...consiste
no direito dos autores, servidores públicos federais, ocupantes do cargo de
técnico do seguro social, ao recebimento das diferenças remuneratórias
decorrentes do exercício de atribuições que consideram inerentes ao cargo de
analista do seguro social
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. TÉCNICO DO SEGURO SOCIAL E
ANALISTA DO SEGURO SOCIAL. DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. POSSIBILIDADE.
1.
As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja
qual for a natureza, de acordo com o artigo 1º do Decreto 20.910/32, prescrevem
em 05 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
2.
O cerne da controvérsia
trazida à análise consiste no direito dos autores, servidores públicos
federais, ocupantes do cargo de técnico do seguro social, ao recebimento das
diferenças remuneratórias decorrentes do exercício de atribuições que
consideram inerentes ao cargo de analista do seguro social.
3.
O desvio de função
não é reconhecido, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, como forma
de provimento, originário ou derivado, em cargo público, porquanto é ilegal e
inconstitucional.
4.
O único reconhecimento
que a jurisprudência tem assegurado aos servidores que experimentam tal
situação é o pagamento relativo à diferença entre a remuneração do cargo
efetivamente exercido pelo servidor e a do cargo que legalmente ocupa,
durante o período de exercício de outra função, observada a prescrição
quinquenal.
5.
Na hipótese, restou comprovado o desvio de função dos autores, eis que os documentos
acostados aos autos (relatórios de auditoria de benefícios) evidenciam que os
autores analisavam processos de requerimentos de benefícios previdenciários, concluindo pela concessão
ou indeferimento dos pedidos, função exclusiva do cargo de analista de seguro
social. Além disso, os testemunhos colhidos pelo juízo a quo são
harmônicos e consistentes em corroborar a prova material. As testemunhas
afirmaram, de forma segura, que não existia divisão de trabalho com base no cargo desempenhado,
asseverando que todos os servidores desempenhavam o mesmo serviço, seja técnico
ou analista.
6.
O
desvio de função
restou caracterizado,
sendo, portanto, cabível
o pagamento relativo às diferenças remuneratórias, sob pena de enriquecimento
sem causa do Estado.
7.
Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas.
ACÓRDÃO
Decide a Segunda Turma do TRF da
1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa
oficial, nos termos do voto do Relator.
Segunda Turma do TRF da 1ª
Região, 14 de agosto de 2019.
DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO LUIZ
DE SOUSA
RELATOR
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 0005591-08.2010.4.01.3304/BA
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR
FEDERAL JOÃO LUIZ DE SOUSA (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta em face de sentença
que, em ação pelo rito ordinário, julgou procedente o pedido dos autores,
condenando o INSS a pagar aos autores as diferenças apuradas entre os
vencimentos do cargo de técnico do seguro social e os vencimentos inerentes ao
cargo de analista do seguro social desde a entrada em exercício de cada um dos
requerentes, respeitada a prescrição quinquenal.
Em suas razões recursais, o Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS alegou, em síntese, a ausência de amparo normativo para o
reconhecimento do desvio funcional. Sustentou, ainda, que com a percepção de
quaisquer valores referentes ao exercício do cargo pleiteado a parte autora
obterá, na prática, o reconhecimento da ascensão funcional no período de
exercício das funções alegadas.
Houve remessa oficial.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
DA PRESCRIÇÃO
Tratando-se de ação
cujo pleito consiste no reconhecimento de situação funcional de fato,
reenquadramento em cargo público ou outros efeitos pecuniários decorrentes de
proventos ou pensões, a prescrição alcança o chamado fundo de direito e o prazo
tem início na data em que consumado o ato do qual estaria a emanar o pretenso
direito.
As dívidas passivas da
União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra
a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a natureza, de acordo
com o artigo 1º do Decreto 20.910/32, prescrevem em 05 (cinco) anos, contados
da data do ato ou fato do qual se originarem.
DO MÉRITO
O cerne da controvérsia trazida à análise consiste
no direito dos autores, servidores públicos federais, ocupantes do cargo de
técnico do seguro social, ao recebimento das diferenças remuneratórias
decorrentes do exercício de atribuições que consideram inerentes ao cargo de
analista do seguro social.
O desvio de função não é reconhecido, tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência, como forma de provimento, originário ou derivado,
em cargo público, porquanto é ilegal e inconstitucional.
O único reconhecimento que a jurisprudência tem
assegurado aos servidores que experimentam tal situação é o pagamento relativo
à diferença entre a remuneração do cargo efetivamente exercido pelo servidor e
a do cargo que legalmente ocupa, durante o período de exercício de outra
função, observada a prescrição quinquenal.
A título de ilustração, confiram-se os seguintes
precedentes:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ART. 87
DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 46/94. NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA.
REGULAMENTADA PELA RESOLUÇÃO N.º 14/01 DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXERCÍCIO, EM DESVIO DE FUNÇÃO, DAS
FUNÇÕES ATINENTES AO CARGO DE OFICIAL DE JUSTIÇA. PLEITO RELATIVO À "INDENIZAÇÃO
DE TRANSPORTE". DIREITO À PERCEPÇÃO DAS DIFERENÇAS SALARIAIS.
1. O art. 87 da Lei Complementar Estadual n.º 46/94
é norma de eficácia contida, a qual
somente foi regulamentada quando da edição da Resolução n.º 14/01 do Tribunal
de Justiça do Estado do Espírito Santo. Precedente.
2. O desvio de função não implica direito ao
reenquadramento ou à reclassificação, mas em face do exercício de funções
alheias ao cargo que ocupa, o servidor faz jus ao pagamento das diferenças
remuneratórias no período correspondente.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança
conhecido e parcialmente provido.”
