...ex-empregado da Companhia Estadual de Geração e
Transmissão de Energia Elétrica (CEEE) do Rio Grande do Sul que pretendia receber férias em
dobro em razão de seu fracionamento. O pedido se baseava em
norma da CLT, revogada pela Reforma Trabalhista, que estabelecia que, no caso
de empregados menores de 18 anos e maiores de 50, como seu caso, as férias
deveriam ser concedidas de uma só vez. Mas, para a Turma, a previsão é
inconstitucional, por criar uma distinção injustificável entre trabalhadores.
PROCESSO Nº TST-AIRR-21391-80.2016.5.04.0012 (8ª Turma)
ACÓRDÃO PARA CITAÇÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – FÉRIAS – FRACIONAMENTO IRREGULAR
– EMPREGADO MAIOR DE 50 (CINQUENTA) ANOS – ART. 134, § 2º, DA CLT – DISPOSITIVO
NÃO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
O § 2º do
art. 134 da CLT, atualmente revogado, não foi recepcionado pela Constituição de
1988, uma vez que não guarda compatibilidade material com os princípios da
isonomia e da não-discriminação (arts. 5º, caput, e 7º, XXX, da Constituição),
além de atentar contra “os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa” (art. 1º, IV, da Constituição) e contra o
objetivo fundamental da República de “promover o bem de todos, sem preconceitos de idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). (art.
1º, IV, da Constituição) e contra o objetivo fundamental da República de “promover o bem de todos, sem
preconceitos de idade e quaisquer outras formas de discriminação”
(art. 3º, IV). A norma, anterior à nova ordem constitucional, impõe uma
distinção anacrônica e injustificável entre trabalhadores.
Agravo de Instrumento a que se nega
provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Agravo de Instrumento em Recurso
de Revista n° TST-AIRR-21391-80.2016.5.04.0012,
em que é Agravante JOSÉ EMÍLIO SOARES e Agravada COMPANHIA ESTADUAL DE
GERAÇÃO E TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE - GT.
O Reclamante interpõe Agravo de Instrumento (fls. 366/381) ao
despacho de fls. 362/363, que negou seguimento ao Recurso de Revista (fls.
340/349).
Contraminuta, às fls. 392/396.
O D. Ministério Público do Trabalho não foi
ouvido, nos termos regimentais.
É o relatório.
VOTO
Reconheço, de
plano, a transcendência das questões articuladas, nos termos do art. 896-A, da CLT.
I – CONHECIMENTO
Conheço do
Agravo de Instrumento, porque satisfeitos os requisitos extrínsecos de
admissibilidade.
II – MÉRITO
O Tribunal Regional deu provimento ao Recurso
Ordinário da Reclamada para julgar improcedente a Reclamação Trabalhista, aos
seguintes fundamentos:
Na
inicial, o autor disse que foi admitido em 08/07/1985 e despedido em
28/03/2016. Afirmou que suas férias sempre eram fracionadas indevidamente,
conforme observa através do documento “Ficha de férias” e que a prática
é vedada pela CLT. Destacou que “Tendo em vista o fracionamento indevido de
férias deverá nos termos do artigo 137 e 134 da CLT ser efetuado o pagamento
das férias de forma dobrada”.
O próprio
autor trouxe “ficha de férias”, da qual verifico que os períodos
concedidos foram de 10 e de 20 dias, conforme o Id d4ae51e, observado o período
imprescrito.
A
reclamada defendeu-se. Apresentou documentação (aviso de férias, cartões ponto,
fichas financeiras), a partir do Id e574adb, que demonstra os períodos de gozo
nesse sentido. Também os documentos vindos a partir do Id 2e059f9
demonstram que o reclamante usufruiu férias com períodos de 10 ou de 20 dias.
A causa
de pedir da inicial consiste apenas no fracionamento das férias.
Nesse
caso, quanto ao fracionamento em períodos não inferiores a dez dias, adoto o
entendimento da Súmula nº 77 deste Tribunal Regional (“FÉRIAS. FRACIONAMENTO.
REGULARIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. O fracionamento das férias, em períodos não
inferiores a 10 (dez) dias, é válido, ainda que não demonstrada a
excepcionalidade a que alude o artigo 134, § 1º, da CLT”).
Dessa
forma, dou provimento ao recurso da reclamada para absolvê-la da condenação.
Resulta
prejudicado o exame das razões recursais quanto aos honorários advocatícios.
Ainda,
reverto ao reclamante o ônus quanto às custas processuais. Observo que a
sentença não analisou o pedido do autor de concessão do benefício da justiça
gratuita.
De
ofício, nos termos do art.
