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VALTER DOS SANTOS
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“Não
há prazo decadencial para o requerimento inicial de benefício previdenciário
indeferido.”[1]
ADI
6096, votação: 6 X 5
para DECALAR a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova
redação ao art. 103 da Lei
8.213/1991, o qual dizia que o prazo para os segurados ou
beneficiário INSS pedir revisão do ato indeferimento, de benefício é de 10
(dez) anos.
Segue abaixo o relatório do Ministro EDSON FACHIN:
R E L A T Ó R I O
O
Senhor Ministro Edson Fachin (Relator): Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, proposta pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria – CNTI, em face da Medida Provisória 871, de
21 de janeiro de 2019, que institui programa de combate a fraudes em benefícios
previdenciários.
A
requerente aduz possuir legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação direta,
nos termos do art. 103, IX,
da Constituição da República, bem como satisfazer os requisitos de
representatividade e pertinência temática por defender os interesses da
categoria de industriários.
Sustenta
que a medida provisória é espécie normativa que, em razão do afastamento do
rito convencional do processo legislativo, requer como condicionantes urgência
e relevância da matéria, de maneira a justificar a transferência da competência
legislativa para o Poder Executivo.
Afirma
que os arts. 1 a 21 e 27 a 30 da MP 871/2019, nesse sentido, ao tratarem de medidas de natureza
administrativa já dispostas na legislação ordinária federal, tais como nas Leis 8.212/1991, 10.666/2003 e
13.457/2017, evidenciam a carência de urgência e, dessa forma, a
necessária disposição das alterações por projeto de lei.
Acrescenta
que o art. 62, § 1º, da Constituição da República, a fim de preservar o
equilíbrio entre os poderes, determinou a vedação à edição de medidas
provisórias sobre matéria relativa ao direito processual civil ou a temas reservados
à lei complementar.
Aponta,
assim, que o art. 22 da MP 871/2019, ao incluir a cobrança de créditos
constituídos pela Procuradoria-Geral Federal ao rol de exceções à
impenhorabilidade e ao instituir o privilégio processual da Fazenda Pública em
penhoras realizadas em execução por quantia certa, é inconstitucional, porque
versa sobre matéria processual civil.
Alega,
ademais, que a MP 871/2019, ao alterar os arts. 16, § 5º e 55, § 3º, da Lei
8.213/1991, definiu, para fins de contagem do tempo de serviço, o início da
prova material contemporânea dos fatos e, portanto, a atuação instrutória e
decisória do magistrado e o devido processo legal, em ofensa ao mesmo preceito
constitucional. Eis o seu teor:
“Art. 25. A Lei nº 8.213,
de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 16. (...)
§ 5º As provas de união
estável e de dependência econômica exigem início de prova material
contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e
quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado,
não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo
de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.
Art. 55. (...)
§ 3º A comprovação do
tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa
administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só
produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea
dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no
regulamento.”
Argui,
finalmente, que também fere o art. 62, § 1º, da Constituição da República a
alteração do art. 115 da Lei 8.213/1991 pela MP 871/2019, que, ao fixar a
devolução de pagamento de benefício previdenciário percebido indevidamente,
cria, em prejuízo da segurança jurídica, norma processual civil de execução
favorável à Fazenda Pública. Nestes termos:
“Art. 25. A Lei nº 8.213,
de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 115. (...)
II- pagamento
administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial
indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício
pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por
cento) da sua importância, nos termos do regulamento;
(...)
§ 3º Serão inscritos em
dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS
em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente
ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela
revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de
1980, para a execução judicial.
§ 4º Será objeto de
inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º deste artigo, em
conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da
origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, de dolo ou de
coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de
responsabilização.
§ 5º O procedimento de que
trata o § 4º deste artigo será disciplinado em regulamento, nos termos da Lei
nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e no art. 27 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4
de setembro de 1942.
§ 6º Na hipótese prevista
no inciso V do caput deste artigo, a autorização do desconto deverá ser
revalidada a cada 3 (três) anos, a partir de 31 de dezembro de 2021, nos termos
do regulamento.”
No
mérito, argumenta que é materialmente inconstitucional o art. 25 da MP 871/2019,
que atribui nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, na medida em que a
orientação jurisprudencial desta Corte indica que não se sujeita a prazo
decadencial pretensão deduzida em face de indeferimento, cancelamento e
cessação de benefício previdenciário. Eis o seu teor:
“Art. 25. A Lei nº 8.213,
de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 103. O prazo de
decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do
ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato
de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10
(dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente
ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter
sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia
em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento
ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou
indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.”
Defende
que entendimento diverso contraria o direito fundamental à previdência social
(art. 6º, caput) e, por consequência, os arts. 1º, II, III e IV e 3º, I
e III, da Constituição da República, como também infringe o direito fundamental
de acesso à justiça (art. 5º, XXXV) e a recurso eficiente contra atos que
violem direitos constitucionalmente reconhecidos (art. 25, item 1, do Pacto de
San José da Costa Rica).
Requer
seja concedida medida cautelar para suspender a eficácia da MP 871/2019, ante a
plausibilidade das razões jurídicas apresentadas e o perigo na demora. Ao fim,
pugna pela procedência da ação direta, a fim de que seja declarada sua
inconstitucionalidade.
Tendo
em vista a relevância da matéria debatida nos presentes autos e sua importância
para a ordem social, além de seu prévio exame por esta Corte em sede de
repercussão geral, adotei o rito do art. 12 da Lei 9.868/99 e determinei a
oitiva da Presidência da República, da Advocacia-Geral da União e da
Procuradoria-Geral da República, sucessivamente.
Em
sede de informações, a Presidência da República garante que, em razão da
impugnação integral do texto da MP 871/2019 fundamentada em dispositivos específicos, a
petição inicial da ação direta, nos termos do art. 4º da Lei 9.868/1999, é inepta e deve ser
indeferida e o processo ser extinto sem exame do mérito ou subsidiariamente ser
conhecido em parte quanto aos artigos expressamente refutados.
Defende
que a MP 871/2019
é formalmente constitucional, porquanto a relevância e a urgência foram devidamente
justificadas como conclui-se da Exposição de Motivos Interministerial e seu
objeto está delimitado aos ditames do § 1º do art. 62 da Constituição Federal
na medida em que trata de matéria relativa ao direito administrativo
previdenciário, cujas normas carecem, pois, de teor processual civil.
No
mérito, justifica sua constitucionalidade material, porque o prazo decadencial
do art. 25 da MP 871/2019
não tem início até que formalizado o requerimento administrativo e tem
aplicação apenas após a prolação da decisão, de modo que, garantida a
possibilidade de se solicitar a qualquer tempo a concessão do benefício
previdenciário, não há violação ao direito à previdência social.
