APOSENTADOS PODEM PERDER BENEFÍCIO ESPECIAL

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF (10/06/2020) - Sessão plenária por videoconferência do STF. 
 

👉🏻 Pós-Graduação em Direito Público direcionada para o MPF


RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE 791961)

 

Entenda o que aconteceu no julgamento.

 

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli (Presidente e Relator), apreciando o TEMA 709 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte TESE:

 

I) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.

 

II) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.

 

Vencidos os Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio, Celso de Mello e Rosa Weber. Falaram: pelo reco.

 

A TESE foi aceita após o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, por seu Procurador Federal, com fundamento na alínea “b”, inciso III, art. 102 da Constituição Federal, apresentar RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para o Supremo Tribunal Federal, requerendo seja admitido e remetido, com as anexas razões.

 

RAZÕES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

Indexação: Aposentadoria especial. Artigo 57, § 8º, da Lei 8.213/91. Inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal a quo. Incompatibilidade não verificada diante do artigo 5º, inciso XIII, 7º, inciso XXXIII, 201, § 1º, da CF/88. A proibição de continuar na atividade insalubre após concedida aposentadoria especial não atenta contra a liberdade de exercício de profissão ou ofício.

 

a) resumo da demanda

Trata-se de ação ordinária na qual a parte autora requereu o reconhecimento de atividades exercidas em regime especial, bem como a decorrente concessão de aposentadoria especial.

 

b) decisão recorrida

O Tribunal Regional Federal (TRF-4) reconheceu tese contrária à autarquia, inclusive quanto à data de início do benefício, remetendo ao julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24-05-2012, o qual declarou inconstitucional o art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91.

 

c) demonstração do cabimento do recurso interposto.

 

Este recurso é cabível porque:

a) a decisão do Tribunal Regional não permite qualquer outro recurso ordinário, o que configura causa decidida em última instância;

b) a decisão recorrida declarou a inconstitucionalidade de lei federal; (artigo § 8º, art. 57, Lei 8.213/91) - (CF 102, III, alínea b);

c) o acórdão recorrido adotou tese explícita em relação ao § 8º, art. 57, Lei 8.213/91 e a sua incompatibilidade com o art. 5º, XIII, 7º, inciso XXXIII, e 201, § 1º, da CF/88, o que atende à necessidade de prequestionamento.

d) repercussão geral

A Lei 11.418, de 19/12/2006, publicada em 20/12/2006, inseriu no Código de Processo Civil o art. 543-A para disciplinar a repercussão geral como condição de admissibilidade dos Recursos Extraordinários.

 

O § 1º do novel art. 543-A define o que vem a ser repercussão geral, nos seguintes termos:

 

§ 1º - Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Do ponto de vista econômico, a interpretação dada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao art. 5º, XIII e 201, § 1º, da CF/88, no caso ora sob análise, repercute de modo claro sobre as cifras anualmente despendidas com o pagamento dos benefícios previdenciários, pois redunda em pagamentos mais longos aos segurados que forem titulares de aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos à saúde.

 

Do ponto de vista político, há repercussão geral porque a adoção da tese em referência causará dificuldades na manutenção dos pagamentos dos benefícios já concedidos. Dito de outro modo, o deferimento da pretensão deduzida nesta demanda - e a adoção da mesma tese em demandas semelhantes - terá como consequência direta prejuízo econômico à Previdência Social, o que resulta na fragilização política do sistema de seguridade pública.

 

Sob o ponto de vista social, é de se considerar que o número de trabalhadores que exercem atividades com exposição a agentes nocivos à saúde e que, por isso, receberão no futuro uma aposentadoria precoce, é muito grande e que autorizar a continuidade no exercício desse trabalho após concedida a aposentação antecipada, representará um sério agravamento da saúde de tais cidadãos, o que gerará novos gastos públicos na área da Saúde.

 

Há também repercussão geral do ponto de vista jurídico, vez que acolhido o entendimento do acórdão recorrido, estará criado precedente jurisprudencial de possível aplicação a milhares de outros casos concretos semelhantes já judicializados e que terão as mesmas repercussões econômicas e políticas citadas anteriormente, nos quais se pede a concessão de aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos, sem que se exija o afastamento do trabalhador dessa mesma atividade que afeta a sua saúde e justifica uma aposentadoria precoce.

 

e) razões do pedido de reforma da decisão

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a partir do julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5001401-77.2012.404.0000 (Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24-05-2012) declarou a inconstitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, por violação aos artigos 5º, inciso XIII, art. 7º, XXXIII, e 201, § 1º, da CF/88:

 

Art. 5º, inciso XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

 

Art. 7º, inciso XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

 

Art. 201, § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

 

No entanto, como se passará a demonstrar, o § 8º do art. 57, Lei 8.213/91, quando determina o necessário afastamento do trabalhador das atividades nocivas à saúde para a concessão de aposentadoria especial, NÃO atenta contra a liberdade de ofício ou profissão, NEM contra o § 1º, art. 201, CF/88, que prevê a adoção de regime diferenciado para atividades exercidas em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou integridade física.

