributivo e, ainda, de estar sujeito ao fator
previdenciário (índice calculado com base na idade, expectativa de sobrevida e
tempo de contribuição), já se exigia do segurado não apenas tempo de serviço,
mas também um período de carência (número de contribuições), sendo o benefício
calculado com base nas últimas trinta e seis contribuições.
A opção por permanecer em atividade, portanto, sempre implicou a
possibilidade de exercer o direito à aposentadoria mediante o cômputo também
das contribuições vertidas
desde o cumprimento dos requisitos mínimos
para a aposentação até a
data do desligamento do emprego ou do requerimento. Tal custeio adicional após
a obtenção do direito à aposentadoria proporcional mínima ou mesmo após a
aquisição do direito à integralidade sempre foi e é considerado por ocasião do
cálculo e deferimento do benefício de aposentadoria.
Embora seja, via de regra, vantajoso para aquele que permaneceu na ativa
ter contribuído ao longo de mais alguns meses ou anos, pode não sê-lo em
circunstâncias específicas como a da redução do seu salário-de-contribuição, com
influência negativa
no cálculo da renda mensal
inicial.
Em tais casos, mesmo que a diminuição não decorra de lei,
mas dos novos elementos considerados para o cálculo do benefício, impende
assegurar-se o direito adquirido ao melhor benefício possível.”
Logo, à luz desse precedente, ressai que, na
presente hipótese, se inexistente a regra transitória, o art. 29 da Lei
8.211/1991, na redação que lhe conferiu a Lei 9.876/1999 – regra definitiva,
seria norma aplicável ao segurado que reuniu os requisitos para aquisição do
benefício durante a sua vigência. Segundo essa regra, todo o período
contributivo deve ser considerado no cálculo.
No entanto, havendo a regra transitória, como
há, está deve ser interpretada de forma a assegurar o direito ao melhor
benefício. Ou seja, o segurado que
teve contribuições maiores no período antecedente a julho de 1994, pode optar
pela regra definitiva haja vista ser essa que vai lhe conferir um valor maior
de aposentadoria.
Não corresponde à realidade, a meu ver, com
todo respeito às posições em contrário, o argumento de que a lei nova não
agravou a situação dos segurados que já estavam filiados ao RGPS antes de
novembro de 1999, na medida em que a redação original do art. 29 da Lei 8.213/1991 previa que os últimos
salários de contribuição eram apurados até o
máximo de 36 (trinta e seis), em período não-superior a 48 (quarenta e oito) meses, o que fazia
retroagir o período básico de cálculo (PBC) até no máximo 1995, enquanto, pela
regra transitória da Lei 9.876/1999, ampliou esse período para retroagir até
julho de 1994.
A lei de transição só será benéfica para o
segurado que computar mais e maiores contribuições no período posterior a 1994,
caso em que descartará as contribuições menores no cálculo
da média. Neste caso, sim, a norma transitória cumpre o seu
papel de produzir uma situação intermediária entre aquela prevista na
legislação revogada (cálculo da Renda Mensal Inicial
- RMI considerados apenas os últimos 36 salários de contribuição), que lhe era mais
benéfica, e a regra nova (que leva em conta todos os salários de contribuição,
excluídos os 20% menores), menos favorável neste caso.
Para o segurado que realizou melhores
contribuições antes de julho de 1994, a regra lhe é prejudicial, pois resulta
em um menor benefício.
Efetivamente, os segurados que reuniram os
requisitos para obtenção do benefício na vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com a
redação da Lei 9.876/1999, podem ter a sua aposentadoria calculada
tomando em consideração todo o período contributivo, ou seja, abarcando as
contribuições desde o seu início, as quais podem ter sido muito maiores do que
aquelas vertidas após 1994, em decorrência da redução salarial com a
consequente diminuição do valor recolhido à Previdência.
Havia uma legislação, veio a nova lei que
agravou, e uma norma transitória, cuja ideia
era fazer a ponte entre
a legislação passada
melhor e essa um pouco mais
dura. E há um argumento do INSS de que, na verdade, essa nova legislação não
agravou. Agravou! Nós sabemos que não há uma reforma previdenciária que não
agrave a situação do segurado. Até agora, por uma série de motivos, nós não tivemos nenhuma reforma previdenciária que melhore a situação do
segurado. Cada reforma previdenciária, seja constitucional, seja legal, sempre
piora a situação do segurado. Então, a lei nova agravou. Agravou na medida em que a redação original do art. 29
previa que os últimos salários de contribuição eram apurados até o máximo de 36
em período não superior a 48 anos, o que fazia uma retroatividade do período
básico de cálculo. Então, a lei anterior era mais benéfica. A norma de
transição, como me referi anteriormente, repito, só será benéfica para o
segurado que computar mais e maiores contribuições no período posterior a 94. Só
a esses; não aos demais que, na verdade, são a grande maioria dos segurados que
não entra nessa hipótese. A grande maioria dos segurados que contribuíam antes
da alteração legislativa de 99, essa grande maioria acabou efetivamente sendo
prejudicada.
