MUDANÇA DAS REGRAS DO USO DE (EPI) FACILITAM A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL DO INSS

Contestação de proteção poderá ocorrer só na Justiça Federal, que, na dúvida, será a favor do segurado.

 

Trabalhadores expostos a riscos poderão antecipar suas aposentadorias com mais facilidade após decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

 

A mudança ocorreu no julgamento do tema nº 213, pelo Turma Nacional de Uniformização, em que ficou decidido, que o segurado do INSS, pode recorrer diretamente à Justiça Federal para exigir a aposentadoria especial por insalubridade nos casos em que o benefício foi negado porque o trabalhador utilizava Equipamento de Proteção Individual.

 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0004439-44.2010.4.03.6318/SP

RELATOR: JUIZ FEDERAL FABIO DE SOUZA SILVA

REQUERENTE: JOAO BENEDITO DE ALMEIDA

REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS

 

RELATÓRIO

1. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, interposto contra acórdão da 4ª Turma Recursal de São Paulo, tendo como questão central a validade das informações do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) para a aferição da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI).

 

2. Insurge-se o recorrente contra o não reconhecimento da natureza especial do trabalho desenvolvido nos períodos de 01/09/2004 a 15/12/2005 e 16/01/2006 a 07/03/2008, em que trabalhou com exposição a tintas e agentes químicos, uma vez que o acórdão da Turma Recursal considerou provada a eficácia do EPI, mesmo com informações incompletas no PPP, especialmente, a ausência de indicação do certificado de aprovação (C.A.).

 

3. O recorrente traz como paradigmas acórdão do TRF3 (AL-ApRN 0002439-74.2010.4.03.6123; SP) e da TRU da 4ª Região (IUJEF 2008.72.51.007110).

 

4. Inadmitido na origem, o incidente foi distribuído a este relator por força de decisão do Ministro Presidente da TNU, em sede de agravo.

 

5. Na sessão de 27/06/2019, esta TNU decidiu, por maioria, conhecer o pedido de uniformização e afetá-lo como representativo de controvérsia (tema 213), indicando a seguinte questão controvertida: “saber quais são os critérios de aferição da eficácia do equipamento de proteção individual na análise do direito à aposentadoria especial ou à conversão de tempo especial em comum”.

 

6. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) habilitou-se como amicus curiae (eventos 22 e 33), tendo se manifestado no evento 44, ocasião em que, além de sua manifestação, juntou parecer técnico sobre o tema.

 

7. Este relator determinou a intimação da Associação Brasileira de Higiene Ocupacional (ABHO) para manifestação sobre o tema (evento 38), o que ocorreu no evento 52.

 

8. Os memoriais do INSS foram juntados no evento 51.

 

É o relatório. Decido.

 

VOTO

 

9. O acórdão recorrido, ao analisar o conjunto probatório, considerou que a simples informação de utilização de EPI eficaz no PPP é suficiente para afastar o direito à aposentadoria especial. Vale colacionar fragmentos da decisão em que a questão é debatida:

 

1. Trata-se de pedido de concessão de aposentadoria especial ou por tempo de serviço, com o reconhecimento de períodos laborados em condições especiais. Sentença de parcial procedência, nos seguintes termos:

 

(...)

 

11. EPI eficaz. Após longos debates jurisprudenciais, o STF, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 664.335/SC, com repercussão geral reconhecida, fixou as seguintes teses:

I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

II – Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.”

Isso porque considerou a Corte Suprema que em se tratando “especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. (...) Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.” (ARE 664.335/SC, Rel. Luiz Fux, 04.12.2014)

 

(...)

 

19. Como prova de seu direito, apresentou a parte autora os seguintes documentos, dos quais se depreende:

 

(...)

 

ii. PPP de fls. 07/08 do evento nº 16, emitido por CARTONADER INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, indicando, no período de 01/09/2004 a 15/12/2005, como único fator de risco a exposição a tintas, informando a utilização de EPI eficaz.

 

a. Portanto, tendo em vista que a utilização de EPI eficaz afasta a especialidade dos períodos com exposição a agentes químicos, o período de 01/09/2004 a 15/12/2005 deve ser considerado como comum.

 

iii. PPP de fls. 05/06 do evento nº 16, emitido por CARTONADER INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, indicando, no período de 16/01/2006 a 07/03/2008, como único fator de risco a exposição a tintas, informando a utilização de EPI eficaz.

 

a. Portanto, tendo em vista que a utilização de EPI eficaz afasta a especialidade dos períodos com exposição a agentes químicos, o período de 16/01/2006 a 07/03/2008 deve ser considerado como comum.

 

10. A parte recorrente indicou, como acórdão paradigma, precedente da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região (IUJEF 2008.72.51.007110-1), o qual afirma que a mera notícia da eficácia do EPI no PPP, sem um detalhamento dessa informação, é insuficiente para afastar o reconhecimento do caráter especial da atividade:

 

EMENTA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. USO DE EPI. NÃO DESCARACTERIZA A ESPECIALIDADE. NEUTRALIZAÇÃO DOS AGENTES NOCIVOS DEVE SER COMPROVADA POR LAUDOTÉCNICO.

 

1. A mera informação no formulário ou laudo ambiental do oferecimento de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, ou a informação lacônica de que a ação nociva do agente resta neutralizada pelo uso de EPI, não descaracterizam a especialidade do tempo de serviço. É necessário, para que seja refutada a declaração de especialidade, de uma informação mais detalhada, através do laudo da empresa ou laudo judicial, de que o uso do EPI efetivamente elida a ação nociva do agente insalutífero. 2. Precedente desta Turma Regional: IUJEF nº 2007.72.95.001463-2/SC 3. Incidente de uniformização conhecido e provido. (IUJEF 2008.72.51.007110-1, Turma Regional de Uniformização da 4ªRegião, Relator Rodrigo Koehler Ribeiro,D.E. 17/12/2010)

 

11. Como já pontuado na decisão de afetação, a divergência entre as teses interpretativas nos acórdãos das Turmas de São Paulo e Rio Grande do Sul é de superlativa relevância e alcança um enorme número de processos, especialmente, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal no ARE 664.335/SC, no qual fixou a seguinte tese: “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”.

 

12. Vale destacar que aquela Suprema Corte afirma expressamente, no mesmo acórdão, que “a Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete”.

