INSS PAGA DANOS MORAIS POR CORTAR BENEFÍCIO DE APOSENTADO

 

ERRO EM CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO DO INSS GERA DANO MORAL PREVIDENCIÁRIO / O cancelamento indevido de um benefício pago pelo INSS sem o devido cuidado é suficiente para causar dano moral previdenciário. Com esse entendimento, o juiz Narciso Leandro Xavier Baez, da 2ª Vara Federal de Chapecó (SC), condenou a autarquia a pagar R$ 5 mil a uma pessoa aposentada por invalidez. VEJA A DECISÃO A SEGUIR:



 Poder Judiciário

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária de Santa Catarina

2ª Vara Federal de Chapecó

 

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PROCEDIMENTO       DO     JUIZADO       ESPECIAL         CÍVEL              Nº 5010686-70.2022.4.04.7202/SC

AUTOR: CELSO VARGAS

ADVOGADO(A): CARLOS CESAR MACEDO REBLIN (OAB SC017392)

RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

 

SENTENÇA

 

I - RELATÓRIO

Dispensado o relatório (art. 38 da Lei nº 9.099-1995).

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Trata-se de ação em que o autor pretende a condenação da ré ao pagamento de danos morais derivados de alegada má prestação de serviço no valor de R$ 15.000,00, sob o argumento de que sofreu abalo ao ter seu benefício cancelado indevidamente.

 

Responsabilidade civil do Estado

 

A teoria da responsabilidade objetiva foi acolhida pelo ordenamento jurídico brasileiro, aplicando-se, sobretudo, às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviço público, que respondem objetivamente pelos danos causados por seus agentes, assegurado o direito de regresso, a teor do que preceitua o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:

 

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

 

Portanto, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviço público tem como pressupostos: (a) a existência de uma ação comissiva ou omissiva qualificada juridicamente; (b) a ocorrência de um dano patrimonial ou moral causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou de terceiro por quem o imputado responde; e (c) o nexo de causalidade entre o dano e ação.

 

A responsabilidade só será afastada quando não houver causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido, ou seja, o fato tenha decorrido de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou tenha derivado de caso fortuito ou força maior.

 

Do Dano Moral

 

Enquanto lesão a um interesse não patrimonial, o dano moral já há muito tempo foi reconhecido pela doutrina e jurisprudência, inclusive consagrado pela CF/88 (art. 5º, V e X) e tendo também, com a vigência do novo CC, previsão em norma infraconstitucional (art. 186).

 

A indenização por danos morais é uma compensação de prejuízos psíquicos, como desgostos, vexames, dores físicas, luto, perda de reputação ou prestígio, insuscetíveis de avaliação pecuniária stricto sensu, porque não atingem o patrimônio material.

 

Porém, não é qualquer incômodo, aborrecimento ou tristeza que dá ensejo à reparação por danos morais: o dano moral indenizável é aquele que afeta os direitos da personalidade.

 

São aqueles direitos que a pessoa tem para defender o que é seu, como a vida, a integridade, a liberdade, a sociabilidade, a honra, a privacidade, a autoria, a imagem e outros, todos com fundamento na dignidade da pessoa humana.

 

Cabe, em suma, aferir caso a caso a medida em que o ato em cotejo tenha agredido psicologicamente a suposta vítima, para que se possa ter efetivamente configurado - ou não - o dano moral.

 

Do Caso Concreto

 

No caso dos autos restou suficientemente demonstrado que a suspensão do benefício previdenciário do autor ocorreu por equívoco do INSS. Na perícia realizada junto ao feito judicial o perito referiu que o autor possui incapacidade multiprofissional e que não possui condições de reabilitação profissional em razão do baixo nível de escolaridade e da idade (evento 1- OUT8).

 

O benefício de aposentadoria por invalidez era pago desde o ano de 2004, ou seja, há cerca de 14 anos quando ocorreu a revisão e cancelamento.

 

Verifica-se na descrição d perícia que o médico ressaltou que o autor tinha dificuldades, mas que não haviam exames ou registros médicos recentes e que o exame físico estava prejudicado.