Adiciona
que é fulminado pelo prazo decadencial apenas o direito às parcelas retroativas,
visto que é facultado ao segurado, ainda que vencido o prazo decadencial,
formalizar novo requerimento e adquirir a concessão ou a revisão do benefício
previdenciário, em favor da segurança jurídica e em conformidade com a
jurisprudência deste Tribunal.
A
Advocacia-Geral da União opinou pelo não conhecimento da ação direta e, no
mérito, pela improcedência do pedido, nos termos da ementa:
“Previdenciário. Medida
Provisória nº 871/2019, que “institui o Programa Especial para Análise de
Benefícios com Indícios de Irregularidade, o Programa de Revisão de Benefícios
por Incapacidade, o Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios
com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios e o
Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por
Incapacidade, e dá outras providências”. Preliminares. Ilegitimidade ativa.
Ausência de procuração com poderes específicos. Inobservância parcial do ônus
de impugnação especificada. Mérito, Constitucionalidade formal. Presença dos
requisitos de relevância e urgência necessários à adoção da espécie normativa
eleita. A medida provisória não disciplina matéria de direito processual civil,
não havendo afronta à vedação constante do artigo 62, § 1º, inciso I, alínea
“b”, da Lei Maior. Validade Material. A nova redação conferida ao artigo 103 da
Lei nº 8.213/1991 pelo diploma impugnado não fixa prazo para requerimento
inicial do benefício pelo segurado. O fundo do direito ao beneficiário
previdenciário não está sujeito a prazo decadencial. Conformidade da alteração
normativa com a jurisprudência dessa Suprema Corte (RE nº 626.489).
Manifestação pelo não conhecimento da ação direta e, no mérito, pela
improcedência do pedido.” (e DOC 21)
A
Procuradoria-Geral da República apresentou parecer pelo conhecimento parcial da
ação direta e, no mérito, pela procedência parcial do pedido, in verbis:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA 871/2019. CONVERSÃO NA LEI
13.846/2019. PROGRAMA ESPECIAL PARA ANÁLISE DE BENEFÍCIOS COM INDÍCIOS DE
IRREGULARIDADE, O PROGRAMA DE REVISÃO DE BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE, O BÔNUS
DE DESEMPENHO INSTITUCIONAL POR ANÁLISE DE BENEFÍCIOS COM INDÍCIOS DE
IRREGULARIDADE DO MONITORAMENTO OPERACIONAL DE BENEFÍCIOS E O BÔNUS DE
DESEMPENHO INSTITUCIONAL POR PERÍCIA MÉDICA EM BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE.
PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE ADITAMENTO. INOBSERVÂNCIA PARCIAL DO ÔNUS DA
IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA. MÉRITO. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL.
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. ART. 103 DA LEI 8.213 /1991, COM REDAÇÃO DA LEI
13.846/2019. PRAZO DECADENCIAL PARA EXERCÍCIO DE DIREITO. AFRONTA AO DIREITO
FUNDAMENTAL À PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Uma vez
convertida em lei a medida provisória questionada em ação direta de
inconstitucionalidade, deve o requerente aditar a petição inicial, sob pena de
ocorrer a prejudicialidade do pedido. Precedentes. Oportunidade de prazo para a
requerente regularizar o objeto da ação.
2. É
inepta a petição inicial que não reúne fundamentação especificada dos preceitos
atacados. Precedentes. A requerente desincumbiu-se parcialmente do ônus da
impugnação especificada.
3. O
controle judicial dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência
para a edição de medida provisória reveste-se de caráter excepcional e somente
se legitima quando ausentes aqueles ou patente excesso no exercício de
discricionariedade por parte do Presidente da República.
4. Não
afronta a vedação do art. 62-§1.º-I-b da Constituição dispositivo de medida
provisória que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, por se
tratar de matéria inserida no ramo do Direito Civil.
5. O art.
16-§5.º e o art. 55-§3.º da Lei 8.213/1991, com redação da 13.846/2019, estão
inseridos no contexto dos procedimentos administrativos relacionados à
concessão de benefícios previdenciários e possuem natureza de direito
administrativo e previdenciário. Portanto, não causam interferência no direito
das provas regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil, de
maneira que não se verifica inconstitucionalidade formal das normas.
6. A
instituição do prazo decadencial de dez anos do direito ou da ação do segurado
ou beneficiário para a revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou
cessação do benefício previdenciário atinge o próprio fundo do direito
fundamental à previdência social, afrontando à Constituição (art. 6.º) e a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
- Parecer pelo
conhecimento parcial da ação e, no mérito, pela procedência parcial do pedido.”
(eDOC 59)
Finalmente,
admiti no presente feito a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas
Indústrias de Alimentação e Afins - CNTA; a Confederação Nacional das
Profissões Liberais - CNPL; o Sindicato dos Trabalhadores Refrigeristas
Técnicos em Lavadoras e Ar Condicionado e Trabalhadores nas Oficinas de Peças
de Refrigeração e Veículos Automotores e Ciclomotores Similares do Estado do
Ceará - SINDGEL; o Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS (eDOC 58) e o
Instituto dos Advogados Previdenciários - Conselho Federal - IAPE (eDOC 63) na
qualidade de amici curiae.
É,
em síntese, o relatório.
VOTO
O Senhor Ministro Edson Fachin
(Relator): Preliminarmente, anoto a parcial cognoscibilidade da
presente ação direta.
Constato
que a requerente já teve reconhecida sua legitimidade ativa ad causam para
a propositura de ações constitucionais de controle abstrato pelo Plenário deste
Tribunal (ADI 3.470/RJ,
Relatora Ministra Rosa Weber, DJe 01.02.2019).
No
que se refere à pertinência
temática, tem-se como inequívoca sua presença. Consigno que os
dispositivos impugnados da MP 871/2019, que institui programa especial para análise de
benefícios previdenciários com indícios de irregularidade, estão associados aos
fins estatutários da CNTI, tal como se depreende do art. 3º, do Estatuto Social, a seguir
transcrito:
“Patrocinar,
junto aos setores administrativos e judiciários, a defesa dos interesses
individuais e coletivos das categorias profissionais representadas, em matérias
trabalhistas e previdenciárias, inclusive respondendo a consultas” (eDOC 3, fl.
5)
Quanto
à preliminar suscitada
pela Presidência da República relativa à inépcia da petição inicial por ausência de
impugnação específica, este Tribunal já conheceu parcialmente da exordial da
qual não é possível extrair a razão jurídica de todos os dispositivos do
diploma, limitando-se aos dispositivos especificamente contestados:
“Ação direta de
inconstitucionalidade. Resolução da Câmara dos Deputados. Ausência de
impugnação especificada da integralidade da resolução. Ato que disciplina a
distribuição de servidores por gabinete de liderança a cada nova eleição com
base na representatividade do partido. Observância dos princípios da
proporcionalidade, da representatividade partidária e, em última instância, da
soberania popular. Conhecimento, em parte, da ADI, relativamente à qual a ação
é julgada improcedente.