 

13. Desse modo, uniformizar os critérios de aferição da eficácia do EPI é essencial para evitar soluções divergentes no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Federais e garantir maior racionalidade e previsibilidade das decisões judiciais.

 

14. Cumpre esclarecer que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, julgando o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 15 (processo 5054341-77.2016.4.04.0000/SC), firmou a tese de que “a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário”, tendo, ainda, estabelecido um roteiro resumido do procedimento a ser adotado no julgamento das causas em que houver discussão sobre a eficácia do EPI:

 

1 º Passo:

 

O juiz (a requerimento das partes ou de ofício) deve oficiar ao empregador para que apresente os registros do fornecimento de EPI ao trabalhador, podendo ser 'livros, fichas ou sistema eletrônico' (previsão contida na NR-06 - item 6.6.1 'h').

 

Não existindo esse controle de fornecimento do EPI a prova pericial será inócua, pois não basta o equipamento ser cientificamente adequado para afastar ou neutralizar a nocividade se não houve o controle do fornecimento e substituição do EPI pelo empregador.

 

2 º Passo:

 

Havendo documentação que comprove o fornecimento de EPI, poderá ser designada a realização de perícia nos termos parametrizados neste voto, inclusive para apurar se houve o cumprimento das demais condições previstas na IN INSS 77/2015, art. 279, § 6º, quais sejam:

 

I - da hierarquia estabelecida no item 9.3.5.4 da NR-09 do MTE, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou interinidade à implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial;

 

II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo;

 

III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do MTE;

 

IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e

 

V - da higienização.

 

Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:

 

a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:

 

Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:

 

'§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)'

 

b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:

 

b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)

 

b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)

 

b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

 

b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:

 

Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

 

b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017)

 

 Por fim, resta esclarecer, quanto a esse aspecto, que nos casos de empresas inativas e não sendo obtido os registros de fornecimento de EPI, as partes poderão utilizar-se de prova emprestada ou por similaridade (de outros processos, inclusive de reclamatórias trabalhistas) e de oitiva de testemunhas que trabalharam nas mesmas empresas em períodos similares para demonstrar a ausência de fornecimento de EPI ou uso inadequado.

 

3º Passo:

 

Esgotada a produção da prova na via judicial e não sendo possível constatar a eficácia do EPI, cabe observar o item 11 do Acórdão do STF no julgamento da Repercussão Geral n.555 (ARE 664335/SC):

 

‘Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.’

 

15. O julgado do TRF-4, apesar da profundidade argumentativa, não pode ser reproduzido de modo integral no sistema dos Juizados Especiais Federais de todo o país, como se passa a demonstrar na fundamentação deste voto, que está dividida em 6 (seis) capítulos:

 

1. Impacto do E.P.I. no reconhecimento do direito à aposentadoria especial

2. Real eficácia do E.P.I. como condição para o afastamento do direito à aposentadoria especial

3. Inexistência de presunção de veracidade das informações do P.P.P.

4. Possibilidade de análise da eficácia do E.P.I. como questão prejudicial no processo previdenciário

5. Requisitos para a eficácia do E.P.I.

6. Necessidade de prévia impugnação administrativ

 

I. IMPACTO DO E.P.I. NO RECONHECIMENTO DO DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL

16. A Constituição da República adotou como regra na Previdência Social a dimensão formal da igualdade, exigindo o tratamento igual para todos e vedando a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (CF, art. 201, § 1º).

 

17. O Constituinte, entretanto, reconhece a existência de situações que, não apenas autorizam, mas, exigem um tratamento especial: (i.) atividades exercidas em condições especiais que prejudiquem a saúde; e (ii.) pessoas com deficiência. A aposentadoria em condições especiais é, portanto, uma exceção à regra geral e, por isso, apenas pode (e deve) existir nos casos autorizados no texto constitucional:

 

CF, art. 201, § 1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados

 

I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar

 

II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

 

18. Umas das consequências dessa lógica constitucional é a necessidade de se reconhecer que a concessão de aposentadoria especial para quem não se enquadra nas condições que a Constituição elegeu como autorizadoras do tratamento diferenciado corresponde a uma quebra de isonomia, em razão da impossibilidade de se justificar o tratamento privilegiado no âmbito previdenciário. Dito de outra forma: constitui ofensa à isonomia constitucional a concessão de uma aposentadoria antecipada a um segurado que não trabalhe em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física. Mas também ofende a igualdade deixar da dar tratamento especial àqueles que laboram com exposição a agentes agressivos.

 

19. Necessário, portanto, considerar a aposentadoria especial como instrumento promotor de igualdade de oportunidades com caráter compensatório dos danos à saúde do trabalhador. Se o segurado trabalha em condições capazes de provocar danos à saúde ou à integridade física, a legislação previdenciária tem a obrigação de criar medidas compensatórias, capazes de igualar as chances de acesso à aposentadoria, permitindo a interrupção da exposição aos agentes agressivos. A equação daí decorrente é a seguinte: conceder aposentadoria para quem trabalha em condições realmente especiais iguala os indivíduos; conceder o benefício para quem trabalha em condições ordinárias constitui privilégio incompatível com o ordenamento constitucional.

 

20. A aferição da existência dessa condição autorizadora do tratamento diferenciado foi regulada pelo legislador e está prevista nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91, que exigem um formulário preenchido pela empresa, com base em laudos técnicos das condições especiais de trabalho. Neste ponto, cabe destacar que a legislação exige que a análise leve em consideração a existência de tecnologia de proteção:

 

§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo

 

21. A conclusão inevitável é que, mesmo quando as condições de trabalho, em princípio, forem prejudiciais à saúde ou à integridade física, não poderá haver tratamento diferenciado caso haja medidas de proteção coletiva ou individual capazes de eliminar ou reduzir aos níveis de tolerância a intensidade de exposição aos agentes agressivos.

 

22. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao decidir o tema 555 de sua jurisprudência com repercussão geral, estabeleceu o seguinte, no item I da tese:

 

I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

 

23. Como se infere do julgamento do ARE 664.335/SC, que originou a tese do tema 555, o STF reconhece o caráter excepcional da aposentadoria especial. A Corte afirma ser o benefício essencial para os que trabalham em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, porém, uma prestação proscrita aos que trabalham fora dessas condições. De acordo com o STF, o uso de EPI pode eliminar a diferença material entre trabalhadores e tornar injustificável a concessão de aposentadoria especial. Vale colacionar, neste momento, alguns fragmentos da ementa do referido acórdão:

 

(...) 4. A aposentadoria especial possui nítido caráter preventivo e impõe-se para aqueles trabalhadores que laboram expostos a agentes prejudiciais à saúde e a fortiori possuem um desgaste naturalmente maior, por que não se lhes pode exigir o cumprimento do mesmo tempo de contribuição que aqueles empregados que não se encontram expostos a nenhum agente nocivo.