790, § 3º, da CLT, observada a declaração de miserabilidade
jurídica, contida na petição inicial, concedo o benefício da Justiça Gratuita
ao autor. Assim, resulta o reclamante dispensado do ônus quanto às custas
processuais. (fl. 314 – destaques acrescentados)
No julgamento dos Embargos de Declaração, o Eg. TRT
consignou:
Destaco
que o acórdão adotou, de forma expressa, o entendimento vertido na Súmula 77
deste Regional com relação ao fracionamento das férias (“FÉRIAS. FRACIONAMENTO.
REGULARIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. O fracionamento das férias, em períodos não
inferiores a 10 (dez) dias, é válido, ainda que não demonstrada a
excepcionalidade a que alude o artigo 134, § 1º, da CLT”). Sendo assim, a decisão indica
que tal fracionamento alcança, inclusive, trabalhadores com mais de cinquenta anos
de idade, caso do autor. Inexiste, portanto, na decisão
embargada, contradição, obscuridade ou omissão. (fl. 335 – destaques
acrescentados)
Em Recurso de Revista, o Reclamante alegou
que houve o fracionamento indevido de férias. Sustentou que, para pessoas com mais de 50
(cinquenta) anos, como na hipótese, a empresa deve conceder 30 (trinta) dias
corridos de férias ou 20 (vinte) dias com a venda de 1/3 (um terço).
Afirmou que não houve comprovação
da situação de excepcionalidade, tendo a Reclamada inclusive
confirmado o fracionamento constante das férias. Indicou violação aos arts. 134, § 2º, da CLT e 7º,
XVII, da Constituição da República. Colacionou julgados.
Renova o tema em Agravo de Instrumento.
Restou incontroverso nos autos que o Reclamante,
no período imprescrito, possuía mais de 50 anos de idade. Ficou consignado,
ainda, no acórdão regional que, no período imprescrito, as férias foram
concedidas de forma fracionada, em períodos de 10 (dez) e 20 (vinte) dias.
Nos termos do art. 230 da Constituição da
República, “a
sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar”.
De fato, o próprio legislador constituinte cuidou
de conferir proteção especial ao idoso, garantindo, por exemplo, aos maiores de
sessenta e cinco anos, “a gratuidade dos transportes coletivos urbanos” (art. 230, § 2º), bem
como proibindo a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de idade” (art. 7º, XXX). Tais
proteções revelam-se perfeitamente justificáveis à luz do dever geral de amparo
estatal e social aos idosos.
A vedação ao fracionamento das férias prevista no
art. 134, § 2º, da CLT, em sua antiga redação, todavia, não parece seguir a
mesma lógica protetiva. A norma, anterior à nova ordem constitucional, impõe uma distinção anacrônica e
injustificável entre trabalhadores, sobretudo quando considerado o parâmetro
arbitrário de 50 (cinquenta) anos de idade.
Note-se, a título ilustrativo, que não há previsão
similar em diploma laboral mais recente, como, por exemplo, o Regime Jurídico
Único dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90), que, com as
alterações introduzidas pela 9.525/97, possui norma expressa autorizando o
fracionamento das férias em até 3 (três) períodos, sem distinção de idade.
Não se pode ignorar, ainda, que o dispositivo ora controvertido – art. 134, §
2º, da CLT – foi
revogado pela Lei 13.467/2017.
A instituição de instrumentos de proteção
injustificáveis (falsa proteção) pode configurar, em última análise, obstáculo
ao próprio acesso do trabalhador ao mercado de trabalho, cerceando, ainda, seu
direito a decidir, conjuntamente com o empregador, sobre as condições de
trabalho mais adequadas a seus interesses. Tal situação, destaque-se, atenta
contra “os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (art. 1º,
IV, da Constituição) e contra o objetivo fundamental da República de “promover o bem de todos, sem
preconceitos de idade e quaisquer outras formas de discriminação”
(art. 3º, IV).
Sobre o problema das “falsas proteções” no direito do
trabalho, transcrevo ilustrativo excerto da obra de Alice Monteiro de Barros,
tratando sobre o trabalho da mulher:
No que
concerne à igualdade de funções, de critério de admissão e de salário,
assegurada no art. 7º, XXX da Constituição vigente, cumpre ressaltar que a
revogação das leis tutelares que excluíam a mulher do trabalho noturno, em condições
insalubres, perigosas e penosas poderá favorecê-las no mercado de trabalho, aplicando-lhes
as oportunidades de emprego e profissão. É que, se não bastassem os
preconceitos sociais, a mulher enfrentava também obstáculos legais.
Nem todos
os obstáculos, entretanto, foram removidos pela Lei n. 7.855, de outubro de
1989, persistindo a proibição do trabalho extraordinário, salvo força maior
(art. 376 da CLT) e em serviços que demandam emprego de força muscular superior
a 20 quilos para trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional, não
se compreendendo, nessa restrição, a remoção de material feita por instrumentos
mecânicos (art. 390 e parágrafo único da CLT).