(RMS 27.831/ES, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 27/09/2011).
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO À REMUNERAÇÃO. REENQUADRAMENTO
FUNCIONAL. IMPOSSIBILIDADE.
Funcionário público. Atribuições. Desvio de
função. Direito à percepção do valor da remuneração devida como indenização.
Reenquadramento funcional. Impossibilidade, dada a exigência de concurso
público. Agravo regimental não provido.”
(STF - Supremo Tribunal Federal Classe: RE-AgR -
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Processo: 314973 UF: DF - DISTRITO FEDERAL
Órgão Julgador: Data da decisão:
Documento: Fonte DJ 25-04-2003 PP-00060 EMENT VOL-02107-04 PP-00797
Relator(a) MAURÍCIO CORRÊA). Grifei
In casu, sendo
incabível o reconhecimento ao reenquadramento ou à reclassificação, cabe
definir se, de fato, procede o pedido de pagamento das diferenças resultantes
do alegado desvio de função.
Na hipótese, restou comprovado o desvio de função
dos autores, eis que os documentos acostados aos autos (relatórios de auditoria
de benefícios) evidenciam que os autores analisavam processos de requerimentos
de benefícios previdenciários, concluindo pela concessão ou indeferimento dos
pedidos, função exclusiva do cargo de analista de seguro social. Além disso, os
testemunhos colhidos pelo juízo a quo
são harmônicos e consistentes em corroborar a prova material. As testemunhas
afirmaram, de forma segura, que não existia divisão de trabalho com base no
cargo desempenhado, asseverando que todos os servidores desempenhavam o mesmo
serviço, seja técnico ou analista.
De tal arte, o desvio de função restou
caracterizado, sendo, portanto, cabível o pagamento relativo às diferenças
remuneratórias nos termos estabelecidos na sentença, sob pena de enriquecimento
sem causa da Administração.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal
e do Superior Tribunal de Justiça, in
verbis:
“AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. REENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO ÀS
DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÕES. REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA PELO PLENÁRIO VIRTUAL
NO RE 578.657. CONTROVÉRSIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. 1. O servidor
público não possui direito a reenquadramento em cargo diverso daquele em que é
titular, mesmo que o desvio de função tenha se iniciado antes da Constituição
de 1988. Precedentes: RE 209.174, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ de
13/3/1998; e AR 2.137-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe de 26/11/2013.
2. O período trabalhado em desvio de função, quando sub judice a controvérsia
sobre o direito ao recebimento de diferença de remuneração, não revela
repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível, consoante decidido
pelo Plenário Virtual do STF na análise do RE 578.657, Rel. Min. Menezes
Direito. 3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AGENTE DE HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO.
ENQUADRAMENTO NO CARGO DE AUDITOR-FISCAL DO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. DESVIO
DE FUNÇÃO. OCORRÊNCIA. DIREITO AO RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS,
JUROS DE MORA, CORREÇÃO MONETÁRIA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRECEDENTES.” 4.
Agravo regimental DESPROVIDO.”
(ARE
860837 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 14/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG
06-05-2015 PUBLIC 07-05-2015)
EMENTA:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
DESVIO DE FUNÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE
REENQUADRAMENTO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. Consoante a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "o desvio de função ocorrido
em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao
reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das
remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do
Estado" (AI 339.234-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). Outros
precedentes: RE 191.278, RE 222.656, RE 314.973-AgR, AI 485.431-AgR, AI
516.622-AgR, e REs 276.228, 348.515 e 442.965. Agravo regimental desprovido.”
(RE
433578 AgR, Relator(a): Min. CARLOS
BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006, DJ 27-10-2006 PP-00047 EMENT
VOL-02253-05 PP-00811)
“ADMINISTRATIVO.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIFERENÇAS VENCIMENTAIS DE ACORDO COM O
PADRÃO QUE SE ENQUADRARIA O SERVIDOR SE FOSSE OCUPANTE DO CARGO DE PROFESSOR
CLASSE B. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. VEDAÇÃO AO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. ACOLHIMENTO.
I
- O servidor tem direito às diferenças vencimentais decorrentes do exercício
desviado, restando assegurada a percepção dos valores correspondentes aos
padrões que, por força da progressão funcional, estaria enquadrado se fosse
servidor daquela classe.
II
- Agravo regimental do Estado do Amapá improvido. Embargos de declaração de
Marize Viana da Silva Freire acolhidos para majorar os honorários advocatícios,
fixando-os em R$ 1.800,00.”
(AgRg
no REsp 1081391/AP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
17/09/2015, DJe 20/10/2015)
“PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO.
DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO AO RECEBIMENTO DA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA, SOB PENA
DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
-
Não destoa da jurisprudência do STF o entendimento do STJ de que, uma vez
reconhecido o desvio de função, o servidor público faz jus às diferenças
salariais dele decorrentes, sob pena de se locupletar indevidamente a
Administração. Precedentes.
-
Agravo regimental desprovido.”
(AgRg
no REsp 1081484/RS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 14/04/2014)
Ademais, consoante a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça - STJ, "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz
jus às diferenças salariais decorrentes". 3. Nos casos de desvio de
função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da
carreira, mas apenas às diferenças de vencimentos decorrentes do exercício
desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por
força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente
fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao
princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do
Estado.(AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1382874/RS, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 17/02/2014).
Correção monetária e juros de mora nos termos
do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Posto isso, nego
provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
É como voto.
Comentários
Postar um comentário