1. Ação direta de
inconstitucionalidade que combate resolução da Câmara dos Deputados que altera
a forma e o quantitativo de repartição de servidores por gabinete de liderança
adotando como critério a representação decorrente do resultado final das
eleições para a Câmara dos Deputados.
2.
Preliminar de não impugnação especificada da integralidade da Resolução. Do exame
da inicial não é possível extrair a fundamentação jurídica atinente a todos os
artigos da resolução questionada, devendo a análise da demanda ficar restrita
aos artigos impugnados na exordial.
3. Os
critérios equitativos adotados na resolução decorrem do próprio regime
democrático e da lógica da representatividade proporcional, sem descuidar da
garantia do direito de existência das minorias.
4. ADI da qual se conhece em parte e, na parte de que se conhece, julgada improcedente.” (ADI 4.647, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 21.06.2018, grifei)
Noto
que a ação direta está, em parte, prejudicada, pois não incluído o art. 22 da MP 871/2019 pela Lei
13.846/2019, razão pela qual conheço da demanda apenas quanto aos
demais dispositivos na ação direta impugnados. A propósito, assim se pacificou
a jurisprudência desta Corte quanto à sua parcial prejudicialidade quando
exaurida a eficácia de parte do ato normativo questionado:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
PROVISÓRIA 398/2007, CONVERTIDA NA LEI 11.652/2008. AUTORIZAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DA
EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO. POSTERIOR REVOGAÇÃO E EXAURIMENTO DA EFICÁCIA DE
PARTE DAS NORMAS IMPUGNADAS. PERDA PARCIAL DE OBJETO. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA
DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA. CONTROLE
JUDICIAL QUE PRESSUPÕE FLAGRANTE ABUSO NA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 246 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DISPOSITIVOS QUE NÃO VISAM A
REGULAMENTAR TEXTO CONSTITUCIONAL ALTERADO POR EMENDA. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA
ORÇAMENTÁRIA POR MEDIDA PROVISÓRIA. INEXISTÊNCIA. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, JULGADOS
IMPROCEDENTES OS PEDIDOS.
(...)
6. A
jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta
de inconstitucionalidade quando da revogação superveniente do ato normativo
impugnado ou do exaurimento de sua eficácia. Precedentes: ADI 4.058, rel. min.
Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 14/2/2019; ADI 1.454/DF, rel. min. Ellen
Gracie, Plenário, DJ de 3/8/2007; ADI 1.445-QO/DF, rel. min. Celso de Mello,
Plenário, DJ de 29/4/2005.
(...)”
(ADI 3.994, Relator Ministro Luiz Fux,
Tribunal Pleno, DJe 09.09.2019, grifei)
Assim,
na linha do entendimento jurisprudencial desta Corte e, ante a ausência de
impugnação específica dos arts. 23, 24 e 26 da MP 871/2019 no decorrer das
razões jurídicas expendidas na exordial, deve o conhecimento da demanda recair
sobre os arts. 1º a 21 e 27 a 30 (alegada natureza administrativa) e 25, na
parte em que altera os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e 115, todos da Lei 8.213/1991
(dito formalmente inconstitucional), assim como na parte em que altera o art.
103, caput , da Lei 8.213/1991 (alegada inconstitucionalidade material).
Verifico,
por fim, que a requerente juntou posteriormente aos autos o extrato de seu
registro sindical junto ao Ministério do Trabalho (eDOC 35) e a procuração com
outorga de poderes específicos para a impugnação do diploma objeto da presente
ação direta (eDOC 34).
Por
se tratarem, pois, de vícios processuais sanáveis, não subsiste, na medida em
que reparados, a apreciação das preliminares de ilegitimidade ativa e de
irregularidade de representação aduzidas pela Advocacia-Geral da União. Nessa
acepção, confira-se:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E COMPETÊNCIA CONCORRENTE (CF, ART. 24, XI). DISPOSITIVOS DA LEI 10.705/2000 DO ESTADO DE SÃO PAULO, QUE REGULAMENTAM A INTERVENÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA NOS PROCESSOS DE INVENTÁRIO E ARROLAMENTO PARA COBRANÇA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO “CAUSA MORTIS” E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS E DIREITO - ITCMD. LEGÍTIMO EXERCICIO ESTADUAL DE COMPETÊNCA COMPLEMENTAR EM MATÉRIA PROCEDIMENTAL.
1. Os legitimados listados no art. 103, I a VII, da Constituição têm capacidade postulatória na ação direta de inconstitucionalidade. A exigência de procuração com poderes específicos e indicação do ato normativo impugnado é vício sanável.
2. A ação direta de inconstitucionalidade é o meio processual inadequado para o controle de decreto regulamentar de lei estadual (Decreto 46.655/2002).
3. Disposições legais sobre a forma de cobrança do ITCMD pela Procuradoria-Geral do Estado, e de sua intervenção em processos de inventário, arrolamento e outros de interesse da Fazenda Pública, são regras de procedimento que complementam as normas previstas no Código de Processo Civil, conforme previsto no artigo 24 da Constituição Federa.
4. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 4.409, Relator Ministro
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 23.10.2018, grifei)
Ainda,
em relação à preliminar apresentada pela Procuradoria-Geral da República
alusiva ao dever da requerente de aditar a petição inicial em decorrência da
conversão legislativa da medida provisória, tenho que, em conformidade com a
jurisprudência firmada por este Tribunal, inexistente modificação substancial
do conteúdo legal objetado, não há falar em situação de prejudicialidade
superveniente da ação:
CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. MEDIDA PROVISÓRIA. ESTABELECIMENTO DA ORGANIZAÇÃO BÁSICA DOS ÓRGÃOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA E DOS MINISTÉRIOS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 62, CAPUT e §§ 3º e 10, CRFB. REQUISITOS PROCEDIMENTAIS. REJEIÇÃO E REVOGAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA COMO CATEGORIAS DE FATO JURÍDICO EQUIVALENTES E ABRANGIDAS NA VEDAÇÃO DE REEDIÇÃO NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA. INTERPRETAÇÃO DO §10 DO ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVERSÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE. ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. PRECEDENTES JUDICIAIS DO STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
1. O Supremo Tribunal Federal definiu interpretação jurídica no sentido de que apenas a modificação substancial, promovida durante o procedimento de deliberação e decisão legislativa de conversão de espécies normativas, configura situação de prejudicialidade superveniente da ação a acarretar, por conseguinte, a extinção do processo sem resolução do mérito. Ademais, faz-se imprescindível o aditamento da petição inicial para a convalidação da irregularidade processual. Desse modo, a hipótese de mera conversão legislativa da medida provisória não é argumento suficiente para justificar prejudicialidade processual superveniente.
(...)” (ADI 5.709,
Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe
Ademais,
a requerente aditou a Inicial, ratificando as alegações (eDOC 55).
No
mérito, assiste parcial razão jurídica à requerente.
