MODELO DE PETIÇÃO INICIAL PARA RECEBER VALORES DO PASEP (TEMA 1150 DO STJ)

Turma Recursal da JFSE declara inconstitucionalidade da EC n.º 103/2019 em pensão por morte


 

Em sessão realizada no dia 12 de maio de 2021, a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Justiça Federal em Sergipe (JFSE) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade incidental das alterações estabelecidas pela Emenda Constitucional – EC nº 103/2019, no regramento da pensão por morte.

De acordo com o voto condutor do acórdão, a EC teria violado “o princípio da proibição do retrocesso, que garante a manutenção do patamar de proteção social já atingido pela legislação infraconstitucional reguladora dos direitos assegurados pela CF/88”, ao praticamente restabelecer a disciplina legal sobre o benefício, prevista na Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), revogada pela Constituição Federal de 1988 – CF/88 e pela Lei nº 8.213/91.



VOTO

A segurada recorreu contra sentença que julgou improcedente seu pedido de concessão de pensão por morte, em razão de não ter sido reconhecida a qualidade de dependente com o falecido na condição de companheira.

A sentença deve ser reformada.

1. QUALIDADE DE SEGURADO / DEPENDÊNCIA

Qualidade de segurado do falecido é incontroversa.

Os documentos apresentados pela autora comprovam que ela mantinha união estável com o falecido, pois há a escritura pública declaratória de tal fato lavrada em 6/11/2012, quase 9 (nove) anos antes do óbito do segurado (19/1/2020, conforme anexo nº 4).

Segundo, ela figurava como sua dependente na Bradesco Seguros (anexo nº 7), no plano funeral da OSAF (anexo nº 12, página nº 11) e no MPAS/SINPAS/INPS (anexo nº 6).

O fato da autora não ter declarado o falecido como integrante de seu núcleo familiar no CadÚnico não retira a eficácia daquelas provas, nem fazer desparacer o fato provado da relação de união estável entre ela e o morto. Só comprova que aquela informação não consta naquele banco de dados da Assistência Social.

Tal fato pode ter sido declarado por ela quando do preenchimento dos dados do CadÚnico, que é feito perante órgão do Município do local de residência da pessoa interessada, conforme ela mesma afirmou em seu depoimento ter ocorrido, e ali não fora lançado por erro do funcionário responsável, como pode ter sido sonegado. Mas não há prova nem de uma, nem de outra coisa, além do que a autora é pessoa no mínimo analfabeta funcional, conforme pode-se constatar pela assinatura que consta em sua carteira de identidade (anexo n.º 8).

Apesar disso, ainda que ela não tivesse direito ao amparo social ao idoso por conta de viver declaradamente com seu filho (anexo n.º 25, p. 10) e de fato também com o falecido companheiro, o primeiro remunerado com um salário mínimo e o segundo com remuneração média de quatro salários mínimos (anexo n.º 15 a 19), ela tem à pensão por morte como companheira do instituidor e será suficiente autorizar o INSS a fazer cessar o pagamento do amparo social e  descontar da pensão os valores pagos a título daquele benefício assistencial por ela indevidamente recebido, pois isso restabelecerá a justiça no caso concreto (equidade aret. 6º da Lei n.º 9.099/95).

2.  DATA DE INÍCIO DE BENEFÍCIO

Quanto à data de início do benefício (DIB), ela deve retroagir até a do óbito, pois o requerimento (10/2/2020) foi feito menos de trinta dias depois daquele (19/1/2020).

3.  RENDA MENSAL DE BENEFÍCIO

Como o óbito ocorreu em 19/1/2020 quando já estava vigente a Emenda Constitucional - EC n.º 103/2019, ela deveria reger a pensão por morte aqui deferida, não fosse ela inconstitucional por violação do princípio da proibição do retrocesso, que garante a manutenção do patamar de proteção social já atingido pela legislação infraconstitucional reguladora dos direitos assegurados pela CF/88.

Se a ordem social tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 194 da CF/88) e se a legislação previdenciária desde há muito tempo garantiu a proteção especial da família (art. 226 da CF/88) via concessão de pensão pela morte daquele que lhe provê a sobrevivência, a legislação posterior, ainda que uma emenda constitucional, poderia suprimir tal garantia ou reduzi-la como fez a EC n.º 103/2019.

O que a EC pretendeu fazer foi suprimir direitos previdenciários construídos ao longo de décadas para a proteção de quem se vê sem sua fonte de subsistência primária, em razão de evento inesperado, ao restabelecer a regulação sobre pensão por morte que havia na Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, Lei n.º 3.807/60, e com regramento sobre renda mensal ainda mais gravoso do que aquele, mesmo depois dela ter sido revogada pela CF e pela Lei n.º 8.213/91. E, o que é ainda mais esdrúxulo do ponto de vista da lógica do processo legislativo, disciplinando inclusive percentuais de cálculo de renda mensal de benefício, questões normalmente deixadas para a legislação complementar e ordinária.