 

(...) 8. O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física (CRFB/88, art. 201, § 1º), de forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo e o trabalhador.

 

9. A interpretação do instituto da aposentadoria especial mais consentânea com o texto constitucional é aquela que conduz a uma proteção efetiva do trabalhador, considerando o benefício da aposentadoria especial excepcional, destinado ao segurado que efetivamente exerceu suas atividades laborativas em “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

 

10. Consectariamente, a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. (...)

 

(ARE 664335, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)

24. Desse modo, a primeira conclusão a que se chega é que o trabalho exercido com exposição efetiva e permanente a agentes nocivos garante o direito à aposentadoria especial, salvo se houver a adoção de tecnologia de proteção coletiva ou individual realmente capaz de neutralizar a nocividade.

 

II. REAL EFICÁCIA DO E.P.I. COMO CONDIÇÃO PARA O AFASTAMENTO DO DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL

 

25. O capítulo anterior do voto deixa claro que há ofensa ao princípio constitucional da isonomia, tanto quando a aposentadoria especial é concedida para quem não trabalha em condições especiais, quanto quando o benefício é negado a um segurado que exerce atividade em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física.

 

26. Por outro lado, também restou esclarecido que condições prima facie especiais podem ser compensadas pelo uso de equipamentos de proteção coletiva ou individual realmente capazes de neutralizar a nocividade. Nesse caso, deixaria de existir justificativa para um tratamento diferenciado, sendo vedada a concessão do benefício especial.

 

27. Nesse sentido, no julgamento do ARE 664.335/SC, o Supremo Tribunal Federal torna bastante claro que a justificativa constitucional da aposentadoria especial apenas deixa de existir quando houver real neutralização do agente nocivo. É necessário que haja certeza da eficácia do equipamento, como exigência do princípio da precaução:

 

[...] Neste nível, a afirmação de que o EPI é eficaz – estampada do formulário – pode ser falsa ou verdadeira. Essa afirmação é impossível de ser verificada somente no formulário, mesmo que elaborado com base nos dados existentes no LTCAT. Explicando melhor. Se dissermos que “chove lá fora”, esse enunciado pode ser falso ou verdadeiro, bastando colocar a partícula “não” e olhar para fora. A condição de verificabilidade, no caso do EPI, demanda dilação probatória, para verificar se de fato ele é eficaz. Dito por outras palavras, é preciso olhar além do Perfil Profissiográfico Previdenciário. [...]

 

[...] em matéria previdenciária, a aplicação do princípio da precaução encontra um espaço deixado pela falta de precaução como princípio. É neste espaço, pois, que o princípio da precaução deverá orientar a decisão de retirar o trabalhador/segurado mais cedo do meio ambiente de trabalho, concedendo-lhe a aposentadoria especial, mesmo inexistindo consenso científico em torno das consequências graves do risco, isto é, mesmo inexistindo prova cabal da potencialidade de determinado agente.

 

[...] É inegável, do ponto de vista jurídico, que se comprovada a inexistência de riscos no ambiente de trabalho, a concessão da aposentadoria especial viola o artigo 201, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Agora, apostar na eficácia do EPI de forma abstrata, com todas as implicações que isso tem, é tentar produzir uma realidade ideal (imaginária), na qual o INSS exerce a sua atividade de fiscalização previdenciária, as empresas disponibilizam as piores informações sobre o ambiente de trabalho (afinal, ela não possui nenhum interesse econômico nisso), e o EPI protege os trabalhadores contra todo e qualquer agente nocivo ou associação (se me entendem a ironia). [...]

 

(SCHUSTER, Diego Henrique. Equipamento de Proteção Individual (EPI): o que forma o sentido jurídico de (in)eficácia em matéria previdenciária?)

 

28. Na dúvida, pela proteção... o STF já fez a ponderação...

 

29. Essa afirmação que está expressa na tese firmada tema 555 (...se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade... g.n.) fica explicitada de modo hialino no item 11 da ementa do acórdão do ARE 664.335/SC:

 

11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete. (...)

 

(ARE 664335, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)

 

30. O fragmento do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, que trata do tema guarda conteúdo similar à ementa:

 

Insta salientar que em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete nos seus afazeres. Necessário enfatizar que a autoridade competente sempre poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa no laudo técnico de condições ambientais do trabalho ou documento equivalente, tudo sem prejuízo do inafastável judicial review. Parece-nos que, dessa forma, concretizaremos o devido fim que as normas constitucionais inerentes quis tutelar.

 

31. Desse modo, se não ficar demonstrada a real eficácia do equipamento de proteção, a exposição efetiva e permanente ao agente nocivo deverá conduzir à concessão de aposentadoria especial.

 

32. Obviamente, o que faz prevalecer a proteção previdenciária especial não é qualquer dúvida suscitada por qualquer pessoa, em qualquer ação individual. Apenas uma dúvida razoável pode infirmar a declaração de fornecimento de EPI eficaz (o tema será abordado no item V do voto).

 

33. Foi o que ocorreu no julgamento do ARE 664.335/SC, quando o STF identificou uma das situações em que o equipamento de proteção individual não será eficaz para afastar a nocividade: o ruído. Essa constatação conduziu à edição do segundo item da tese do tema 555:

 

II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

 

34. É fundamental destacar que o item II da tese não é uma exceção ao item I, mas, sua densificação, uma vez que aplica a ideia central do item I, ao afirmar que o EPI eficaz – realmente eficaz – é o único que afasta o direito à aposentadoria especial.

 

35. Importante, notar, portanto que, em momento algum, o STF restringiu ao ruído a impossibilidade de reconhecimento da ineficácia do EPI. A lógica se aplica a todo e qualquer agente nocivo: o EPI apenas obstará a concessão do benefício se for realmente capaz de neutralizar a nocividade.

 

III. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES DO P.P.P.

 

36. A aferição da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (E.P.I.) ocorre, em princípio, por meio das informações lançadas pela empresa no Perfil Profissiográfico Previdenciário (P.P.P.). Entretanto, é necessário avaliar a força probatória dessa declaração e, especialmente, verificar se é dotada de presunção de veracidade.