O
entendimento pacificado nesta Suprema Corte é no sentido de que o controle
judicial do mérito dos pressupostos constitucionais de urgência e de relevância
para a edição de medida provisória reveste-se de natureza excepcional,
legitimado somente caso demonstrada a inequívoca ausência de observância destes
requisitos normativos:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIME JURÍDICO DOS JUROS COMPENSATÓRIOS E DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA DESAPROPRIAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o controle judicial dos pressupostos constitucionais para a edição das medidas provisórias tem caráter excepcional, justificando-se apenas quando restar evidente a inexistência de relevância e urgência ou a caracterização de abuso de poder do Presidente da República , o que não ocorre no presente caso. (...)”
(ADI 2332, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal
Pleno, DJe 16.04.2019)
Com
efeito, da leitura da Exposição de Motivos da MP 871/2019, vejo que o Chefe do
Poder Executivo não se descurou de justificar a relevância e a urgência da
edição da medida provisória, nestes termos:
“(...) 2. A Constituição Federal, no caput do art. 201, estabelece que o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) deverá observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Todavia, desde 1995 o RGPS vem apresentando deficit, com o crescimento das despesas com o pagamento de benefícios superando o crescimento das receitas. O deficit, já elevado, continuará crescendo, como se observa pela análise das projeções atuariais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019.
O deficit no RGPS pressiona o orçamento da seguridade
social, comprometendo os recursos disponíveis para os programas de saúde e
assistência social. Ressalta-se que nos últimos anos o orçamento da seguridade
social, que abrange, além da Previdência Social, a Saúde e a Assistência
Social, também é deficitário, exigindo aportes do orçamento fiscal, implicando
a redução de investimentos em outras áreas como infraestrutura e segurança
pública. A aprovação do limite de gastos, imposta pela Emenda Constitucional n°
95, de 15 de dezembro de 2016, torna ainda mais urgente a adoção de medidas
para a redução e racionalização das despesas públicas.
(...)
4. Contudo, há muitas
medidas para melhoria da gestão dos benefícios, garantindo maior eficiência na
atuação do INSS, melhorando os instrumentos de combate a fraudes e rápida
apuração de benefícios com suspeita de irregularidade e ajustes na legislação
visando reduzir divergências de interpretação que geram milhões de ações
judiciais envolvendo matéria previdenciária. Essas medidas, além de
representarem a garantia de que os benefícios estão sendo pagos de forma
correta, terão efeitos fiscais relevantes, com a potencial cessação de
benefícios irregulares e fraudulentos e a recuperação dos valores indevidamente
pagos.
(...)
18. Outrossim, como
determinado no Acórdão n° 668/2009, que apresenta os direcionamentos aplicáveis
a partir de auditoria operacional realizada no BPC (TC 013.337/2008-0), o TCU
encaminhou à Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do extinto Ministério
do Desenvolvimento Social (MDS) e ao extinto MPS e ao INSS, a relação de
benefícios com indícios de irregularidade, averiguados por meio de cruzamentos
de dados com sistemas eletrônicos mantidos pela União, recomendando a esses
órgãos que adotassem as medidas cabíveis para análise da concessão indevida do
BPC. Daí a urgência na adoção de soluções administrativas para acelerar a
análise dos processos com indícios de irregularidade. (...)”
Mais:
ao contrário do que pretexta a requerente, o argumento de que a prescrição de
medidas de natureza administrativa pela MP 871/2019 (arts. 1º a 21 e 27 a 30)
que foram antes tratadas pela legislação ordinária federal evidencia a carência
de urgência não tem o condão de infirmar sua constitucionalidade formal, como
depreendido do voto do saudoso Ministro Teori Zavascki, que, no julgamento do
RE 592.377/RS, acompanhado pelo Colegiado, consignou a excepcionalidade do
controle a ser exercido pela Corte:
“(...) O que subsiste, aqui, como argumento fundamental, é a falta dos requisitos de relevância e urgência da matéria. Esse é o tema fundamental. Como bem ressaltou o Ministro Relator, o Supremo Tribunal Federal considera sindicável, pelo Poder Judiciário, a presença ou não desses requisitos. Isso porque a invocação vazia desses parâmetros, antes de justificar a atuação da Presidência da República no campo da normatividade primária, revela exercício abusivo de prerrogativa política. Todavia, os precedentes da Corte têm enfatizado que o escrutínio a ser feito pelo Judiciário neste particular é de domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal desses requisitos.
É o que ficou proclamado, por exemplo,
na ADI 4350, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 3/12/14; na ADC 11 MC, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJe 29/6/07; e na ADI´s 1910 MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
27/2/04.” (RE 592.377, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão
Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 20.03.2015)
Portanto,
no tocante ao pressuposto de urgência, a matéria deve ser examinada levando-se
em consideração o já esposado entendimento da Corte, que exige comprovação
acerca da inexistência de urgência. Ou seja, “Trata-se de informações de alta
indagação, que não podem ser convincentemente contraditadas por pronunciamentos
especulativos, sem embasamento científico seguro. Nessas matérias de relevância
e urgência se deve partir e essa parece ser a jurisprudência do Supremo da
legitimidade das alegações, dessa fundamentação do poder normativo constituído”
(trecho do voto do Ministro Teori Zavascki no supracitado RE 592.377/RS).
Nesse
sentido, ainda que a requerente não concorde com os motivos explicitados pelo
Chefe do Poder Executivo para justificar a urgência da medida provisória
impugnada, não se pode dizer que tais motivos não foram apresentados e
defendidos pelo órgão competente, de modo que, inexistindo comprovação da
ausência de urgência, não há espaço para atuação do Poder Judiciário no
controle dos requisitos de edição da MP 871 /2019.
Ressalte-se
que não se está aqui a proceder juízo de mérito quanto aos argumentos
utilizados para justificar a urgência na edição da norma impugnada, mas tão
somente a verificar a legitimidade de tais argumentos, para assim proceder ou
não à intervenção judicial almejada pela parte autora.
Portanto,
por verificar não restar comprovado o manifesto e evidente abuso ou excesso no
exercício discricionário do Presidente da República a apoiar hipótese atípica
de controle jurisdicional das condicionantes para o desempenho de competência
normativa que lhe fora deferida pela Magna Carta, não assiste razão jurídica à
parte autora quanto a este ponto.
Igualmente,
acolho o parecer lançado pela douta Procuradoria-Geral da República para
afastar a preliminar trazida pela parte autora relativa à inconstitucionalidade
formal do art. 24 da Lei 13.846/2019, equivalente ao art. 25 da MP 871/2019, na
parte em que alterados os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e 115, da Lei 8.213/1991,
nestes termos (eDOC 59, fl. 8):
“O art. 16-§5.º da Lei
8.213/1991, com redação da MPv 871/2019, versa sobre a prova da união estável e
de dependência econômica para fins de enquadramento como beneficiário do Regime
Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Por sua
vez, o art. 55-§3.º da Lei 8.213/1991 dispõe sobre a comprovação do tempo de
serviço para as finalidades previstas no diploma.