 

Muito se tem dito que o fundamento da aposentadoria especial é o simples fato de o segurado se submeter a determinada condição de trabalho mais insalubre, perigosa ou penosa do que aquela que se observa nas ocupações em geral, pelo que seria espécie de aposentadoria por tempo de serviço[1], e que exigir a exposição habitual equivaleria a transformá-la em aposentadoria por invalidez.[2] Trata-se de interpretação não só errada, mas que importa em afronta à Constituição.

 

Tal posicionamento se deve a um desconhecimento acerca dos fundamentos desse benefício, levando a que não se compreenda a contingência específica a que se relaciona a aposentadoria especial. Por certo tal discussão não é recente, valendo notar que desde o debate sobre a criação desse instituto na Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807/60) já havia dúvidas quanto à sua constitucionalidade, tendo em vista que a CF/46 (art. 157, XVI), à semelhança da CF/88 (art. 201, I), dispunha, ao descrever as contingências, sobre o fenômeno “velhice” (idade avançada), pelo que a instituição de idade diferenciada não se justificaria juridicamente.[3] Porém, há muito já não é cabível tamanha imprecisão conceitual.

 

Deve-se a continuidade da incompreensão, acima de tudo, ao fato de os juristas sempre terem preferido pressupor que o conceito de desgaste, tal qual se encontra no cerne da aposentadoria especial, não tem conteúdo técnico específico para além da mera fixação da nocividade do ambiente de trabalho em sentido genérico, como se a gradação relativa ao tempo de serviço mínimo (15, 20, 25 anos) se devesse a uma vaga noção do prejuízo à integridade física, e não a um estudo minucioso do seu diferimento no tempo[4]. Daí vêm as equivocadas comparações com as aposentadorias por tempo de serviço/contribuição e com as aposentadorias por invalidez.

 

Em primeiro lugar, é certo que a contagem privilegiada do tempo de serviço não guarda nenhuma relação com a aposentadoria por tempo de serviço, pois não se trata de mera faculdade de afastamento prévio sub conditione, e sim de compensação proporcional do tempo de serviço, em razão de um desgaste imposto pela própria natureza das atividades exercidas.

 

Percebe-se que os autores que se filiam a essa vertente partem de pressupostos de comparação meramente morfológicos.[5] Se, contudo, nos aproximamos da teleologia de cada benefício, sem dificuldade verificamos suas flagrantes diferenças, porquanto um tem por propósito compensar o segurado em função de um maior desgaste laboral, ao passo que o outro está voltado a uma alternativa condicionada, uma opção vinculada a um encargo subsidiário; ou seja, trata-se de uma compensação do sistema pelo menor desgaste, como consequência do não-implemento da “idade avançada”.

 

Daí haver, no caso da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a facultas agendi que não subsiste no caso da aposentadoria especial, pois nesta o próprio trabalho remunerado, como causa da filiação à Previdência Social, é o pressuposto da redução do tempo de serviço necessário. Em outras palavras, a contagem do tempo de serviço é diferenciada na aposentadoria especial, ao passo que, na aposentadoria por tempo de serviço, a contagem do tempo é ordinária, pelo que foram criados fatores de compensação para fins de equacionamento do custo do benefício em razão do não-implemento da idade mínima ordinária.

 

Não resta dúvida, por outro lado, de que a aposentadoria especial não se confunde com a aposentadoria por invalidez, nem tampouco com os benefícios acidentários de um modo geral, pois estes se orientam à cobertura de fatos singulares, independentemente de sua maior ou menor probabilidade pretérita. A confusão ocorre, principalmente, porque não se concebe a possibilidade de desgaste progressivo do organismo, independentemente de haver, ou não, o desenvolvimento de uma incapacidade laborativa total ou parcial, quando foi exatamente este o fundamento histórico que levou à concepção da contagem privilegiada.

 

Por certo os estudos estatísticos acerca dos fatores de desgaste do organismo levam em consideração o número de acidentes laborais, sendo esta a razão para a recente integração da aposentadoria especial no Fator Acidentário de Prevenção[6]; mas é óbvio, também, que seu escopo está nas consequências anteriores à incapacidade que prejudica substancialmente o exercício do trabalho, e desta independem.

 

A se conceber a indistinção entre a aposentadoria especial e a aposentadoria por invalidez, parte-se do pressuposto de que o escopo daquele instituto é fixar um prazo em que o segurado se tornaria inválido, em um verdadeiro exercício de adivinhação, quando seu propósito é estabelecer um critério técnico de perda progressiva da capacidade laborativa em proporção mais acentuada do que a decorrente da idade e do serviço em condições ordinárias.

 

Sem dúvida, a aposentadoria especial é uma decorrência necessária da contingência “idade avançada”, na medida em que se pode, a partir de critérios médico estatísticos, estabelecer, para determinadas atividades, uma perda da capacidade laborativa compatível com a que se dá naturalmente pelo envelhecimento e o exercício de trabalhos ordinários, embora em período inferior. Da mesma forma que se supõe uma perda substancial da capacidade laborativa a partir de uma certa idade e de um determinado tempo de serviço, independentemente da invalidez, é possível, igualmente, prever que tal condição se implementa diante do trabalho em condições desgastantes, em um tempo de serviço menor.[7] Os critérios correspondentes, por sua vez, são a razão de ser do estabelecimento de uma regra de enquadramento em que se excluem diversas ocupações.