 

O INSS não pleiteou que autor atualizasse seus exames antes de concluir pela capacidade laborativa, nem tampouco levou em consideração as condições pessoais do autor e o longo tempo de benefício alimentar, cujo cancelamento traria prejuízos incontáveis ao autor.

 

Desta forma, restou comprovada a falha do serviço prestado pela autarquia.

 

E o INSS deixou de comprovar que a falha no serviço tenha se dado por culpa exclusiva do autor, de terceiros ou de caso fortuito ou força maior.

 

Acerca da responsabilidade do INSS e de ser devido o pagamento de indenização                     por danos                       morais                  quando              da cessação indevida de benefício previdenciário, já se manifestou o STJ :

 

PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CESSAÇÃO INDEVIDA DE AUXÍLIO-ACIDENTE POR ERRO NA IDENTIFICAÇÃO DO ÓBITO DE HOMÔNIMO DO BENEFICIÁRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. 1. A irresignação do INSS se restringe, basicamente, ao entendimento perfilhado pelo acórdão de origem de que a cessação indevida do benefício previdenciário implicaria dano moral in re ipsa, apontando divergência jurisprudencial em relação a precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que se exigira a prova do dano moral para autorizar sua indenização. 2. Não obstante o posicionamento dissonante entre os arestos colacionados pelo recorrente, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de dispensar a prova do sofrimento psicológico em inúmeros situações, a exemplo da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes (AgRg no AREsp 331.184/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 5/5/2014), da suspensão indevida do fornecimento de água por débitos pretéritos (AgRg no AREsp 484.166/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/5/2014), do protesto indevido de título (AgRg no AREsp 444.194/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 16/5/2014), da recusa indevida ou injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada (AgRg no AREsp 144.028/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 14/4/2014), entre outros. 3. No caso concreto, o acórdão de origem traz situação em que o INSS suspendeu o auxílio-doença em virtude da equivocada identificação do óbito de homônimo do autor. Nessas circunstâncias, é presumível o sofrimento e a angústia de quem, de inopino, é privado da sua fonte de subsistência mensal, e, no caso, o benefício previdenciário decorre de auxílio-acidente. 4. Agravo Regimental não provido. (AGARESP 201400562175, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:14/08/2014 ..DTPB:.) (grifo nosso).

 

Neste sentido também é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. DANO MORAL. REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Nas ações de natureza previdenciária, a condenação em danos morais é excepcional, não sendo cabível quando se trata de mero indeferimento de benefício na via administrativa, quando o INSS atua no exercício de suas atribuições, interpretando a legislação tomando decisões posteriormente sujeitas ao controle jurisdicional. 2. Quando nesta atuação, porém, fica evidenciado que a autarquia agiu de forma temerária, ao cancelar benefício assistencial vigente há anos, sem elementos minimamente consistentes para isso, causando prejuízos à subsistência daquele que já dependia do benefício, impõe-se reconhecer o direito aos danos morais, frente ao especial sofrimento causado. 3. Para caracterizar a ocorrência do dano moral não é necessário que haja o propósito deliberado de cancelar indevidamente o benefício. Considerando-se os graves efeitos da eventual supressão da condição econômica de subsistência do cidadão, exige-se do INSS cuidado redobrado ao pretender revisar atos de concessão de benefícios, especialmente de pessoas de baixa renda, devendo lastrear-se em profunda investigação dos elementos determinantes, não sendo suficiente o mero reexame da prova considerada suficiente para a anterior implantação. 4. O arbitramento do dano moral deve buscar reparar o sofrimento causado, sem, contudo, significar enriquecimento excessivo, e, ao mesmo tempo, representar um alerta pedagógico ao violador do direito, buscando alcançar efeitos compensatório e dissuasório. 5. Considerando a evidência e a total falta de justificativa para o erro do INSS, bem como o sofrimento causado ao beneficiário, o valor da indenização vai fixado no correspondente ao total das parcelas vencidas desde a indevida suspensão do benefício até a data em que cumprida a antecipação da tutela deferida em juízo. (TRF4, AC 5000556-55.2018.4.04.7139, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 12/11/2019) (grifo nosso).

