STF reconhece a existência de repercussão geral em
recurso que discute se o MP tem legitimidade para propor ação civil pública em
defesa de diretos relacionados ao Fundo de Garantia.
“A matéria, portanto, tem natureza constitucional e, por envolver as
funções institucionais do Ministério Público, é dotada de evidente relevância
jurídica e social”, destacou o relator ao se manifestar pelo
reconhecimento da repercussão geral. A decisão do Plenário Virtual foi unânime.
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
643.978 DISTRITO FEDERAL
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
RECTE.(S): CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
ADV.(A/S): PEDRO JORGE SANTANA PEREIRA
RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
EMENTA PARA CITAÇÃO
PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
MINISTÉRIO PÚBLICO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO PARA A VEICULAÇÃO PRETENSÃO QUE ENVOLVA O FUNDO
DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO (FGTS). INTERPRETAÇÃO DO ART. 1º,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.347/85 EM FACE DA DISPOSIÇÃO DO ART. 129, III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
1. Possui repercussão geral a
questão relativa à legitimidade
do Ministério Público para a propositura de ação civil pública que veicule
pretensão envolvendo o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
2. Repercussão geral reconhecida.
Decisão:
O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão.
O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da
questão constitucional suscitada.
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator
17/09/2015 PLENÁRIO REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO 643.978 DISTRITO FEDERAL
Decisão:
1. Trata-se de recurso extraordinário
interposto em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF)
em face da Caixa Econômica Federal (CEF).
Alega o MPF, em suma, que os trabalhadores beneficiários do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) estão sendo lesados pela CEF, que
tem aberto uma conta vinculada para cada relação empregatícia.
Aduz que o correto, de acordo com a lei, é que o trabalhador
possua uma única conta de FGTS durante toda a vida profissional.
Sustenta, ademais, sua legitimidade ativa para a
causa e a possibilidade jurídica do pedido, asseverando a inconstitucionalidade
do art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, que veda o uso da ação civil
pública para veicular pretensões que envolvam o FGTS.
Ao final, pleiteia-se, em síntese,
(a) a declaração incidental de
inconstitucionalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, com a
redação dada pela MP 2.180-35/01;
e (b) a condenação da requerida em obrigação de
fazer consistente na (I) liberação
de todas as contas vinculadas em nome do titular, nas hipóteses de movimentação
do art. 20, I, II, IX e X, da Lei 8.036/90; ou (II) adoção do regime
de conta única por
trabalhador, para os atuais e futuros integrantes do regime do FGTS, reunindo os
depósitos das diversas contas titularizadas por um mesmo trabalhador em sua
conta atual ou mais recente.
O pedido foi julgado procedente por sentença ementada nos
seguintes termos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FGTS. SISTEMA DE MÚLTIPLAS
CONTAS. PREJUÍZO
PARA O TRABALHADOR EM ALGUMAS HIPÓTESES DE SAQUE PREVISTAS NO ART. 20 DA LEI N.
8.036/90. NECESSIDADE DE ADOÇÃO DO SISTEMA DE CONTA ÚNICA.
LEGITIMIDADE DO MPF PARA PROPOSITURA DA DEMANDA. INCONSTITUCIONALIDADE DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 1º DA LEI N. 7.347/85. ACOLHIMENTO DO PEDIDO PARA
DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CONTA ÚNICA. EFEITOS ERGA OMNES DA
SENTENÇA. (e-STJ, fl. 110)
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da
5ª Região, por maioria, deu
provimento à apelação interposta pela CEF para extinguir a causa sem julgamento
de mérito, tendo em vista que
(a) o art.
129 da Constituição Federal confere ao Ministério Público a função de promover
a ação civil pública em prol da proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (e-STJ, fl. 247); e
(b) possuindo o interesse perseguido nesta demanda
reforma do sistema de contas relativas ao FGTS natureza homogênea e disponível,
inadequada a via eleita para a tutela perseguida (e-STJ, fl. 247).
Opostos embargos infringentes, o Plenário do TRF da 5ª
Região deu provimento
recurso para declarar a viabilidade do manejo da ação civil pública pelo
Ministério Público e determinar o retorno dos autos à Turma, para fins de
continuidade do julgamento (e-STJ, fl. 292).
Na ocasião, o Pleno do Tribunal de origem
consignou que (a) o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública
na defesa de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis, desde que
possuam conotação social ou tenham repercussão social (e-STJ, fl. 291); e (b) o
parágrafo único, do art. 1º, da Lei n. 7.347/85, na redação da MP n.
2.180-35/2001, deve ser lido de conformidade com a Constituição (…), não
havendo necessidade de arguição de incidente de inconstitucionalidade (e-STJ,
fl. 292).
Os embargos de declaração opostos foram parcialmente acolhidos,
para que fossem sanados erros materiais. No recurso extraordinário, a Caixa Econômica Federal
sustenta, preliminarmente, a existência de repercussão geral da matéria,
conforme estabelece o art. 543-A, § 2º, do CPC, porquanto o acolhimento da
pretensão veiculada na
ação civil pública acarretará danos ao FGTS.
Alega que a interpretação conforme a Constituição
equivale à própria declaração de inconstitucionalidade da norma.
Assevera, ademais, que não há incompatibilidade
entre o art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, na redação dada pela MP
2.180-35/01 e o art. 129 da Constituição Federal. Requer, por fim, o provimento
do recurso extraordinário para que seja reconhecida a constitucionalidade do
art. 1º da Lei 7.347/85, decretando-se a extinção do processo por falta de
interesse de agir, decorrente da inadequação da via processual eleita.
Em contrarrazões, a parte recorrida postula o desprovimento do recurso.
O recurso extraordinário foi admitido na origem e determinada
sua remessa a esta
Corte como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-B, § 1º,
do CPC.