As normas estão inseridas
no contexto dos procedimentos administrativos relacionados à concessão de
benefícios previdenciários, de maneira que possuem primordialmente natureza de
direito administrativo e previdenciário. Portanto, não causam interferência no
direito das provas regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil.
O fato de o magistrado apreciar os dispositivos para o exercício da atividade
decisória não transforma a sua natureza.
Confiram-se, a respeito,
as considerações da Advocacia-Geral da União:
[…] Os dispositivos em
questão não são comandos voltados a informar a atuação do Poder Judiciário.
Trata-se, na verdade, de normas cujos destinatários diretos são os servidores
do INSS, que deverão observar se os processos administrativos estão instruídos
com prova material contemporânea dos fatos, para fins de comprovação de tempo
de serviço, de união estável e de dependência econômica.
Na mesma linha, o art.
115-II da Lei 8.213/1991 permite que seja descontado dos benefícios o pagamento
administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial
indevido. Os parágrafos 3.º a 6. º do art. 115 tratam do procedimento de
inscrição em dívida ativa de créditos constituídos pelo INSS em decorrência de
benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente. Consoante
salientou a Presidência da República, “trata-se, mais uma vez, de norma de
notável natureza de procedimento administrativo, cujos efeitos dar-seão em
momento posterior à determinação judicial e em sede estritamente
administrativa”
Afastada, portanto, a
alegação de inconstitucionalidade formal dos arts. 16-§5.º e 55-§3.º da Lei
8.213/1991, com redação da MPv 871/2019.
No
que se refere à exposição da requerente de que a alteração do art. 103 da Lei
8.213/1991 promovida pelo art. 24 da Lei 13.846/2019 ou art. 25 da MP 871/2019,
sujeitando a prazo decadencial a pretensão deduzida em face do ato de
indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício previdenciário, acomete o
direito à previdência social, consagrado no art. 6º da Constituição Federal,
entendo que lhe assiste razão.
Esta
Corte, no julgamento do RE 626.489/SE, submetido à sistemática da repercussão
geral, examinou a constitucionalidade da redação anterior do art. 103 da Lei
8.213/1991, dada pela MP 1.523-9/1997 e convertida pela Lei 9.528/1997, em
acórdão assim ementado:
“RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL(RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE
626.489, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 23.09.2014)
Na
oportunidade, apreciaram-se a validade e o alcance da instituição do prazo
decadencial incluído pelo texto precedente do dispositivo para a revisão do ato
concessório de benefício previdenciário, cujo teor a seguir é reproduzido:
"Art. 103. É de dez
anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou
beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia
primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for
o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no
âmbito administrativo.”
O
i. Relator Ministro Roberto Barroso assentou que dispõe de caráter fundamental
o direito ao benefício previdenciário (fundo do direito), a ser exercido a
qualquer tempo, sem prejuízo do beneficiário ou segurado que se quedou inerte.
Nesse sentido, padece de vício de inconstitucionalidade a disciplina
legislativa que, limitando seu exercício a um prazo específico, compromete o
direito material à concessão do benefício previdenciário.
A
propósito, veja-se trecho do voto condutor do acórdão:
“6. O Regime Geral
de Previdência Social (RGPS) constitui um sistema básico de proteção social, de
caráter público, institucional e contributivo, que tem por finalidade segurar
de forma limitada trabalhadores da iniciativa privada. A previdência social, em
sua conformação básica, é um direito fundado na dignidade da pessoa humana, na
solidariedade, na cidadania e nos valores sociais do trabalho (CF/88, art. 1°,
II, III e IV), bem como nos objetivos da República de construir uma sociedade
livre, justa e solidária, avançar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades
sociais (CF /88, art. 3°, I e III)
7. Cabe
distinguir, porém, entre o direito ao benefício previdenciário em si considerado – isto é, o
denominado fundo do direito, que tem caráter fundamental – e a
graduação pecuniária das prestações. Esse segundo aspecto é fortemente afetado
por um amplo conjunto de circunstâncias sociais, econômicas e atuariais,
variáveis em cada momento histórico. Desde a pirâmide etária e o nível de
poupança privada praticado pelo conjunto de cidadãos até a conjuntura
macroeconômica, com seu impacto sobre os níveis de emprego e renda.
8. Isso
faz com que a definição concreta do sistema de previdência precise equacionar
interesses por vezes conflitantes: dos trabalhadores ativos e dos segurados,
dos contribuintes abastados e das pessoas mais humildes, da geração atual e das
futuras. Em linha de princípio, a tarefa de realizar esse complexo equilíbrio
situa-se na esfera de conformação do legislador, subordinando-se à decisão política
das maiorias parlamentares. Somente haverá invalidade se a escolha legislativa desrespeitar o
núcleo essencial do direito em questão. Resta saber se a instituição do prazo
ora analisado e a sua incidência sobre os benefícios já concedidos incorreu ou
não nesse tipo de vício.
9. Entendo
que a resposta é negativa. No tocante ao direito à obtenção de benefício
previdenciário, a disciplina legislativa não introduziu prazo algum. Vale
dizer: o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a
qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do
beneficiário. Esse ponto é reconhecido de forma expressa no art. 102, § 1°, da
Lei n° 8.213/1991, bem como em diversas passagens em que a referida lei apenas
dispõe que o atraso na apresentação do requerimento fará com que o benefício
seja devido a contar do pedido, sem efeito retroativo. Nesse sentido, permanecem
perfeitamente aplicáveis as Súmulas 443 /STF e 85/STJ, na medida em que
registram a imprescritibilidade do fundo de direito do benefício não
requerido”. (grifei)
Por
isso, o i. Ministro Roberto Barroso conclui que, na medida em que a decadência
instituída pela MP
1.523-9/1997 faz referência à revisão de ato administrativo que
deferiu o benefício, não há falar em inconstitucionalidade, pois atingida a
pretensão de rever a forma de cálculo ou o valor final da prestação, isto é, a
graduação econômica do benefício previdenciário, e não propriamente a de tê-lo
concedido. Confira-se:
“10. A
decadência instituída pela MP
n° 1.523-9/1997 atinge apenas a pretensão de rever benefício
previdenciário. Em outras palavras: a pretensão de discutir a graduação
econômica do benefício já concedido. Como é natural, a instituição
de um limite temporal máximo destina-se a resguardar a segurança jurídica,
facilitando a previsão do custo global das prestações devidas. Em rigor, essa é
uma exigência relacionada à manutenção do equilíbrio atuarial do sistema
previdenciário, propósito que tem motivado sucessivas emendas constitucionais e
medidas legislativas. Em última análise, é desse equilíbrio que depende a
continuidade da própria Previdência, não apenas para a geração atual, mas
também para as que se seguirão.
11. Com
base nesse raciocínio, não verifico inconstitucionalidade na criação,
por lei, de prazo de decadência razoável para o questionamento de benefícios já
reconhecidos. Essa limitação incide sobre o aspecto patrimonial das prestações.