 

37. O presente capítulo do voto esclarece a inexistência de presunção legal, tampouco de presunção lógica, das informações lançadas no Perfil Profissiográfico Previdenciário (P.P.P.), especialmente, daquelas sobre a eficácia do Equipamento de Proteção Individual (E.P.I.).

 

38. Como já explicitado, a aposentadoria especial, benefício com fundamento da validade no § 1º, do art. 201, da Constituição da República, será concedida quando o segurado houver trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos em condições especiais, prejudiciais à saúde. Para tanto, deverá comprovar tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde, como afirma o § 3º, do art. 57 da Lei 8.213/91.

 

39. Essas condições especiais correspondem, em verdade, à efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física (Lei 8.213/91, art. 57, § 4º), a ser comprovada  mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista (Lei 8.213/91, art. 58, § 1º).

 

40. Em outras palavras, a prova padrão da atividade especial ocorre, atualmente, por meio do formulário, denominado Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), preenchido pela empresa com base em Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho contratado pela própria empresa.

 

41. Inexistência de presunção legal. A disciplina legislativa do PPP está prevista no art. 58 da Lei 8.213/91, que, em momento algum, cria uma presunção legal de veracidade das informações contidas do formulário:

 

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.               

 

§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.

 

§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.     

 

§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.

 

 § 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.

 

42. O PPP é, tão somente, um formulário no qual consta a declaração firmada pelo representante legal da empresa, sobre as condições de trabalho dos segurados reveladas pelo laudo produzido por profissional contratado pela própria empresa. Pode ser, portanto, classificado como uma prova documental, mais especificamente, uma declaração sobre a ciência de um fato, cuja força probante está disciplinada no parágrafo único, do art. 408 do CPC:

 

CPC. Art. 408, Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência de determinado fato, o documento particular prova a ciência, mas não o fato em si, incumbindo o ônus de prová-lo ao interessado em sua veracidade.

 

43. O legislador – seja o processual, seja o previdenciário – não cria a presunção das informações contidas no documento. Nenhum dos atores envolvidos em sua produção tem fé pública. O procedimento adotado em sua produção também não está protegido por qualquer comando normativo capaz de gerar presunção. Não existe, portanto, base para concluir pela existência de presunção legal das informações contidas no PPP.

 

44. Evidentemente, isso não significa negar todo o valor probatório do PPP. Por força do § 1º, do art. 58 da Lei 8.213/91, o formulário é o meio padrão  - e, muitas vezes, suficiente - de prova das condições especiais de trabalho. Entretanto, uma vez fundamentada e consistentemente impugnado, gera a necessidade de abertura de oportunidade de produção probatória, uma vez que não se encontra amparado por qualquer presunção de veracidade. É desse modo que o Superior Tribunalde Justiça se posicionou na Pet 10.262/RS, interposta contra decisão desta TNU:

 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO.

COMPROVAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO (PPP). APRESENTAÇÃO SIMULTÂNEA DO RESPECTIVO LAUDO TÉCNICO DE CONDIÇÕES AMBIENTAIS DE TRABALHO (LTCAT). DESNECESSIDADE QUANDO AUSENTE IDÔNEA IMPUGNAÇÃO AO CONTEÚDO DO PPP.

1. Em regra, trazido aos autos o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), dispensável se faz, para o reconhecimento e contagem do tempo de serviço especial do segurado, a juntada do respectivo Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), na medida que o PPP já é elaborado com base nos dados existentes no LTCAT, ressalvando-se, entretanto, a necessidade da também apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o conteúdo do PPP.

2. No caso concreto, conforme destacado no escorreito acórdão da TNU, assim como no bem lançado pronunciamento do Parquet, não foi suscitada pelo órgão previdenciário nenhuma objeção específica às informações técnicas constantes do PPP anexado aos autos, não se podendo, por isso, recusar-lhe validade como meio de prova apto à comprovação da exposição do trabalhador ao agente nocivo "ruído".

3. Pedido de uniformização de jurisprudência improcedente.

(Pet 10.262/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 16/02/2017)

 

45. Todavia, por absoluta ausência de previsão normativa, não é possível considerar que a lei atribua uma especial eficácia probatória ao formulário. Não é por outro motivo que, regulando a contribuição devida em razão dos riscos ambientais de trabalho (RAT/SAT), a Instrução normativa 971/2019, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, afirma que as informações sobre o ambiente de trabalho deverão ser comprovadas perante a fiscalização da Receita mediante a apresentação de diversos documentos (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, CAT), sendo o PPP apenas um deles (art. 291).

 

46. De modo ainda mais explícito, o art. 296 da referida IN 971/2019 afrima que a contribuição será lançada pro arbitramento na falta de um desses documentos ou quando houver incoerência entre eles e os de natureza trabalhista ou outros documentos, recusando expressamente qualquer presunção e atribuindo o ônus de prova à empresa:

 

Art. 296. A contribuição adicional de que trata o art. 292, será lançada por arbitramento, com fundamento legal previsto no § 3º do art. 33 da Lei nº 8.212, de 1991, combinado com o art. 233 do RPS, quando for constatada uma das seguintes ocorrências:

 

I - a falta do PPRA, PGR, PCMAT, LTCAT ou PPP, quando exigíveis, observado o disposto no inciso V do art. 291;

 

II - a incompatibilidade entre os documentos referidos no inciso I;

 

III - a incoerência entre os documentos do inciso I e os emitidos com base na legislação trabalhista ou outros documentos emitidos pela empresa prestadora de serviços, pela tomadora de serviços, pelo INSS ou pela RFB.

 

Parágrafo único. Nas situações descritas neste artigo, caberá à empresa o ônus da prova em contrário. (g.n.)

 

47. Isso significa que a Receita pode cobrar - e efetivamente cobra - a contribuição RAT/SAT com base nas condições ambientais de trabalho analisadas por meio de uma série de documentos, podendo superar as informações contidas no PPP e no LTCAT se houver divergência com outros elementos probatórios.

 

48. Inexistência de presunção lógica. Além de inexistir presunção legal de veracidade das informações do PPP, a forma como o documento é produzido também conduz à conclusão de que não há uma presunção lógica de veracidade.

 

49. Com o objetivo de estimular o cumprimento dessa obrigação previdenciária acessória por parte das empresas, o art. 58, § 3º da Lei 8.213/91 estabelece que a inexistência do laudo atualizado ou a não emissão do PPP sujeita a empresa a uma multa, nos termos do art. 133.