Em edição...

AAA



[1] CASTRO, C. A. P. de; LAZZARI, J. B. Manual de Direito Previdenciário. 13 ed. São Paulo: Conceito, 2011. p. 637; HORVATH, M. Jr. Dicionário Analítico de Previdência Social. São Paulo: Atlas, 2009. p. 14; FREITAS, N. A Aposentadoria Especial no Brasil apud ALVIM, M. H. C. Aposentadoria Especial. 4 ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 23; MARTINEZ, W. N. Contribuição para a Aposentadoria Especial. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 156, set 2008. pp. 128-129; BACHUR, T. F. A Aposentadoria do Jornalista Profissional. Jornal Trabalhista Consulex, n.º 1345, out 2010. p. 6; DEMO, R. L. L. A Atividade Especial para Efeito de Aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social. Jornal Trabalhista Consulex, n.º 1164, abr-2007. p. 6; NETO, J. C. Novos Enfoques da Aposentadoria Especial. Ciência Jurídica do Trabalho, n.º 77, set-out 2009. p. 157; FREUDENTHAL, S. P. Aposentadoria especial ainda existe, Revista do Advogado, n.º 80, nov 2004. p. 68.

[2] MARTINEZ, W. N. Aposentadoria Especial. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010., pp. 29-31.; MARTINS, S. P. Considerações sobre a Medida Provisória n.º 83/02. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 2, n.º 4, fev 2003, p. 102; GONZAGA, P. Perfil Profissiográfico Previdenciário. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 62; LEITE, C. B.; Dicionário Enciclopédico da Previdência Social, São Paulo: LTr, 1996, p. 19.

[3] O foco se deu na discussão sobre a aposentadoria por tempo de serviço, nas Comissões de Constituição de Justiça tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado, particularmente pela emenda n.º 26, oriunda deste.

[4] Note-se que já na discussão sobre a gradação, quando da discussão do PL 2119/56 na Câmara dos Deputados, foram oferecidas emendas de plenário que pretendiam estabelecer uma faixa única de 25 anos (emenda n.º 237) e criar-se uma quarta faixa, de 10 anos (emenda n.º 22), ambas rejeitadas, pois, nos termos do parecer da Comissão de Legislação Social, tal estrutura obedece a critérios técnicos, sendo esta a razão para que a classificação tenha surgido já no Anteprojeto da Subcomissão de Seguridade Social do MTPS.

[5] MARTINS, S. P. Direito da Seguridade Social. 29ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 353; TAVARES, M. L., Direito Previdenciário. 12ª ed. Niterói: Impetus 2010. p. 153; FREUDENTHAL, S. P. Aposentadoria Especial. São Paulo: LTr, 2000. pp. 13-14; WEINTRAUB, A. B. V. & BERBEL, F. L. V. Manual de Aposentadoria Especial, São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 29-30.

[6] 6 Cf. IBRAHIM, F. Z. Curso de Direito Previdenciário. 16ª ed. Niterói: Impetus, 2011, pp. 263-266. Eis aqui mais uma confusão que se tornou comum na doutrina, que por vezes entende ser isso razão suficiente para desnaturar o conceito e a função da aposentadoria especial (Cf. LADENTHIN, A. B. C. A Contribuição da Aposentadoria Especial. Revista de Direito Social, n.º 14, abr-jun 2004. p. 50; CARRAZZA, R. A.; Inconstitucionalidades e ilegalidades da “nova” contribuição para o SAT e do fator acidentário de Prevenção (FAP) – Questões Conexas. Revista de Direito Social. n.º 39, jul-set 2010. pp. 106-109). O FAP, conjuminando o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) e os Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), proporcionou uma integração do custeio dos riscos laborativos como um todo, integrando os diversos tipos de incapacidades decorrentes do ambiente de trabalho, em todos os seus níveis, de modo a diferenciar os ramos empresariais e as empresas segundo a maior ou menor segurança e higiene que proporcionam. Cf. OLIVEIRA, P. R. A. de. NTEP e FAP: um novo olhar sobre a saúde do trabalhador. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2010.

[7] Cf. BERBEL, F. L. V. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005. pp. 203 e ss


Comentários

  1. Oi Boa tarde ,gostaria de saber quem ficou recebendo benefícios com 42 anos a partir de 2013 quando tempo recebe pensão por morte?

    ResponderExcluir
  2. 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade

    ResponderExcluir
  3. Boa tarde senhor Valter eu sou aposentado por invalidez a 5 anos eu fiquei 5 anos afastado aí depois mim aposentaro eu vi uma matéria que o senhor falou a respeito da averbação do tempo como contribuição eu tenho direito meu telefone é 62 996164770

    ResponderExcluir

Postar um comentário