Acontece
que o disposto no art. 376 acabou sendo revogado expressamente, mais de 10 anos
após a Constituição de 1988 pela Lei n. 10.244, de 27 de junho de 2001, pois
estava completamente distante do que ocorre na vida cotidiana e já não atendia
à realidade social, considerando que, em geral, no Brasil, “a falsa proteção é posta de lado
na prática e as mulheres trabalham costumeiramente em horário prorrogado”.
O
principal fundamento utilizado para justificar a limitação da jornada de
trabalho da mulher era de ordem familiar.
Afirmava-se
que “...convém ao
Estado que a mulher mãe disponha de tempo suficiente para cuidar de seus
filhos, encaminhe os seus primeiros passos na vida, assistindo-lhes com o seu
desvelo, com o seu carinho e com o seu exemplo, protegendo-os, amparando-os,
orientando a sua educação” (...) “É inegável, pois, que a
organização do trabalho feminino deve ser feita de molde a não roubar à mulher
o tempo imprescindível ao cuidado de seus rebentos”. O autor baseava-se na
doutrina espanhola, segundo a qual “uma boa mãe durante os anos de fecundidade,
que são os centrais de sua vida, não poderá ser nem deverá ser outra coisa,
senão mãe”.
Vertente
doutrinária bem mais recente (1974) do que a anterior também justificava a
limitação à jornada de trabalho da mulher, com base em razões de ordem familiar
e doméstica.
Vejamos:
“Um dos pontos
mais importantes, sem a menor dúvida, entre as necessidades de proteção ao
trabalho feminino, é o relativo à duração do trabalho, pois a mulher
trabalhadora, ao deixar a loja ou oficina, encontra, ainda, no seu lar, tarefas
a realizar e que são próprias do seu sexo: a arrumação da casa, o conserto do
vestuário, o preparo da alimentação, o cuidado dos filhos”
(grifou-se).
Esses posicionamentos refletiam uma
estrutura cultural arraigada de estereótipos sexistas, que atribuíam à mulher
apenas o “papel” secular de mãe e dona de casa, fortalecendo o mito da
fragilidade feminina e o preconceito do homem, no tocante às atividades
familiares e domésticas. Frise-se, o sexo não poderá
constituir critério para atribuições de encargos à mulher e ao homem na
família, no trabalho e na sociedade; do contrário, a igualdade almejada jamais
será atingida.
Considerando que é um dever do
estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que
esteja em harmonia com a realidade social, há muito já sugeríamos a revogação
expressa do art. 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impedia o
acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho.
O dispositivo consolidado em exame,
hoje revogado, poderia restringir o campo de trabalho da mulher e a mobilidade
de mão de obra, acarretando menor possibilidade de ganho àquela. E exatamente
considerando que a regra, em princípio voltada para a proteção da mulher,
era-lhe prejudicial, foi que as mulheres americanas conseguiram abolir, em
1973, em quase todos os Estados americanos, as leis de cunho tutelar, sobretudo
as que dispunham a respeito de número máximo de horas de trabalho. Essas leis,
que de início tinham caráter protetor, passaram a ser restritivas, pois não
seguiram o ritmo das modificações registradas nas condições de trabalho, como
consequência da evolução tecnológica. Ademais, essas leis especiais nada mais
refletiam do que atitude da sociedade a respeito da divisão do trabalho segundo
o sexo, típica da primeira metade do século XX.
I, da Constituição da República
(homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos da
Constituição)]. (...)
A
diferença entre homens e mulheres não traduz fundamentos para tratamento
diferenciado, salvo em condições especiais, como a maternidade.
(...) Logo, o que seria uma norma
protetiva acabaria por se tornar um motivo para preterição. (BARROS, Alice
Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. atual. por Jessé
Claudio Franco de Alencar. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 707-708)
Nesse contexto, tem-se que a previsão inserta no §
2º do art. 134 CLT não foi recepcionada pela Constituição de 1988, uma vez que não guarda compatibilidade
material com os princípios gerais da isonomia e da não-discriminação (arts. 5º,
caput, e 7º, XXX, da Constituição).
Reitere-se, por oportuno, que, na hipótese, como
registrado pela Corte de origem, o Reclamante usufruiu integralmente dos 30
(trinta) dias de férias a que tinha direito, em “períodos de 10 e de 20 dias,
conforme o Id d4ae51e, observado o período imprescrito”.
O Recurso de Revista não comporta, assim,
processamento por violação legal e/ou constitucional.
Quanto aos arestos transcritos, como ressaltado
pelo despacho denegatório, são inservíveis ao fim pretendido, porquanto
oriundos de Turmas do TST e/ou não indicada a competente fonte de publicação,
na forma da Súmula nº 337.
Nego
provimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os
Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de
Instrumento.
Brasília, 9 de outubro de 2019.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
Ministra Relatora
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