 

50. É importante destacar, todavia, que, apesar do caráter coercitivo da multa para a manutenção de um laudo atualizado, a sistemática legal também estimula – talvez de modo mais persuasivo – o esforço da empresa para deixar de reconhecer a natureza especial das condições de trabalho do segurado. Explica-se.

 

51. A aposentadoria especial é financiada pela contribuição de que trata o art. 22, II da Lei 8.212/91, cuja alíquota básica varia entre 1%, 2% ou 3%, de acordo com o grau de risco de acidentes do trabalho na atividade da empresa. Trata-se de tributo com evidente caráter extrafiscal, pois busca estimular a adoção de medidas capazes de aumentar a proteção do meio ambiente do trabalho. Tanto é assim, que essa alíquota básica poderá ser reduzida pela metade ou ser majorada em até 100% em razão do desempenho da empresa na prevenção de acidentes (Lei 10.666/03, art. 10), apurada na forma do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Logo, na realidade, a alíquota base variará de 0,5% a 6%.

 

52. Ocorre que, se a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permitir a concessão de aposentadoria especial aos 15, 20 ou 25 anos, a alíquota da contribuição é acrescida de 12%, 9% ou 6%, respectivamente, incidente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Assim, por exemplo, se uma empresa tem uma alíquota básica de 2%, mas seus empregados trabalham com exposição a ruídos acima de 85 dB(A), será tributada em 8% (2%+6%).

 

53. O legislador cria um paradoxo: o direito do segurado à aposentadoria especial depende de uma prova produzida pela empresa que terá sua carga tributária majorada caso o direito seja reconhecido.

 

54. Esse paradoxo impede o reconhecimento de uma presunção lógica de veracidade das informações contidas no PPP, especialmente aquelas sobre a eficácia do EPI.

 

55.  O PPP é um relevante elemento de prova das condições de trabalho necessárias à concessão da aposentadoria especial. Porém, não é dotado de uma especial força probante. É um elemento a ser desafiado, ponderado, superado ou reafirmado pelo conjunto probatório que formará o convencimento do julgador sobre as condições especiais de trabalho.

 

IV. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA EFICÁCIA DO PPP COMO QUESTÃO PREJUDICIAL NO PROCESSO PREVIDENCIÁRIO

 

56. O fornecimento de EPI adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento é uma obrigação trabalhista, nos termos do art. 166 da CLT:

 

CLT Art. 166 - A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.

 

57. Fornecer o P.P.P. devidamente preenchimento ao empregado também é uma obrigação do empregador, nos termos do § 4º, do art. 58 da Lei 8.213/91:

 

Lei 8.213/91, art. 58, § 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.

 

58. Não há dúvida, portanto, de que, se um PPP traz informação imprecisa ou equivocada a respeito do fornecimento de EPI eficaz, existe ofensa a normas trabalhistas, que precisa ser corrigida no âmbito da relação entre empregado e empregador.

 

59. Ocorre que a controvérsia trabalhista gera uma consequência previdenciária relevante: a informação equivocada sobre o fornecimento de EPI eficaz pode impedir o exercício do direito à aposentadoria especial. 

 

60. É importante, porém, notar que as relações previdenciária e trabalhista são autônomas, possuem atores distintos e fundamentos diferentes. Nos processos previdenciários em curso na Justiça Federal não se está julgando a pretensão do empregado contra o empregador, mas, sim, a relação entre o segurado e a Previdência Social. O cumprimento das normas trabalhistas é, tão somente, uma questão prejudicial ao julgamento.

 

61. O fato gerador do benefício é o trabalho exercido em condições especiais à saúde, que tem como meio de prova padrão as informações do PPP. Mas, se essas informações estão equivocadas, é possível se estabelecer uma discussão sobre a existência do direito ao benefício apesar das informações contidas no formulário. Nesse caso, a análise das obrigações trabalhistas ocorrerá apenas como uma questão prejudicial... não haverá julgamento do empregador.

 

62. No julgamento da causa previdenciária, o Juiz não declara a nulidade do PPP, não condena o empregador a preencher novo formulário, tampouco dá qualquer comando direcionado ao acertamento da relação trabalhista. O Juiz Federal se limita a analisar se há direito à aposentadoria. No percurso lógico para formar seu convencimento, é possível que o julgador seja obrigado a avaliar as questões trabalhistas, não para julgá-las, mas, tão somente, para extrair as conclusões necessárias à avaliação do direito previdenciário.

 

63. Trata-se, apenas, de uma questão prejudicial, como tantas outras com as quais os magistrados se deparam em diferentes processos. Como exemplo, ainda na seara previdenciária, a questão se aproxima da análise da união estável para fins de pensão por morte. É rotineira na Justiça Federal a produção probatória sobre a existência da relação familiar: ouvem-se testemunhas, analisam-se documentos, expedem-se ofícios... tudo para resolver uma questão prejudicial e permitir o julgamento da causa que analisa o direito à pensão previdenciária.

 

64. Nesses casos, não se julga a relação familiar: o Juiz Federal não pode declarar a existência de união estável. Julga-se o direito à pensão, ainda que, para tanto, tenha que analisar, como questão prejudicial, se há uma família.

 

65. Vale destacar que não são raros os casos em que o julgamento na seara previdenciária ocorre após decisões de outros âmbitos judiciais e, ainda assim, chega a uma conclusão diferente daquela que jugou a questão. Assim, o reconhecimento da união estável pela Vara de Família não produz garantia de que o Juiz Federal também a reconhecerá para fins previdenciários; como o reconhecimento do vínculo empregatício pela Justiça do Trabalho não garante o reconhecimento do tempo de contribuição na Justiça Federal.

 

66. Por outro lado, a questão prejudicial não afeta a competência para julgamento da causa. A necessidade de avaliar uma questão trabalhista para resolver uma controvérsia previdenciária não afasta a competência da Justiça Federal. De acordo com o art. 503, § 1º, III do Código de Processo Civil, a incompetência do juízo para resolver a questão prejudicial apenas afeta a extensão da coisa julgada, mas não impede o julgamento da causa:

 

CPC, art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

 

§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

 

I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;

 

II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

 

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

 

§ 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

 

67. É, portanto, perfeitamente possível a análise de questão prejudicial, ainda que o juízo não tenha competência, em razão da matéria, para resolvê-la como questão principal. Nesse caso, entretanto, a coisa julgada não alcança a matéria avaliada incidentalmente. Essa é precisamente a situação do Juiz Federal julgando causa previdenciária que dependa de análise de algum aspecto da relação trabalhista, como, por exemplo, o fornecimento de EPI eficaz.