Nada obstava – nem obsta – que se aprove legislação propondo, por exemplo, que o cônjuge sobrevivente tivesse direito a apenas parte da pensão, em razão de ter renda própria, ou vedar o acúmulo de pensão com salários superiores ao teto dos benefícios do RGPS, pois haveria razão econômica suficiente para tanto: garantia concreta de meios para a própria sobrevivência sem o concurso do cônjuge falecido.

Mas reduzir drasticamente o valor da renda mensal de benefício como o fez a EC n.º 103/2019 sem qualquer outro parâmetro econômico (ex.: estado de empregado do dependente, nível de renda etc.) é esvaziar o conteúdo da garantia constitucional na prática.

No caso da pensão por morte, o art. 23 da EC determina que a renda mensal será "equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento)".

Isso é quase cópia do art. 37 da Lei n.º 3.807/60: "Art. 37. A importância da pensão devida ao conjunto dos dependentes do segurado será constituída de uma parcela familiar, igual a 50% (cinqüenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito se na data do seu falecimento fôsse aposentado, e mais tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de 5 (cinco)".

Ao invés de avançarmos na proteção social, voltamos no tempo quase 60 anos, sendo que o Brasil de 2019/2020 é outro muito diferente daquele das décadas de 60 e 70 do século XX, mais pobre e mais desigual, como é notório e comprovam os indicadores sociais levantados pelo IBGE ("Síntese de indicadores sociais". Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br /visualizacao/livros/liv101629.pdf. Acesso em 2/5/2021).

Na prática, o mecanismo de cálculo estabelecido pela EC n.º 103/2019 é ainda mais regressivo do que aquele que havia há 60 anos, pois ela determina que se levem em conta todos os salários de contribuição do segurado instituidor, apurados desde julho/1994 (art. 26) e fixa percentual de renda mensal inicial de 60% (sessenta por cento) daquela média como regra para todos os benefícios, inclusive a pensão por morte.

Ora, simples cálculo aritmético faz-nos concluir que a renda da pensão por morte que era de 100% (cem por cento) "aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento" passou a ser de 36% (trinta e seis por cento), no caso de haver apenas a viúva habilitada, como nesta demanda, sem qualquer consideração sobre a situação econômica de vida da dependente (ex.: empregada ou não; beneficiária de aposentadoria ou não; idosa ou não etc.) que pudesse justificar a redução absurda do nível de renda destinada ao seu sustento e ao de sua família [ "(...) 4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças. 5. Recurso extraordinário não provido, com a fixação das teses jurídicas de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e de que a norma se aplica a todas as mulheres trabalhadoras". (RE 658312, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027  DIVULG 09-02-2015  PUBLIC 10-02-2015)].

Sem mencionar a ampliação do período básico de cálculo (PBC), que fatalmente reduzirá ainda mais o valor efetivo a ser pago, pois quanto maior o período a ser levado em conta, maiores as chances de ter havido variação de salário e menor tenderá a ser a média obtida.

Não há a menor sombra de dúvida que a alteração estabelecida pela EC em relação à pensão por morte conduz à supressão concreta do direito e viola flagrantemente as instituições que o Estado deve proteger, a garantia da “cobertura do evento morte” (art. 201, inciso I, do CF/88) e a vedação do retrocesso, especialmente porque sequer se poderia falar em aplicação da reserva do possível no caso das prestações previdenciárias, pois elas têm fonte de custeio específica.

Sobre o tema, STF: "(...) A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS

CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS,

ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 196, 197 E 227)... (...)". [(RE 581352 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-230  DIVULG 21-11-2013  PUBLIC 22-11-2013)].

Não se trata aqui de alocação discricionária de verbas estatais para prover esta ou aquela despesa, mas de verba vinculada ao pagamento de benefícios da Seguridade Social, custeada por diveras fontes.

Tais fontes de custeio inclusive são suficientes e superavitárias, conforme apurado pela "Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal destinada a investigar a contabilidade da previdência social, esclarecendo com precisão as receitas e despesas do sistema, bem como todos os desvios de recursos" (sigla CPIPREV), cujo relatório final fora aprovado em 25/10/2017 (https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2093&tp=4. Acesso em 2/5/2021).

Conforme consta nas conclusões daquele relatório:

"(...)

Assim, não se pode admitir, que em momentos de absurda redução da atividade econômica, caracterizada por um período prolongado de recessão que beira a depressão econômica, pretenda-se impor à sociedade brasileira como solução à crise atual, a extinção e a redução de direitos sociais necessários e imprescindíveis à mínima existência humana digna".

Por esses pressupostos e fiéis aos princípios fundamentais erigidos pela Constituição brasileira, é que nos é imposto o dever de evitar retrocessos sociais incompatíveis com a ordem jurídica vigente, pois se implementados importariam em relativização inadmissível de garantias plenas da cidadania.

E é nessa perspectiva que a CPIPREV o Senado Federal assevera que qualquer reforma constitucional que não concilie estes princípios estará maculada pela inequívoca ofensa à ordem constitucional e, como consequência, tida por inconstitucional.

(...)"