Não há nada de revolucionário na medida em questão. É legítimo que
o Estado legislador, ao fazer a ponderação entre os valores da justiça e da
segurança jurídica, procure impedir que situações geradoras de instabilidade
social e litígios possam se eternizar. Especificamente na matéria aqui versada,
não é desejável que o ato administrativo de concessão de um benefício
previdenciário possa ficar indefinidamente sujeito à discussão, prejudicando a
previsibilidade do sistema como um todo. (...)” (grifei)
Em
acréscimo ao prazo de decadência previsto pela redação prévia do art. 103 da Lei 8.213/1991
para revisão do ato concessório, a modificação do dispositivo pela MP 871/2019,
convertida na Lei 13.846/2019, estendeu sua aplicação ao ato administrativo de
indeferimento, cancelamento e cessação de benefício previdenciário, nestes
termos:
“Art. 103. O prazo de
decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do
ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato
de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10
(dez) anos, contado:
I - do dia
primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data
em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o
segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou
cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou
indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.”
Nessa
acepção, tendo em vista que atingida pelo prazo decadencial a pretensão
deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício (em
última análise, o exercício do direito à sua obtenção), noto que nas hipóteses
é alcançado pela decadência o próprio fundo do direito fundamental à
previdência social, em afronta ao art. 6º da Constituição da República e à
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal.
A
decisão administrativa que indefere o pedido de concessão ou que cancela ou
cessa o benefício dantes concedido nega o benefício em si considerado, de forma
que, inviabilizada a rediscussão da negativa pela parte beneficiária ou
segurada, repercute também sobre o direito material à concessão do benefício a
decadência ampliada pelo dispositivo.
Ao
contrário do que expõem o i. Presidente da República e a douta Advocacia-Geral
da União, a possibilidade de formalização de um outro requerimento
administrativo para sua concessão, não assegura, em toda e qualquer hipótese, o
fundo do direito, porque, modificadas no tempo as condições fáticas que
constituem requisito legal para a concessão do benefício, pode, em termos
definitivos, ser inviabilizado o direito de tê-lo concedido.
É
nesse sentido a interpretação doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio Savaris,
colacionada abaixo:
“Poder-se-ia objetar à
alegação de inconstitucionalidade que, sem embargo do transcurso do interregno
decadencial, o fundo do direito não seria fulminado, visto que o segurado
poderia renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo, segue o
raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que derivariam do direito
afetado pelo indeferimento é que seria extinto pela decadência.
De fato, aparentemente,
seria possível conciliar o entendimento da Suprema Corte, de não extinção do
fundo do direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão sobre os
limites do alcance da nova regra decadencial.
Ocorre que a argumentação
não se presta a salvar a “nova decadência” do vício de inconstitucionalidade,
porque um novo requerimento administrativo de concessão não asseguraria, para
todo e qualquer caso, o recebimento do benefício, em face das alterações das
condições de fato que constituem requisitos legais para a sua concessão.
Isso fica ainda mais claro
no caso dos atos de cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, dado
que o restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer hipótese,
em termos definitivos.”
(SAVARIS, José Antônio.
Inconstitucionalidade da decadência previdenciária da MP 871/2019. Alteridade,
2019. Disponível em: <https://www.alteridade.com.br/artigo/artigo-inconstitucionalidadeda-alteracao-do-art-103-da-lei-8-213-91-mp-871-2019/>)
Ora,
com o fim de afastar a hipótese de que eventual perda da qualidade de segurado
sirva de óbice à concessão do benefício negado ou à obtenção de novo benefício,
deve ser garantida à parte beneficiária ou segurada a revisão do ato
administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação anterior.
A
título de exemplificação, não questionada a negativa da aposentaria por idade
ou por tempo de contribuição no decorrer do prazo decadencial, em face da perda
da qualidade de segurado, pode a concessão da pensão por morte aos dependentes
do beneficiário necessitar da revisão da negativa para reconhecimento, tanto da
qualidade de segurado ao tempo do pedido de concessão quanto do direito
adquirido ao benefício.
Além
disso, ainda que mantida a qualidade de segurado, a concessão de novo benefício
pode depender, para fins de satisfação do período de carência, da revisão do
ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, porquanto a reconsideração
fática da negativa serve ao cômputo do lapso temporal em que se deveria estar
em gozo de benefício.
O
entendimento jurisprudencial prevalecente é no sentido de que o período de
recebimento do benefício por incapacidade, intercalado com períodos de
contribuição, pode ser computado para efeito de carência. Nesse sentido,
veja-se o teor da Súmula
73 editada pela TNU:
“O tempo
de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de
acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para
fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento
de contribuições para a previdência social.”
Dessa
forma, não questionada a negativa da concessão do benefício por incapacidade,
pode a concessão de novo benefício, a exemplo da aposentadoria por idade ou por
tempo de contribuição, demandar a revisão da negativa para reconsideração
fática de que havia incapacidade à época do pedido e, devida sua concessão,
para cômputo do período em que se deveria estar em gozo do benefício como tempo
de carência.
Portanto,
assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão deduzida em face da
decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício implicaria comprometer o
exercício do direito à sua obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua
fruição futura e a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência
digna do trabalhador e de sua família.
Com
efeito, o direito à previdência social é direito fundamental, expressamente
previsto pelo art. 6º
da Constituição da República, que, fundado no direito à vida, na
solidariedade, na cidadania e nos valores sociais do trabalho e consubstanciado
nos objetivos da República em construir uma sociedade livre, justa e solidária,
em erradicar a pobreza e a marginalização e em reduzir as desigualdades sociais
e regionais, caracteriza-se como instrumento assegurador da dignidade da pessoa
humana e do mínimo existencial.
A
propósito, confira-se trecho da lição doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio
Savaris quanto ao tema:
“Um bem jurídico
previdenciário corresponde à ideia de uma prestação indispensável à manutenção
do indivíduo que a persegue em juízo. Essa primeira noção é reconhecidamente
basilar, mas extremamente importante: uma prestação previdenciária tem natureza alimentar;
destina-se a prover recursos de subsistência digna para os beneficiários da
previdência social que se encontrem nas contingências sociais definidas em lei;
destina-se a suprir as necessidades primárias, vitais e
presumivelmente urgentes do segurado e às de sua família , tais como
alimentação, saúde, higiene, vestuário, transporte, moradia etc. O que está em
jogo em uma ação previdenciária são valores sine qua non para a
sobrevivência de modo decente. É o direito de não depender da misericórdia ou
auxílio de outrem.
O direito à previdência social é um
direito humano fundamental. Não é vão lembrar que a proteção previdenciária
corresponde a um direito intimamente ligado às noções de mínimo existencial e
dignidade da pessoa humana. Ao referir a existência de
normas de proteção social em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é
curial reconhecer que nada obstante à diversidade de nações e de culturas, a preocupação
com os estados de necessidade é ínsita à percepção de que a humanidade é o
valor dos valores. A seguridade social, enquanto meio de tutela da vida humana
em situações de risco de subsistência, é um instrumento de salvaguarda deste
valor de singular importância.