 

68. Deve ser ressaltado que a discussão sobre a eficácia do EPI não possui natureza exclusivamente trabalhista. Essa assertiva é ratificada não apenas pelos impactos previdenciários, como também por controvérsias tributárias a ela relacionadas. Por exemplo, se a Receita da Federal do Brasil considera um determinado EPI não é eficaz e, por isso, cobra da empresa uma contribuição SAT com alíquota mais elevada, como será a impugnação judicial desse lançamento? A ação para questionar a cobrança será proposta na Justiça Federal e discutirá a eficácia do EPI fornecido pela empresa aos seus empregados.

 

69. Voltando à discussão sobre a aposentadoria especial, o fato é que o INSS indeferiu um benefício, por não reconhecer a existência de tempo especial, diante da existência de EPI capaz de neutralizar o risco. O segurado busca impugnar o ato administrativo de indeferimento. Afirmar que ele está impedido de acessar a Justiça para corrigir uma ofensa ao direito de se aposentar, porque antes deve buscar solucionar a questão trabalhista, parece uma afronta direta ao art. 5º, XXXV da CF. O fato de existir a necessidade de enfrentar uma questão prejudicial, não pode servir de impedimento ao acesso à Justiça.

 

70. A conclusão deste capítulo, portanto, é pela possibilidade de discussão no processo previdenciário, como questão prejudicial, da eficácia do Equipamento de Proteção Individual fornecido pelo empregador.

 

V. REQUISITOS PARA A EFICÁCIA DO E.P.I.

 

71. É importante iniciar o debate sobre os requisitos para a eficácia do E.P.I. com a constatação de que a individualização da proteção é subsidiária, tornando-se necessáira em razão da ausência de proteção coletiva eficiente.

 

72. A verdade é que a necessidade de utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI) indica a fragilidade das técnicas de segurança de saúde do trabalhador. Afinal, o EPI não elimina a insalubridade do ambiente de trabalho, criando, apenas, uma barreira entre os riscos e o trabalhador. O agente nocivo, portanto, permanece presente; o EPI se limita a buscar impedir o seu contato com o trabalhador.

 

73. A produção doutrinária sobre o tema destaca essa característica do EPI:

 

O EPI jamais elimina a insalubridade do meio ambiente do trabalho por impedimento lógico, pois o EPI é uma barreira colocada no receptor. Todavia, poderá neutralizá-la quanto à consumação dos fatores dos riscos físicos (energias) e químicos (substâncias inaláveis) provenientes das respectivas previsibilidades, certezas e cronicidades. (...)

 

(...)

 

O desafio epistemológico se apresenta pela mudança do objeto investigado que deixa de ser o ser humano (ocupacional e biologizado), segundo a doutrina da Medicina do Trabalho empobrecida pela epiização para o ambiente do trabalho (saúde do trabalhador e epidemiológico) com todo ferramental socioambiental e econômico pertinentes à matéria, e não apenas biológico fornecido pelas várias disciplinas do conhecimento humano.

 

(OLIVEIRA, Paulo Rogério Albuquerque. Uma sistematização sobre a saúde do trabalhador – do exótico ao esotérico. São Paulo: LTr, 2011, p. 336)

 

74. Qualquer falha nessa última barreira de proteção, deixa o segurado sujeito a todas as consequências deletérias da exposição a um agente nocivo à saúde. É por esse motivo que - como já exposto no item III do voto - somente nos casos de certeza é possível reconhecer o EPI como eficaz. Havendo dúvida razoável e consistente, a eficácia não pode ser reconhecida.

 

75. Há dois tipos de dúvidas capazes de infirmar a declaração de fornecimento de EPI eficaz: i. incerteza quanto à eficácia integral do equipamento; e ii. incerteza quanto à eficácia específica do EPI fornecido ao segurado.

 

76. Incerteza quanto à eficácia integral. Há incerteza quanto à eficácia integral do EPI, quando técnicos em segurança do trabalho afirmam que não podem certificar a eficácia para neutralizar os efeitos danosos de um agente presente no ambiente de trabalho.

 

77. Noutros termos, é papel das normas técnicas estabelecer qual é o rol de EPC e EPI que, utilizados conjuntamente, resultam em afastamento da nocividade ou da periculosidade. Os critérios definidos pelo Poder Executivo estão embasados em conhecimento técnico de órgão com maior aptidão para avaliar a questão, motivo pelo qual deve ser considerado inserido na margem de decisão da Administração Pública:

 

A conservação de um campo decisório reservado a decisões administrativas é uma necessidade da gestão pública, a fim de viabilizar uma atuação célere, vasta, eficaz, multidisciplinar e especializada, permitindo que o Estado cumpra adequadamente o seu papel de ordenação da vida social, redução da insegurança e preservação de direitos.

 

Margem de apreciação consiste no “reconhecimento da maior aptidão do administrador para, dentro dos limites do Direito, traduzir para o código jurídico um conceito técnico pertencente a outro sistema perito”.

 

(SOUZA, Fábio. Quem deve decidir? Confiança na aptidão decisória como critério de definição dos limites do controle judicial das decisões administrativas. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 21 e 90 )

 

78. É possível que, com fundamento em artigos científicos ou experimentos, lance-se dúvida razoável sobre a suficiência dos parâmetros fixados pelas normas técnicas. Nesse caso, o Judiciário estará autorizado a avaliar se a Administração atuou adequadamente dentro de sua margem de decisão e poderá – preferencialmente, em nível macro - se pronunciar sobre eventual alteração dos critérios técnicos.

 

79. Em outras palavras, após a devida instrução, é possível que o Poder Judiciário conclua que um determinado tipo de EPI não é eficaz para proteger o segurado contra um agente nocivo; pode, mesmo, concluir pela inexistência de qualquer EPI capaz de eliminar a nocividade de um agente específico. Foi o que ocorreu no caso do ruído, no julgamento do tema 555 pelo STF.

 

80. Essas situações, todavia, serão raras e pontuais, em que pesem o potencial para atingirem um grande número de pessoas. O reconhecimento da ineficácia integral de um EPI tende a se resumir a agentes nocivos específicos, como o debate em torno de substâncias comprovadamente cancerígenas em humanos, ruído, agentes biológicos e perigosos. 