 

 

ADMINISTRATIVO. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ATRASO

 

NA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCUMPRIMENTO DE COISA JULGADA PELO INSS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. DANO MORAL - CABÍVEL. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88). O simples indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, não se prestam para caracterizar dano moral. Somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou equivocado por parte da Administração, já que a tomada de decisões é inerente à sua atuação. Inexistindo justificativa do INSS para demora em cumprir a ordem judicial transitada em julgado que determinou a implantação do benefício de amparo assistencial, fica demonstrado que o ato estatal foi o causador da restrição de recebimento de verba alimentar por parte da autora, o que transpõe meros aborrecimentos e dissabores do cotidiano. Comprovada a responsabilidade do INSS pelos danos decorrentes da não implantação do benefício previdenciário, cabível a indenização por danos morais. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. (grifou-se) (TRF4, AC 5002879-87.2013.404.7210, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 26/05/2015) (grifei).

 

  Verificados, assim, o nexo causal e a responsabilidade do INSS quanto ao ocorrido, sendo desnecessária qualquer avaliação subjetiva quanto à conduta da autarquia, vez que se trata de responsabilidade objetiva, assentada sobre o art. 37, §6º, da Constituição Federal.

 

A ocorrência do dano moral evidencia-se pela própria natureza da verba subtraída. Os benefícios previdenciários consubstanciam-se verba alimentar, destinada, portanto, à própria subsistência da beneficiada. Deparar-se com a ausência de seus valores em data que habitualmente são depositados é suficiente para que se vislumbrem aflições à pessoa.

 

Ademais, o autor teve seu nome inscrito em cadastros de inadimplência e se viu exposto a grandes constrangimentos.

 

Do Valor do Dano Moral

 

Não há parâmetros legais definidos para a fixação de indenização decorrente de dano extra patrimonial. Não se trata de reparação efetiva, mas de compensação, já que é imensurável monetariamente o abalo psicológico sofrido pelo lesado.

 

É cediço que a indenização por dano moral, além de prestar uma satisfação em relação à vítima, sem fomentar um enriquecimento sem causa, também tem caráter punitivo e pedagógico em relação ao autor da infração, no sentido de que a indenização deve ser uma forma de inibir novas práticas da espécie.

 

A jurisprudência vem adotando esse entendimento, com a indicação de que o magistrado deve estar atento aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, e observar as circunstâncias do caso concreto, como por exemplo, as capacidades econômicas do ofensor e do ofendido, a extensão do dano e o caráter pedagógico da indenização.

 

Na presente ação, é certo que a autora experimentou desagrado, incômodo ao ter que buscar o Judiciário para enfim ter seu pedido apreciado, além de sofrer com a suspensão do benefício, situação que extrapola o mero aborrecimento, em vista da natureza alimentar da verba.

 

Dessa forma, considerando os fatos ocorridos, e à míngua de demais dados, fixo o dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), quantia esta que é suficiente para desestimular a reiteração do ato e, em contrapartida, não configura enriquecimento sem causa da autora.

 

Juros e correção monetária

 

A contar do evento danoso (dezembro de 2019) deverá incidir O IPCA-E até 08/12/2021, quando deverá incidir a taxa SELIC a título de atualização monetária e juros de mora, em conformidade com o art. 3º, da Emenda Constitucional 113/21 (09/12/2021):

 

Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

 

Registro que a fixação da indenização em valor inferior ao pretendido não acarreta a sucumbência da parte autora, uma vez que a quantia apontada na inicial deve ser entendida como mera estimativa. Neste sentido:

 

III - DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS ao pagamento de danos morais ao autor no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos conforme exposto na fundamentação.

 

Sem custas e honorários advocatícios (art. 55, caput, da Lei n. 9.099/95).

 

Publicada e registrada eletronicamente.

 


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