Eu até acredito - porque acredito na boa fé do
INSS e do legislador - que foi um erro essa regra de transição naquele momento,
porque somente os salários mais
altos, cuja contribuição aumentava perto da aposentadoria, é que se
beneficiaram com a regra de transição. Todos, todos os mais baixos, os
menores valores foram prejudicados. Então, aqui eu não diria que é vedação a
retrocesso, aqui é uma regra de transição esdrúxula.
O INSS argumenta que o impacto financeiro
decorrente da aplicação da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça às
aposentadorias por tempo de contribuição seria de R$ 3,6 bilhões
para o ano de 2020;
R$ 16,4 bilhões para os últimos
cinco anos; R$ 26,4 bilhões
para o período de 2021 a 2029, sem considerar os impactos fiscais relacionados a outros
benefícios previdenciários, tais como pensão por morte, aposentadoria por idade e por invalidez.
Segundo afirma, existem 3.045.065
aposentadorias por tempo de contribuição ativas desde 2009 e, se metade delas
requerer a revisão, o custo operacional estimado, é de R$ 1,6 bilhão.
Com efeito, as cifras acima impressionam.
Todavia, deve se atentar que a tese do STJ somente irá beneficiar aqueles
segurados que foram prejudicados no cálculo da renda mensal inicial do
benefício, pela aplicação da regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999, na
hipótese de terem recolhido mais e maiores contribuições no período anterior a
julho de 1994.
Ou seja, a regra definitiva é benéfica para
aqueles que ingressaram no sistema antes de 1994, e que recebiam salários mais
altos em momentos mais distantes em comparação com os salários percebidos nos
anos que antecederam a aposentadoria, pois naquele primeiro período vertiam
contribuições maiores para o INSS. Assim,
as contribuições mais longínquas, quando computados no cálculo da
aposentadoria, resultam em um
benefício melhor.
Para o segmento da população com mais
escolaridade, a lógica se inverte, pois estes começam recebendo salários
menores que vão aumentando ao longo da vida. Portanto, para esses, a revisão da
aposentadoria não se apresenta como uma escolha favorável.
Em conclusão, Presidente, parece-me que negar
a opção pela regra definitiva, tornando a norma transitória obrigatória aos que
ser filiaram ao RGPS antes de 1999,
além de desconsiderar todo o histórico contributivo, o que já fere a própria
ideia de aposentadoria, em detrimento
do segurado, causa-lhe prejuízo em frontal colisão com o sentido da norma
transitória, que é justamente a preservação do valor dos benefícios
previdenciários.
Ao aplicar a norma transitória para todos, nós
teríamos ainda mais uma desigualdade. Aqueles que ganham mais, aqueles que
passaram, com o tempo, a contribuir
mais porque ganharam mais, esses vão ser beneficiados. Os que mais necessitam e
que, com o tempo, passaram a ganhar menos, em virtude da menor escolaridade,
esses vão ter quase 30% dos seus
benefícios suprimidos. A própria regra de transição favorece quem já é mais
favorecido. Então não me parece que, ao não permitirmos que esse segurado
prejudicado possa optar pela regra definitiva, não me parece que estejamos de
acordo com os ditames constitucionais, a determinação do art. 3º, um dos
objetivos da República,
de diminuir as desigualdades, e o próprio
princípio da igualdade previsto no art. 5º da
Constituição Federal.
Com esse entendimento não se está criando
benefício ou vantagens previdenciárias, haja vista que o pedido inicial é para
serem consideradas as contribuições previdenciárias efetivamente recolhidas em
momento anterior a julho de 1994.
(ii) deve-se observar o quadro
mais favorável ao beneficiário; conclui- se
que:
o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de
26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas
pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito
de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável.
O segurado filiou-se ao RGPS em 1976 e requereu o benefício de sua
aposentadoria em 2003, sob a vigência do art. 29 da Lei 8.213/1991, com redação da Lei 9.876/1999, e antes da EC 103/2019.
O benefício da sua aposentadoria foi calculado
segundo a regra transitória do art. 3º da Lei. 8.213/1991, o que resultou
em um valor de R$ 1.493,59. Se fosse aplicada no cálculo
a regra definitiva, seus proventos seriam de R$ 1.823,00. Ou seja, mostra que
houve efetivo prejuízo a esse segurado.
No Superior Tribunal de Justiça, deu-se
provimento ao Recurso Especial do segurado, para reconhecer-lhe o direito de
opção pela regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na
apuração do salário de benefício, por lhe ser mais favorável do que a regra de transição
contida no art. 3º da Lei 9.876/1999.
Em virtude disso, no caso concreto, o Recurso
Extraordinário do INSS deve ser desprovido.
Assim, nos termos
da fundamentação aqui desenvolvida, deve-se
reconhecer o direito
de opção pela regra definitiva do art. 29 da Lei 8.213/1991.
Obrigado, Presidente.
Fixo a seguinte tese:
“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário
após a vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, e antes da vigência
das novas regras constitucionais introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a
regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva,
acaso esta lhe seja mais favorável”.
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