(...)
A expressão da dignidade
humana não será aperfeiçoada sem um esquema de proteção social que propicie ao
indivíduo a segurança de que, na hipótese de cessação da fonte primária de sua
subsistência, contará com proteção social adequada.
Quando discutimos em juízo
o direito a um benefício previdenciário, não é demais recordar, estamos em face
de uma sensível questão: o autor alega fazer jus a direito de elevada
magnitude. Dizer-lhe
que não detém o direito invocado é recusar-lhe o gozo de direito fundamental
aos meios de subsistência em situação de adversidade. E esse
direito não perde tal natureza ainda que as causas se multipliquem ou ainda que
a máquina judiciária se encontre congestionada. O sofrimento humano não pode
ser banalizado.
O direito à proteção
previdenciária é, com efeito, um direito constitucional fundamental. Sua
fundamentalidade não decorre apenas de uma determinação topológica, pelo fato –
importante, reconheça-se – de a previdência social estar expressa na
Constituição da República como um direito social inscrito no título “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais” (CF/88, art. 6º).
Em uma estrutura assentada sobre o princípio da
dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) e com objetivos fundamentais
de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), de
erradicação da pobreza e a marginalização, e de redução das desigualdades
sociais e regionais (CF/88, art. 3º, III), parece lógico que um sistema de
proteção social seja uma peça necessária. Pretende-se dizer com isso que não
apenas a partir de uma perspectiva individual, senão igualmente a partir de uma
perspectiva institucional, isto é, dos objetivos primeiros a que nossos
arranjos institucionais devem necessariamente confluir, faz-se indispensável um
sistema de seguridade social e, mais especificamente, um sistema previdenciário
adequado. Aliás, emprestar consideração social ao trabalho (CF/88, art. 1º, IV)
é entregar ao trabalhador recompensa em termos sociais, a devolutiva dos
reflexos sociais de seu trabalho. Os efeitos constitucionais de bem-estar e
justiça sociais passam por esse caminho (CF/88, art. 193).”
(SAVARIS, José Antônio.
Direito Processual Previdenciário – 7. ed. – Curitiba: Alteridade Editora,
2018, pp. 56-57, grifei)
À
vista disso, consoante consignado pelo i. Relator Ministro Roberto Barroso
quando da apreciação do processo supratranscrito, o núcleo essencial do direito
fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e
indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da
inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de
benefício previdenciário.
Entendo
que este Supremo Tribunal Federal admitiu a instituição de prazo decadencial
para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de
rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o
valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento
do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito.
No
caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de
indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da
República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não
preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso
inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o
exercício do direito material à sua obtenção.
Em
outras palavras: na medida em que modificadas as condições fáticas que constituem
requisito legal quando da entrada de um novo requerimento administrativo para a
concessão do benefício negado ou de novo benefício que possa depender da
reconsideração fática da negativa, a revisão do ato administrativo que
indeferiu, cancelou ou cessou o benefício é mecanismo de acesso ao direito à
sua obtenção, motivo pelo qual o prazo decadencial, ao fulminar a pretensão de
revisar a negativa, compromete o núcleo essencial do próprio fundo do direito.
Nesse
sentido, como bem assinalou o i. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, da
leitura da Exposição de Motivos da MP 871/2019, conclui-se que a medida, em
objeção à compreensão jurisprudencial estabelecida em acepção diversa da qual
se pretende conferir à norma contestada, teve por finalidade estender a
incidência do instituto a toda decisão administrativa relativa ao pedido de
benefício do Regime Geral da Previdência Social, de forma a restabelecer, em
menor grau, o entendimento previamente fixado na Súmula 64 da TNU, revogada
quando da edição da Súmula 81 da TNU com fundamento em decisões emitidas pelo
Superior Tribunal de Justiça e no assentado por esta Corte ao tempo do
julgamento do RE 626.489/SE. A propósito, confira-se:
“Inconformado com a
interpretação conferida pelo Poder Judiciário ao enunciado normativo em
análise, a MP nº 871/19, decidiu ampliar os contornos do instituto da
decadência. Conforme o revelado pelo item 24 da exposição de motivos da MP nº
871/2019: “Com objetivo similar, propõe-se definir o prazo de decadência de
decisões do INSS em dez anos. Há decisões judiciais reiteradas no sentido de que apenas haveria prazo
decadencial para os benefícios deferidos, permitindo a rediscussão de processos
administrativos de indeferimento do pedido ou cancelamento do benefício mesmo
após o prazo fixado. O objetivo é deixar claro que há prazo de
decadência para qualquer decisão administrativa referente a pedidos de
benefícios previdenciários do RGPS.” De fato, a nova redação do dispositivo em
análise abrange o indeferimento, cessação, cancelamento ou revisão de
benefício. Em síntese,
o que se pretende – com menor amplitude, pois os benefícios assistenciais não
estão abrangidos – é a ressurreição da Súmula nº 64 da TNU.” (Rocha,
Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 17.
ed. - São Paulo: Atlas, 2019.)
Com
efeito, na clássica lição do professor Agnelo Amorim Filho, as ações
declaratórias não se submetem aos institutos da prescrição e da decadência,
haja vista que não pretende o autor obter bem da vida assegurado pela lei, mas
tão somente a certeza jurídica da existência de determinada relação jurídica ou
da autenticidade de um determinado documento (e, portanto, não consiste a ação
em meio de reclamar uma prestação, tampouco em meio de exercício do direito à
criação, modificação ou extinção de um estado jurídico). Confira-se:
“Conceituando
as ações declaratórias e, simultaneamente, distinguindo-as das condenatórias e
das constitutivas, diz CHIOVENDA:
O autor que requer uma
sentença declaratória não
pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade
da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista
na modificação do estado jurídico atual; quer, tão somente, saber que seu direito existe
ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia no processo a
certeza jurídica e nada mais. (Instituições, 1/302 e 303).
(...)
A "certeza
jurídica" surge, assim, como efeito, não apenas imediato, mas também
único, das ações e sentenças declaratórias, e é precisamente o que acentua
CHIOVENDA quando afirma que a sentença declaratória "... não ensarta (sic)
outro efeito que o de fazer cessar a incerteza do direito..." (op. cit.,
1º vol., pág. 286)
(...)
Por conseguinte, pode-se
dizer que as sentenças
declaratórias não dão, não tiram, não proíbem, não permitem, não extinguem e
nem modificam nada. Em resumo: não impõem prestações, nem sujeições, nem
alteram, por qualquer forma, o mundo jurídico. Por força de uma
sentença declaratória, no mundo jurídico nada entra, nada se altera, e dele
nada sai. As sentenças desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a “certeza”
a respeito do que já existe, ou não existe, no mundo jurídico. É exatamente o princípio
consagrado no nosso Código de Processo Civil quando trata de tais ações: “O
interesse do autor poderá limitar-se à declaração da existência, ou
inexistência de relação jurídica ou à declaração da autenticidade ou falsidade
de documento” (art. 3º).