Do mesmo modo, o recurso especial foi admitido como
representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C, § 1º, do CPC (e-STJ, fl. 426).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça deixou de
conhecer do apelo ao entendimento de que a matéria possui natureza
constitucional.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento do recurso
extraordinário, ao entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para a tutela
dos interesses individuais homogêneos relativos ao FGTS, que
constitui patrimônio social e individual coletivo dos trabalhadores brasileiros
(fl. 1, doc. 6).
2. O art. 1º, parágrafo único, da
Lei 7.347/85, na redação dada pela MP 2.180-35/01, dispõe o seguinte:
Art. 1º (…) Parágrafo único. Não será cabível ação civil
pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições
previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou
outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser
individualmente determinados.
Como se vê, o dispositivo veda expressamente o uso da ação civil pública para
veicular pretensões relacionadas ao FGTS. Não obstante, o Plenário
do TRF5 entendeu cabível a utilização da via processual, afastando, com base em
fundamento constitucional, a aplicação do texto normativo supracitado. Vejam-se
as razões do acórdão recorrido:
O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na
defesa de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis,
desde que possuam conotação social ou tenham repercussão social, diversamente
do que se considerou no voto vencido.
Nesse sentido, informativo do STF (n. 488), desta data
(21.11.2007), traz a transcrição de voto proferido pelo Ministro Celso de
Mello, nos autos do RE
472.489/RS: Direitos individuais homogêneos. Segurados da Previdência
Social. Certidão parcial de tempo de serviço. Recusa da autarquia
previdenciária. Direito de petição e direito de obtenção de certidão em
repartições públicas. Prerrogativas jurídicas de índole eminentemente
constitucional. Existência de relevante interesse social. Ação civil pública.
Legitimação ativa do Ministério Público. Doutrina. Precedentes. Recurso
Extraordinário improvido.
Diante da posição adotada pelo STF, o Ministério Público Federal detém
legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública contra a CEF, através
da qual, discutindo a própria sistemática de organização do fundo, objetiva-se
tratamento unificado ou unificação das contas vinculadas de FGTS dos
trabalhadores, estando caracterizado direito individual homogêneo com forte
conotação social,
a) seja em
vista do regime legal a que submetido fundo público de poupança compulsória,
cujos recursos de titularidade dos empregados, se destinam, outrossim, a
programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana,
b) seja
pela dimensão do FGTS (são, segundo registros de final de 2006, mais de 500
milhões de contas, com arrecadação de mais de R$ 36.500.00 0 mil),
c) seja,
sobretudo, porque o FGTS é direito social, inscrito no inciso III, do art. 7º,
a CF/88, constituindo-se, segundo entendimento pacífico, direito fundamental.
(…)
O parágrafo único, do art. 1º, da Lei n. 7.347/85,
na redação da MP 2.180-35/2001, deve ser lido de conformidade com a
Constituição (confira-se o RE 472489/RS), não havendo necessidade de arguição de
incidente de inconstitucionalidade. Ao vedar o ajuizamento de ação civil
pública, no tocante a pretensões relacionadas com o FGTS, o dispositivo buscou
apenas evitar a vulgarização da ação coletiva, especialmente pelo seu manejo
incorreto para fins de simples movimentação ou discussão de hipóteses de saque
de contas fundiárias, ao sabor de interesses individualizados.
In casu, o que está em discussão é a
própria sistemática de um fundo público (não pretensões diluídas), de dimensões
humanas e financeiras grandiosas, que concretiza um direito fundamental,
viabilizando-se a propositura da ação civil pública.
Com essas considerações, dou parcial provimento aos
embargos infringentes, para, a par de reconhecer a
constitucionalidade do art. 1º, da Lei n. 7.347/85 (…), declarar a viabilidade
do manejo da ação civil pública pelo Ministério Público, determinando o retorno
dos autos à Turma, para fins de continuidade do julgamento. (e-STJ, fls.
291/292)
Submete-se
ao Supremo Tribunal Federal a análise da compatibilidade entre o
disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85 e no art. 129 da
Constituição Federal, cujo inciso III confere ao Ministério Público a
atribuição de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos. Em hipóteses semelhantes, relativas à ação civil pública
em matéria tributária, o Plenário Virtual reconheceu a repercussão geral dos
temas submetidos à sua apreciação. Confiram-se:
DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO INTERPOSTA EM FACE DE
SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE DISCUTE MATÉRIA TRIBUTÁRIA
(DIREITO DOS CONTRIBUINTES À RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS À TÍTULO DE TAXA DE
ILUMINAÇÃO PÚBLICA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL). ILEGITIMIDADE
ATIVA “AD CAUSAM” DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
DEDUZIR PRETENSÃO RELATIVA À MATÉRIA TRIBUTÁRIA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
DA CORTE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. (ARE 694.294-RG, Rel. Min. LUIZ FUX,
DJe de 17/5/2013, Tema 645)
LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. NULIDADE DE ACORDO PARA PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO. DETRIMENTO DO
PATRIMÔNIO PÚBLICO E DA ORDEM TRIBUTÁRIA. REPERCUSÃO JURÍDICA. (RE 576.155-RG,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 1/8/2008, Tema 56)
A matéria, portanto, tem natureza constitucional e, por
envolver as funções institucionais do Ministério Público, é dotada de evidente
relevância jurídica e social. Desse modo, o reconhecimento da repercussão geral é medida que se impõe.
3. Diante do exposto, manifesto-me
pela existência de
repercussão geral da questão suscitada.
Brasília, 28 de agosto de 2015.
Ministro Teori Zavascki
Relator
Documento assinado digitalmente
PRONUNCIAMENTO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CABIMENTO – FGTS –
ARTIGOS 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.347/85 E 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.
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