Por último, a EC violou o critério atuarial que deve presidir a regulação das prestações previdenciárias (art. 201 caput da CF/88), vulnerou a garantia da seletividade das utilidades securitárias, já que sem os estudos atuariais suficientes e sem a cobertura adequada de cada situação concreta (cônjuge/companheiro empregado, cônjuge/companheiro desempregado, cônjuge/companheiro com grandes rendimentos, cônjuge/companheiro sem grandes rendimentos, cônjuge/companheiro incapacitado, cônjuge/companheiro capaz, cônjuge/companheiro idoso, cônjuge/companheiro jovem  etc.), haveria uma tabula rasa previdenciária incompatível com os objetivos da República: construir uma sociedade justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos (art. 3º da CF/88).

Assim, como as disposições da EC n.º 103/2019 sobre pensão por morte são inconstitucionais, permanecem vigentes as anteriores.

No caso, a renda mensal inicial (RMI) da pensão por morte devida à autora deve observar o art. 75 da Lei n.º 8.213/91: "o valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento".

No caso, o falecido instituidor recebia o auxílio-doença NB 628999563-8 quando morreu (anexo n.º 13, p. 7) e, por isso, a renda da pensão deverá ser de 100% da RMB daquele benefício, pois ele não foi intercalado com períodos de contribuição.

Por último, a pensão deve ser implantada na modalidade vitalícia, sem data de cessação de benefício (DCB), pois a autora contava mais de 69 anos de idade na data do óbito (anexo n.º 8) e, por isso, incide no caso o art. 77, § 2º, inciso V, alínea "c", item n.º 6, da Lei n.º 8.213/91, sem qualquer necessidade de consideração sobre a constitucionalidade ou não das alterações introduzidas no RGPS via Medidas Provisórias.

Amparado em tais fundamentos, voto por conhecer e prover o recurso, reformar a sentença recorrida e:

a)  de ofício, proclamar a prescrição das parcelas do benefício vencidas há mais de cincoanos do ajuizamento da ação;

b)  nos termos do art. 43, primeira parte, da Lei n.º 9.099/95 e art. 1º da Lei n.º 10.259/2001,cominar ao réu a obrigação de:

b.1)      implantar o benefício descrito no RESUMO DO BENEFÍCIO DEFERIDO abaixo, noprazo de 15 (quinze) dias, como data de início do benefício (DIB), data de início de pagamento (DIP) e renda mensal inicial (RMI) ali especificadas, independente do trânsito em julgado desta decisão;

b.2)      fazer cessar o benefício descrito no RESUMO DO BENEFÍCIO A SER CESSADOabaixo, no prazo de 15 (quinze) dias, como data de cessação do benefício (DCB) igual à data de início de pagamento (DIP) da pensão, independente do trânsito em julgado desta decisão;

c)  acolher o pedido formulado na inicial, confirmar a cominação acima estabelecida, econdenar o réu a implantar, de modo definitivo, o benefício devido à parte autora

(pensão por morte);

d)  julgar procedente a demanda.

A autarquia deverá ser intimada a comprovar nos autos, no prazo de 15 (quinze) dias, o cumprimento do preceito cominatório acima estabelecido, sob pena de multa diária de de R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais), a incidir a partir do 16º (décimo sexto) dia da sua intimação e até que se comprove o adimplemento da obrigação de fazer.

Condeno o réu ao pagamento das parcelas devidas da pensão por morte desde a DIB até o dia anterior à DIP, descontados os valores pagos à autora a título de amparo social ao idoso de NB 7021905883 desde a DIB deste último até a sua DCB, bem como de eventuais outros valores comprovadamente (por documentos) pagos no mesmo período decorrente de outra prestação previdenciária não acumulável.

Os valores da condenação deverão ser acrescidos de correção monetária, incidente desde o vencimento de cada uma das parcelas, e juros de mora mensais, incidentes desde a citação; e deverão observar o Tema 810 do STF: a) a correção monetária deverá ser calculada de acordo com o vencimento das parcelas originalmente devidas, utilizando-se como índice o IPCA-E; e b) os juros de mora serão devidos desde a citação, a observar o seguinte: i) até junho/2009, regramento previsto para os juros de mora no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para a classe da ação; ii) de julho/2009 e até junho/2012, 0,5% (meio por cento) ao mês de juros de mora (art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, alterada pela Lei n.º 11.960/2009); e iii) a partir de julho/2012, taxa de juros aplicada às cadernetas de poupança (art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, alterada pela Lei n.º 11.960/2009 e Lei n.º 12.703/2012); valores a serem estabelecidos no juízo de origem, após o trânsito em julgado desta decisão.

Autorizo desde já o INSS a descontar o saldo dos valores pagos do benefício de amparo social ao idoso de NB 7021905883 diretamente da pensão por morte devida à autora, caso as parcelas atrasadas desta última, a serem pagas via RPV, não sejam suficientes para suportar todo aquele débito, respeitado o art. 115, inciso II, da Lei n.º 8.213/91.

Sem custas ou honorários advocatícios, pois a sucumbente foi a parte recorrida, não a parte recorrente (art. 55º da Lei n.º 9.099/95 e art. 1º da Lei n.º 10.259/2001).

É como voto.


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