Fixado o conceito,
pergunta-se: as ações declaratórias estão ligadas à prescrição ou à decadência?
Parece-nos que nem a uma coisa nem a outra, conforme se passa a demonstrar.
(…)
Ora, as ações declaratórias nem são
meios de reclamar uma prestação, nem são, tampouco, meios de exercício de
quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico).
Quando se propõe uma ação declaratória, o que se tem em vista, exclusivamente,
é a obtenção da "certeza jurídica", isto é, a proclamação judicial da
existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ou da falsidade ou
autenticidade de um documento. Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é
visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as
ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos
prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o
objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da
decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratórias não
têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de
sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise?
Se o único efeito de tais ações é a declaração da existência ou inexistência de
uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento, qual a
finalidade da fixação de um prazo para o seu exercício? E quais seriam as consequências
do decurso do prazo sem propositura da ação? A relação inexistente passaria a
existir? E a existente deixaria de existir? O documento falso passaria a
autêntico? E o autêntico passaria a falso? Mesmo admitindo-se, para argumentar,
a possibilidade de consequências tão absurdas, a ação não seria, nestes casos,
declaratória, e sim constitutiva.”
(Amorim Flho, Agnelo.
Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São
Paulo: RT, out. 1961)
Ora,
o dispositivo impugnado, ao estender a incidência do prazo decadencial ao
direito ou à ação da parte segurada ou beneficiária em face de qualquer decisão
administrativa negativa que tenha por objeto a concessão do pedido relativo a
pedido de benefício previdenciário, obstaculiza a entrada de ação revisional
para confirmação da certeza jurídica quanto ao direito ou à pretensão da parte
beneficiária ou segurada no decorrer do lapso temporal que o prazo atinge.
Enfatiza-se
que, nesse caso, não tem a ação o fim de realizar o direito, quer dizer, não
tem o fim de criar ou restaurar um estado de sujeição ou o de realizar uma
prestação, a exemplo da consecução retroativa de parcelas devidas ao autor ao
tempo em que deveria estar em gozo de benefício, mas o de reconhecer a certeza
jurídica relativa às condições fáticas da parte beneficiária ou segurada ao
tempo do pedido, por exemplo.
Portanto,
não obstante a declaração judicial em sentido diverso ao da relação jurídica
firmada, os efeitos jurídicos dela decorrentes mantêm-se incólumes no decurso
do lapso decadencial e prescricional, revelando sua natureza declaratório.
Entender
diversamente e assentir a extinção do direito ou da ação para revisão de ato
administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação, implica instituir
prazo decadencial ou prescricional para a ação declaratória, que, como
sublinhado pelo i. Professor Agnelo Amorim Filho, tem natureza imprescritível:
“Para ficar ainda mais
acentuada a incompatibilidade entre as ações declaratórias e os institutos da
prescrição e da decadência, basta atentar para o seguinte: Diz CHIOVENDA que as
sentenças declaratórias podem ter por objeto qualquer direito, inclusive de
natureza potestativa (Instituições, 1/331; e Ensayos de Dere,cho Procesal
Civil, pág. 127). Dai pode-se concluir que os direitos, objeto das ações
declaratórias, são, também, objeto de uma das outras duas categorias de ações
(condenatórias ou constitutivas), e tal conclusão dá origem a mais um argumento
favorável ao ponto de vista que sustentamos. Realmente, desde que as situações jurídicas
que se colocam no campo de atuação das ações declaratórias já são tuteladas por
um dos outros dois tipos de ações cuja finalidade precípua é a realização do
direito (condenatórias ou constitutivas) e se estas, por sua vez,
já se encontram ligadas a um prazo extintivo (prescricional ou decadencial),
seria absurdo admitir outro prazo de igual natureza para a ação declaratória
que tivesse por objetivo a mesma situação jurídica. Se se entender de outra
forma, qual dos dois prazos deve prevalecer? O da ação declaratória ou o outro?
Levando em consideração o ponto assinalado, acentuam CHIOVENDA (Ensayos de
Derecho Procesal Civil, 1/129 da trad. cast.) e FERRARA (A Simulação dos
Negócios Jurídicos, pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória
está prescrita, não é razão para se considerar também prescrita a
correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o
interesse de ação para a declaração da certeza.
E se se levar em conta que
a prescrição e a decadência têm uma finalidade comum, que é a paz social, ainda
ficará mais evidenciada a desnecessidade de se fixar prazo para as ações
declaratórias, pois, não produzindo elas (e as respectivas sentenças), como de fato não
produzem, qualquer modificação no mundo jurídico (mas apenas a proclamação da
certeza jurídica), seu exercício, ou falta de exercício, não afetam, direta ou
indiretamente, a paz social.
Além do mais, se se
quisesse fixar um prazo extintivo para as ações declaratórias, de que natureza
seria este prazo? Prescricional ou decadencial? O legislador que pretendesse
fazer uma escolha se depararia com um obstáculo intransponível: como as ações declaratórias não
têm por finalidade a restauração, nem tampouco o exercício de direitos, elas
não podem ser atreladas nem ao instituto da prescrição nem ao da decadência.
Diante de tudo isso, a
conclusão que se impõe é a seguinte: as ações declaratórias devem ser
classificadas como ações imprescritíveis. E é esta, realmente, a classificação
dada pela maioria dos doutrinadores. Entre muitos outros: CHIOVENDA
(Instituições, 1/62; Ensayos, 1/32); PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado,
vol. 6º, págs. 129, 130 e 285) e FERRARA (Da Simulação dos Negócios
Jurídicos, pág. 458).”
(Amorim Flho, Agnelo.
Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São
Paulo: RT, out. 1961)
Ainda
que se reconhecesse, para argumentar, que tem a ação natureza constitutiva,
porque do reconhecimento da relação jurídica se pretende que decorram efeitos,
o prazo decadencial, em ambas as hipóteses, implica impossibilidade de
reconhecer condições fáticas que podem ser necessárias à concessão futura de
benefício previdenciário e, assim, implica impossibilidade de requerer
benefício a que se teria direito acaso não indevidamente indeferido o
requerimento.
O
prazo decadencial pode até fulminar a pretensão ao recebimento retroativo de
parcelas previdenciárias ou à revisão de sua graduação pecuniária, mas jamais
cercear integralmente o acesso e a fruição futura do benefício, motivo pelo
qual, como acima já sustentado, o art. 103 da Lei 13.846/2019, por
fulminar a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação,
compromete o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo
essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6º da Constituição da República.
Do
exposto, voto no sentido de conhecer parcialmente a ação direta e, na parte
remanescente, pela procedência em parte do pedido, declarando a
inconstitucionalidade do art.
24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991.
É como voto.
***
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