 

81. Incerteza quanto à eficácia específica do EPI. Um outro tipo de dúvida apresenta-se de modo muito mais frequente: a incerteza quanto à eficácia específica do EPI fornecido ao segurado, tópico que constitui o foco central da questão submetida a julgamento neste recurso.

 

82. Nesses casos não está em jogo a opinião dos órgãos técnicos, mas a observância adequada, pela empresa empregadora, das regras de segurança do trabalho. 

 

83. Como leciona Paulo Rogério Albuquerque, na obra já citada, a utilização do EPI estaria sujeita a algumas condições:

 

Requisitos de admissibilidade do uso do EPI (Regras de Exceção)

1. exposição de motivos que apontem a inviabilidade técnica do EPC

2. insuficiência do EPC

3. interinidade à implementação do EPC

4. caráter emergencial

5. as condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições

6. o prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do MTE

7. a periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria

8. a higienização

84. Essas condições para a eficácia do EPI não ficam restritas ao debate doutrinário. A Norma Regulamentadora nº 6 (NR-6), aprovada pela Portaria MTb nº 3.214/1978 e suas diversas atualizações, densifica as normas da política pública de segurança do trabalho, estabelecendo diretrizes técnicas para o fornecimento e o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos trabalhadores.

 

85. Necessário, portanto, avaliar as informações da NR-6, que já em seu item 6.1 afirma: “considera-se Equipamento de Proteção Individual - EPI, todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho”. Em seguida, relaciona as condições necessária para a eficácia desses equipamentos: adequação ao risco da atividade; certificado de aprovação válido; manutenção, substituição e higienização; e orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação.

 

86. EPI adequado ao risco da atividade. A primeira exigência é que o EPI fornecido seja adequado ao risco da atividade, de acordo com as normas técnicas (NR-6, itens 6.3 a 6.5 e 6.6.1.a).

 

87. O anexo I da NR-6 lista equipamentos de proteção individual para proteção da cabeça, dos olhos e da face, auditiva, respiratória, do tronco, dos membros superiores, dos membros inferiores, do corpo inteiro e para quedas de diferença de nível. É possível, porém, que produtos não elencados nesse anexo sejam considerados EPIs eficazes, desde que observem procedimento específico no âmbito do Poder Executivo.

 

88. Uma das condições de eficácia do EPI é o reconhecimento, pelas normas técnicas, de sua adequação para o risco ao qual está submetido o trabalhador. Em um exemplo extremo, mas ilustrativo, uma luva de látex não pode ser fornecida como EPI contra pressão hiperbárica.

 

89. Dessa forma, na maior parte dos casos, a discussão sobre a adequação do EPI não exigirá prova técnica, mas a simples observância do atendimento às exigências dos regulamentos administrativos que tratam dos equipamentos de proteção, especialmente, a NR-6.

 

90. Para fins de sistematização e melhor compreensão do julgado, é possível incluir eventual reconhecimento de  incerteza quanto à eficácia integral do EPI (tema debatido acima nos itens 80 a 84) em um debate amplo sobre sua a adequação do equipamento ao risco da atividade. Desse modo, o protetor auricular, apesar de recomendado, não será - nessa leitura ampliada do requisito - adequado para proteger o segurado contra todos os malefícios do ruído.

 

91. Esses casos de discussão sobre a eficácia integral do EPI poderão ensejar, com mais frequência, a produção de prova técnica. Todavia, é importante destacar que essa não é a situação cotidiana no processo processo previdenciário. Ao contrário, ocorre apenas em relação a riscos específicos ou equipamentos pontuais (ex:  agentes cancerígenos, agentes perigosos etc), geralmente analisados por meio de discussão em recurso paradigmático representativo de controvérsia ou por meio de perícia capaz de ser aproveitada em inúmeros processos.

 

92.  Certificado de conformidade.  O item 6.2 da NR-6 estabelece a exigência de um Certificado de Aprovação (CA) para a liberação da venda e do uso de um EPI. Nas palavras do ato regulamentar:

 

6.2 O equipamento de proteção individual, de fabricação nacional ou importado, só poderá ser posto à venda ou utilizado com a indicação do Certificado de Aprovação - CA, expedido pelo órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.

 

93. A obtenção do CA pelo fabricante do EPI fica condicionada a procedimentos específicos, atualmente estabelecidos na Portaria SIT/DSST nº 451/2014, o que inclui a avaliação pelo Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO) ou laboratório credenciado.

 

94. Recentemente, a Medida Provisória 905/2019 alterou a redação do art. 167 da Lei 8.213/91, para incluir a possibilidade do certificado de conformidade ser expedido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

 

95. Vale destacar que os Certificados de Aprovação de Equipamento de Proteção Individual, atualmente, podem ser consultados em página própria na internet da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT): http://caepi.mte.gov.br/internet/ConsultaCAInternet.aspx

 

96. Por outro lado, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) tem campo específico para a indicação do Certificado de Aprovação do EPI, no item 15.8, do formulário aprovado pela Instrução Normativa 85/PRES/INSS/2016:



97. A exigência da NR6 demonstra que uma condição para a demonstração da eficácia do EPI é a existência de CA válido no momento da prestação do serviço. Desse modo, se o PPP não apresenta informação sobre o CA ou se o certificado informado não tiver validade para o momento em que o serviço foi prestado, o formulário não poderá servir como prova válida da eficácia do EPI, suficiente a afastar o direito à aposentadoria especial.

 

98. Orientação e treinamento. O item 6.6.1.d afirma que i empregador é obrigado não apenas a fornecer e exigir o uso do EPI, mas também a        orientar e treinar o trabalhador sobre o uso adequado, guarda e conservação”. A entrega do equipamento sem as informações e o treinamento sobre sua utilização torna ineficaz o dispositivo, uma vez que o mal uso exclui o efeito protetivo do instrumento.

 

99. Manutenção, substituição e higienização. De acordo com o item o item 6.6.1.e e f, o EPI deve ser substituído imediatamente, quando danificado ou extraviado, bem como higienizado e submetido a manutenção periódica:

 

6.6.1 Cabe ao empregador quanto ao EPI:

 

e) substituir imediatamente, quando danificado ou extraviado;

 

f) responsabilizar-se pela higienização e manutenção periódica;

 

100. Apenas se a empresa cumprir o dever de manutenção, substituição e higienização pode o EPI poderá ser considerado eficaz, o que pode ser aferido por meio do registro a que a empresa está obrigada e realizar, por força do item 6.6.1.h da NR-6.

 

101. Em resumo, os requisitos para o reconhecimento da eficácia do Equipamento de Proteção Individual são:

 

-Adequação ao risco da atividade

-Certificado de conformidade válido

-Manutenção, substituição e higienização

-Orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação

 

VI. NECESSIDADE DE PRÉVIA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA ADMINISTRATIVA

 

102. No capítulo IV do voto, concluiu-se que é possível discutir no processo previdenciário, como questão prejudicial, a eficácia do Equipamento de Proteção Individual fornecido pelo empregador. Isso não significa, todavia, que esse debate possa ser iniciado sem qualquer critério.

 

103. A ineficácia de um EPI apontado como eficaz no PPP é matéria fática relevante, que deve ser informada à Administração Pública no processo administrativo.  Se a matéria não tiver sido suscitada administrativamente, não pode ser invocada como questão prejudicial no processo judicial, pois não haverá indicativo de que a autarquia indeferiria o benefício diante do quadro fático

 

104. Essa é a mesma lógica adotada pelo Supremo Tribunal Federal, na ressalva indicada no item III da tese firmada no tema 350 dos recursos com repercussão geral:

 

[...] III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo –  salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão; [...] (g.n.)

 

105. É elucidativo o debate entre o Ministro Relator Luís Roberto Barroso e o Ministro Teori Zavascki, no qual se destaca, para a existência de interesse processual, a necessidade de tratamento diferenciado para os casos em que a análise administrativa depende da iniciativa de o segurado apresentar a matéria de fato para ser apreciada pela Administração Pública:

 

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Há casos que, obviamente, não dependem de iniciativa do segurado. Se a lei concede um reajuste de benefícios e o INSS não paga espontaneamente, a omissão por si só caracteriza a resistência. Mas há casos em que a revisão ou o restabelecimento de um benefício depende de uma comprovação de matéria de fato. Não pode ser concedida espontaneamente.

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) - Eu fiz a ressalva.

 

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI - Exatamente. Nesses casos, como disse o Relator, depende da iniciativa do segurado. A cláusula geral, para mim, é saber se o INSS tem o dever de conceder de ofício ou se a concessão depende de iniciativa do segurado. Nos casos que ele depende de iniciativa, o interesse de agir supõe que tenha havido a iniciativa. Portanto, eu acompanho, nesse caso, quanto ao provimento do recurso.

 

106. Importa destacar que é perfeitamente possível apresentar ao INSS elementos que complementem ou superem as informações do PPP ou mesmo do LTCAT. Como exemplo, o art. 261 da Instrução Normativa 77/2015 elenca uma série de documentos aceitos pela autarquia em substiutição ou complementação ao laudo técnico das condições ambientais de trabalho. O mesmo ato normativo, ao disciplinar a ação do servidor responsável pela análise administrativa (art. 296), afirma que o PPP deve ser confrontado com documentos contemporâneos apresentados (inciso I), podendo ser reconhecida a necessidade de correção de falhas e complementação de informações para supressão de inconsistências (inciso II).  É possível, ainda, o encaminhamento para análise por perito médico previdenciário, que “poderá, sempre que julgar necessário, solicitar as demonstrações ambientais de que trata o inciso V do caput do art. 261 e outros documentos pertinentes à empresa responsável pelas informações, bem como inspecionar o ambiente de trabalho” (art. 298).

 

107. Conclui-se, assim, que apenas será possível discutir no processo previdenciário, como questão prejudicial, a eficácia do Equipamento de Proteção Individual fornecido pelo empregador, caso a matéria tenha sido suscitada administrativamente.

 

VII. CONCLUSÃO E TESE

 

108. A questão jurídica indicada no tema 213 dos recursos representativos de controvérsia desta Turma Nacional foi formulada com as seguintes palavras: “saber quais são os critérios de aferição da eficácia do equipamento de proteção individual na análise do direito à aposentadoria especial ou à conversão de tempo especial em comum”.

 

109. A resposta à questão jurídica posta não pode desconsiderar os impactos da decisão, tanto na gestão do acervo processual, quanto na proteção da saúde do trabalhador e aos cofres públicos.

 

110. No que se refere ao impacto na prestação jurisdicional, deve se destacar que a possibilidade de abertura de discussão sobre a eficácia do EPI no processo judicial previdenciário não significa autorização para produção de prova técnica em todos os processos. Ao contrário, a perícia, em regra, apenas será necessária no caso de dúvida quanto à eficácia integral do EPI, o que, em regra, será resolvido em processos paradigmáticos representativos de controvérsia ou por meio de prova emprestada. No cotidiano das discussões judiciais sobre aposentadoria especial, há muito mais questionamento quanto à eficácia específica do EPI, cuja solução será, em regra, feita por meio de prova documental.

 

111. Quanto à proteção da saúde do trabalhador e aos cofres públicos, é importante destacar que presumir a eficácia do EPI com base na declaração da empresa acarreta perda de receita da contribuição RAT/SAT e aumeta o custo social e pessoal com acidentes de trabalho, pois desestimula a adoção de tecnologias preventivas mais eficazes.

 

112. Diante de todos os fundamentos expostos no voto, propõe-se ao Colegiado a aprovação da seguinte tese:

 

I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz não é dotada de presunção de veracidade, podendo ser fundamentadamente desafiada pelo segurado, desde que exista prévia e específica impugnação do formulário em sede administrativa, onde tenham sido motivadamente alegados: (i.) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii.) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii.) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv.) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso o uso adequado, guarda e conservação; ou (v.) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI

 

II - Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência real ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por  impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial.

 

113. Ante o exposto, voto por CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Pedido de Uniformização, para aprovar a tese acima proposta e determinar a devolução dos autos à Turma Recursal de origem, a fim de adequar o julgamento.

 

Documento eletrônico assinado por FÁBIO SOUZA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproctnu.cjf.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 900000091108v48 e do código CRC 5c80ee49.

 

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): FÁBIO SOUZA

Data e Hora: 17/2/2020, às 17:29:29

 

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Comentários

  1. Parabéns!
    Exelente Material,conteúdo Completo,sanando todas as duvidas referente a Eficácia ou não do uso de EPI.

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